Bárbara Barroso: “Por cada dia que passa e o nosso dinheiro está parado, estamos a empobrecer”
Ao quarto livro publicado, a especialista em finanças pessoais Bárbara Barroso, fundadora do laboratório de literacia financeira MoneyLab, traz-nos um guia prático que ensina os leitores a colocarem o dinheiro a trabalhar por eles. A investidora portuguesa falou com o Ei sobre o livro, o difícil ano de 2022 e como, para ela, tudo começou com uma má decisão financeira.
O livro Ponha o seu dinheiro a trabalhar para si foi lançado em fevereiro. Qual o público-alvo?
Todas as pessoas interessadas em melhorar a sua relação com o dinheiro. O livro é um manual de finanças pessoais e traz conhecimentos úteis para a vida. Um jovem de 18 anos pode não precisar, hoje, de todo o conhecimento que está no livro, mas sim mais tarde, uma vez que vai sempre lidar com dinheiro. Este é o livro que eu gostava de ter lido quando comecei.
A sua primeira grande decisão financeira não foi muito bem sucedida…
Não foi. Aos 22 anos perdi todas as minhas poupanças ao investir na bolsa. Foi um momento muito marcante e o resultado de um cocktail que muitas vezes é fatal: baixa literacia financeira, elevada ganância e a noção de que vamos enriquecer rapidamente. Os primeiros investimentos correram bem e começamos a achar que seremos o próximo “Lobo de Wall Street”. Há uma adrenalina muito latente e até hollywoodesca quando, na realidade, investir é aborrecido. É importante termos uma consistência e constância no tempo – e uma estratégia. As pessoas falam do Warren Buffett como o maior investidor do mundo, mas esquecem-se que ele investe desde os 10 anos e está no mercado há 70 ou 80 anos. Quando esperamos coisas rápidas, não usufruímos deste grão a grão.
O que leva uma jovem de 22 anos a investir na bolsa?
A minha formação de base é de Comunicação Social e o [jornal] Diário Económico era distribuído gratuitamente na minha faculdade. Eu levava-o para casa, ainda que não entendesse quase nada do que estava escrito. Mas esforçava-me por entender. O meu pai investia em bolsa, informalmente, mas acabou por ser uma professora universitária que me despertou para a área financeira.
Aos 22 anos conheci um trader espanhol que me explicou como funcionavam os produtos derivados e contratos de futuro, que são instrumentos que permitem, com pouco dinheiro, estarmos expostos a muito. Os primeiros investimentos resultaram e depois tive um excesso de confiança, pensei que era fácil. Baixei a guarda, não tinha conhecimento suficiente e depois há o erro fatal de não colocar um stop loss, um mecanismo que trava as perdas. Esfumou-se tudo. Tive um choque, um sentimento de revolta, mas depois tentei perceber o que correu mal. Foi ali que passei a dedicar toda a minha formação e carreira para a parte financeira.
Estamos num ciclo de subida de taxas de juro, inflação galopante, uma guerra na Europa e uma pandemia que teima em não acabar. É um desafio tremendo para as finanças dos portugueses?
Não é uma tempestade perfeita, mas quase. Há um conjunto de questões macroeconómicas que vão pressionar as carteiras das famílias. Teremos um aumento dos juros e isto traduz-se em empréstimos da casa mais caros. Já temos inflação, ou seja, preços de bens e serviços mais caros, e os salários são os mesmos. A inflação retira poder de compra aos portugueses. Uma forma de atenuarmos este efeito de perda de poder de compra é investir o dinheiro. O dinheiro não pode estar parado, é este o princípio central do livro. Por cada dia que passa e o nosso dinheiro está parado, estamos a empobrecer.
A diferença entre poupar e investir é que este último cria riqueza. Para o dinheiro de hoje permitir manter o nível de vida dentro de cinco anos – ou até daqui a um ano – temos de conseguir um aumento do salário ou investimentos iguais à inflação. Caso contrário, vamos precisar de mais dinheiro para comprar os mesmos bens e serviços e isto significa ir ao supermercado e colocar menos coisas no carrinho.
O Banco Central Europeu (BCE) tem de subir os juros, mas se o faz com famílias, empresas e Estados endividados, rebenta. Estamos a falar de uma taxa Euribor que está hoje negativa a 1% a ficar em terreno positivo no final deste ano. Um exemplo: num empréstimo a 100 000 euros a 30 anos, pagamos mais 10 euros por mês; mas se falarmos de um aumento de 1%, são mais 50 euros por mês neste empréstimo. Se os valores forem maiores, também será o aumento.
E é normal que existam empréstimos maiores. As casas estão mais caras e as pessoas endividaram-se mais.
Exatamente. Estamos, desde 2015, com juros negativos. E isso não é uma coisa normal, mas já nos habituámos a este novo normal. Muitas pessoas endividaram-se e compraram casa. Poucos ainda se lembram do que aconteceu em 2008, pós-falência do Lehman Brothers, em que tivemos taxas Euribor acima dos 5,4%, que é uma coisa dantesca. As prestações duplicaram e muitas pessoas entregaram a casa ao banco, por não conseguirem pagá-la. Quem se lembra desse tempo fica assustado, mas os mais jovens, ou quem comprou casa há pouco tempo, não têm essa perceção. As pessoas têm de fazer o ajustamento para esta alteração e preparar o que aí vem.
