Contrato de comodato: como emprestar bens sem percalços

Equaciona emprestar algo com valor significativo? Neste artigo, explicamos o que deve fazer para proteger os seus direitos e evitar conflitos futuros
Artigo atualizado a 01-07-2024

O contrato de comodato é uma forma legal de emprestar um bem a alguém, garantindo a sua devolução no mesmo estado de conservação em que foi entregue (ou no estado de desgaste decorrente de uma utilização prudente) e no tempo acordado.

Este tipo de contrato pode ser útil quando o bem emprestado tem um valor material significativo, como é o caso de um imóvel. Para saber mais sobre o contrato de comodato continue a ler este artigo.

O que é o contrato de comodato?

O contrato de comodato encontra-se regulado nos artigos 1129.º a 1141.º do Código Civil (CC), sendo definido como “o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.

Neste contrato, as partes que o celebram designam-se de “comodante” (quem empresta o bem) e “comodatário” (quem recebe o bem emprestado).

O contrato de comodato pode ser celebrado verbalmente (de preferência, presenciado por testemunhas) ou através de um documento escrito. Contudo, é prudente fazê-lo por escrito para evitar mal-entendidos entre as partes, por exemplo, quanto ao estado em que o bem é entregue ou devolvido.

É possível estipular algum pagamento?

Sim. Apesar de não haver um valor associado ao empréstimo do bem, pode ser fixado o pagamento de encargos, através de uma cláusula modal. A título de exemplo, no caso do empréstimo de um imóvel, pode ficar estabelecido que as despesas de água, eletricidade e gás sejam pagas pelo comodatário.

Aliás, tratando-se do empréstimo de animais, o artigo 1138.º do CC prevê que  despesas de alimentação destes devem ser pagas pelo comodatário, salvo acordo em contrário.

Qual é o prazo do contrato de comodato?

A lei não impõe limites temporais quanto ao contrato de comodato, que podem, assim, ser livremente definidos pelas partes.

No entanto, se o comodante emprestar um bem com base num direito de duração limitada, isto é, um bem do qual não seja proprietário, o prazo do contrato de comodato não poderá ser superior à duração desse direito, segundo o artigo 1130.º do CC. Por exemplo, se o comodante tiver direito de usufruto sobre um imóvel por um período de 10 anos, não poderá emprestá-lo, por contrato de comodato, por mais tempo do que esse.

O mesmo artigo, em conjugação com o artigo 1052.º do CC, determina que se o comodante alienar o seu direito de usufruto do bem emprestado ou renunciar a ele, o contrato de comodato só terminará no fim do prazo do usufruto. Voltemos ao exemplo anterior: caso o comodante renuncie ao seu direito de usufruto do imóvel, o comodatário só terá de devolver este bem depois de decorrido o prazo relativo ao usufruto (10 anos).

Tome nota

Independentemente da existência de prazo, o comodante, caso tenha justa causa, tem sempre direito a resolver o contrato de comodato, ou seja, a exigir o bem.

O contrato de comodato pode ser celebrado sem prazo?

Sim. As partes podem não convencionar qualquer prazo no contrato de comodato.

No que respeita a esta matéria, a lei admite as seguintes situações:

  • Sem prazo, mas com uso específico. Aqui, a restituição do bem deve ocorrer logo que termine o uso para o qual foi emprestado, como determina o artigo 1137.º do CC. Exemplificando: se um imóvel é emprestado para férias, deve ser restituído após este período.
  • Sem prazo e sem uso específico. Nesta circunstância, o comodatário deve devolver o bem logo que lhe seja exigido pelo comodante.

Tome nota

Ainda que as partes não fixem um prazo, o contrato de comodato não poderá subsistir indefinidamente, uma vez que, por definição, tem uma natureza temporária.

Quando caduca?

O contrato de comodato caduca quando o comodatário falecer, como prevê o artigo 1141.º do CC.

Quais são as obrigações do comodante?

As obrigações do comodante devem estar descritas no contrato de comodato.

Ainda assim ,o artigo 1133.º do CC define que o comodante deve abster-se de atos que impeçam ou restrinjam o uso do bem pelo comodatário, embora não seja obrigado a assegurar-lhe esse uso. A outra menção às obrigações do comodante surge no artigo 1134.º do CC. Aqui, é dito que o comodante não é responsável pelos defeitos ou limitações do direito ou do bem emprestado, a não ser que tenha assumido essa responsabilidade no contrato ou tenha agido de má-fé.

Quais os deveres do comodatário?

Quanto às obrigações do comodatário, estas estão estabelecidas no artigo 1135.º do CC. São elas:

  • Guardar e conservar o bem;
  • Permitir que o comodante examine ou vistorie o bem quando este o pedir;
  • Usar o bem apenas para a finalidade acordada;
  • Não utilizar o bem de forma imprudente;
  • Consentir que o comodante realize benfeitorias no bem;
  • Não proporcionar o uso do bem a terceiros, exceto se o comodante autorizar;
  • Avisar, de imediato, o comodante sempre que tenha conhecimento de defeitos no bem ou saiba que algum perigo o ameaça ou que um terceiro reclame direitos sobre ele, desde que o comodante não tenha conhecimento sobre tal;
  • Devolver o bem ao comodante no fim do prazo.

O comodatário pode realizar benfeitorias sem a autorização do comodante?

Não. Se o comodatário efetuar benfeitorias no bem emprestado sem o consentimento do comodante, será equiparado a possuidor de má-fé.

O que acontece em caso de perda ou deterioração do bem?

O artigo 1136.º do CC prevê que, em caso de perda ou deterioração casual do bem, o comodatário pode ser responsabilizado, se se provar que poderia ter impedido que tal acontecesse, ainda que com o sacrifício de um bem próprio de valor igual ou inferior.

A responsabilidade da perda ou da deterioração casual do bem é igualmente do comodatário, caso este o tenha utilizado para um fim não planeado ou o tenha cedido a um terceiro para que se servisse dele sem ter autorização do comodante, salvo se provar que estas circunstâncias teriam ocorrido mesmo sem a sua conduta ilegal.

Em que condições deve ser restituído o bem?

O comodatário deve restituir o bem no estado em que o recebeu, estando salvaguardadas as deteriorações resultantes da sua normal e prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, segundo os artigos artigo 1043.º1137.º do CC.

Sublinhe-se, ainda, que, se não existir um documento com a descrição do estado do bem no momento do empréstimo, presume-se que este foi entregue ao comodatário em bom estado.

Quais os cuidados a ter na celebração do contrato de comodato?

O contrato de comodato não obedece a regras especiais. Contudo, geralmente, incluem as seguintes cláusulas:

  • Identificação dos contraentes (comodante e comodatário);
  • Descrição pormenorizada do bem e do seu estado;
  • Duração do contrato;
  • Tipo de uso que se pretende dar ao bem emprestado;
  • Discriminação dos encargos a cargo do comodatário (se for o caso);
  • Responsabilidade do comodatário, caso devolva o bem num estado diferente daquele que lhe foi entregue;
  • Motivos para rescindir o contrato antes do seu término;
  • Foro da comarca;
  • Local, data e ano em que foi celebrado o contrato;
  • Assinatura dos contraentes.

Para garantir que o contrato de comodato não tem falhas, deve consultar um advogado ou solicitador.

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