Qual o melhor conselho que deixa do livro?
Investir. Esse é o ponto fundamental: começar a investir mesmo que seja com pouco dinheiro e o mais cedo possível. Quando investimos estamos a contribuir para o não-empobrecimento e isso é fundamental. As pessoas têm de perceber que investir não é só para ricos nem para milionários.
O primeiro passo, dos sete do livro, aborda a parte comportamental da nossa ligação ao dinheiro.
Reside aqui, nas nossas lembranças da infância, no perfil financeiro dos nossos pais ou na nossa própria personalidade, mais fechada ou aberta, o principal desafio que separa os bons e os maus investidores?
Em termos comportamentais, normalmente acontecem dois caminhos em função do ambiente em que crescemos. Os pais, ou quem nos criou, são a primeira esfera influenciadora e pela qual tendemos a modelar os nossos comportamentos. Ou vamos repetir o modelo, ou vamos repelir o modelo. Não há terceira hipótese.
Muitas vezes alerto os pais para o tipo de discurso e linguagem que têm perto dos filhos e que leva a começar a instalar crenças em relação ao dinheiro, gerando medos. Se uma família perdeu tudo num negócio, é normal que haja aversão em abrir um novo negócio, porque o dinheiro ficou associado à perda, dor e discussão. A parte boa é que conseguimos mudar, seja qual for o trajeto que seguirmos.
Alguns dos exemplos que dá no livro abordam poupanças a 30 ou 40 anos, o que deixa de fora alguns dos seus leitores que estão na casa dos 40, por exemplo, e que já não conseguem atingir um pé-de-meia substancial. Que conselho lhes dá para colocarem o dinheiro a trabalhar para eles?
A nossa esperança média de vida está a aumentar, o que obriga as pessoas a terem uma visão a longo prazo, mesmo os que têm 40 anos. A nossa reforma está nos 67 anos e quatro meses [em 2023], mas é muito provável que este número suba ou, caso contrário, exista um corte nos rendimentos [dos futuros aposentados]. É importante que as pessoas pensem a longo prazo, acima de 10 anos. Se eu tiver 20, 30 ou 40 anos para as minhas poupanças, é ótimo. Quem tem 40 anos pode construir património, legado e sucessão. Olhemos para o futuro e não para a nossa idade.
Procuram-se: conselhos para literacia financeira
Tem um podcast, um blog, leciona cursos de finanças pessoais, ou seja, lida com muitas pessoas. Quais as principais dúvidas das pessoas no que toca à literacia financeira?
As pessoas querem saber como investir. Não entendem a linguagem dos bancos, dos investimentos e do dinheiro. A iliteracia financeira é enorme em Portugal. Aliás, os últimos dados do BCE mostram que Portugal está em último, nesta área, entre os países da Zona Euro. Há um longo caminho a fazer e as finanças pessoais são muito abrangentes, não se cingem a poupar ou investir. Há a sucessão, a reforma, a parte fiscal, os impostos. As pessoas não sabem como investir nem por onde começar.
Faz sentido existir uma disciplina de educação financeira na escola pública. No ensino básico, por exemplo?
Faz todo o sentido e é uma guerra minha há vários anos. Já existe uma componente na disciplina de Cidadania, mas ainda é curto. Devia começar, inclusive, no 1.º ou 2.º ano.
Já me disse qual a pior decisão financeira que já tomou na vida. E a melhor?
O investimento em educação e formação financeira. Todos os cidadãos devem ter educação financeira e procurar perceber esta linguagem. Como é a minha carreira e trabalho, vou um pouco além. Para mim, os livros são a melhor aprendizagem. Invisto muito dinheiro em livros, leio muito, mas estes trazem sempre retorno, porque procuro aplicar os ensinamentos.
O seu livro custa 15,50€. Quanto tempo demorará o comprador a recuperar esse dinheiro com as suas dicas?
Custa 13,95€ nas editoras, com 10% de desconto. Começam logo aí a poupar [risos]. Mas depende do número de horas que o leitor demora a aplicar aquilo que está a aprender. Ler e aplicar. Esse é um ponto importante, não adianta só ler. Nas minhas formações, digo aos alunos que não posso pegar na mão deles e abrir a conta ou escolher a ação. Têm de ser eles.
Vou terminar com uma das perguntas que deixa no livro: se hoje deixasse de trabalhar, quanto tempo aguentaria manter o mesmo nível de vida?
Trabalho porque quero e gosto do que faço, mas poderia não estar a trabalhar – por exemplo na praia, a beber margaritas. Sigo a filosofia do Warren Buffett e do Elon Musk, que não vão trabalhar porque precisam de dinheiro, mas porque gostam. Esta é a melhor forma de liberdade: poder escolher o que faço, com quem faço e se faço. Costumo utilizar uma expressão: “Deus me dê saúde, que dinheiro eu faço”. A saúde e o tempo são os ativos mais importantes que temos na vida, e ter liberdade financeira permite-nos gerir melhor o nosso tempo.
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