Repúdio da herança: um guia para não herdar
Normalmente, herdar bens é algo positivo. Mas, em certos casos, pode não ser conveniente aceitar a herança. Por exemplo, por falta de interesse nos bens herdados, pelo escasso valor económico do património transmitido, pelo facto de o falecido ter deixado dívidas significativas ou por razões de ordem pessoal ou moral.
O Código Civil (CC) português contempla a possibilidade de o herdeiro recusar receber bens que lhe caberiam por herança, sem ter de apresentar justificação nem necessitar de aprovação dos outros herdeiros e independentemente do grau de parentesco com o falecido. Em causa está a figura do repúdio da herança, regulada nos artigos 2062.º a 2067 do CC. Neste artigo, explicamos o essencial sobre o repúdio da herança.
O que é o repúdio da herança?
O repúdio da herança é, em primeiro lugar, um ato legal. Ao exercê-lo, o herdeiro recusa-se a receber todo o património a que teria direito pelo falecimento de outra pessoa. E, aqui, a palavra “todo” é importante, já que, em regra, não se pode repudiar uma parte da herança e aceitar outra. Também não é possível sujeitar o repúdio a uma condição, ou seja, não é possível alguém dizer que repudia somente se as dívidas forem superiores aos bens.
Note-se ainda que o repúdio apenas pode ser efetuado após o falecimento do autor da herança (titular do património).
O que acontece à herança repudiada?
Quando alguém repudia a herança, é como se nunca tivesse sido herdeiro. Assim, a sua quota hereditária será distribuída pelos restantes herdeiros, até ao quarto grau da linha colateral de sucessão (primo, sobrinho-neto).
Se os sucessores já tiverem falecido, há ainda a possibilidade de serem os seus representantes a receber a herança. Mas, e se não houver herdeiros vivos nem parentes dispostos a aceitar a herança? Nesse caso, os bens passam para as mãos do Estado.
No caso de o herdeiro repudiante ser filho ou irmão do falecido, no âmbito da sucessão legal, é substituído pelos seus descendentes por direito de representação. Ao passo que no âmbito da sucessão testamentária, o herdeiro repudiante é sempre representado pelos seus descendentes, salvo se o testador tiver disposto de maneira diferente.
Quem tem de aprovar o repúdio?
O repúdio da herança é uma decisão unilateral. Quer isto dizer que os outros herdeiros não têm de aprovar a sua vontade. No entanto, um herdeiro casado necessita do consentimento do cônjuge para formalizar o pedido de repúdio, a menos que vigore entre eles o regime da separação de bens.
Como repudiar a herança?
O repúdio é sempre um ato formal, sujeito à forma exigida por lei para a alienação da herança. Dito isto, o primeiro passo a dar é contactar um solicitador ou advogado. Se o herdeiro assim o preferir, também pode dirigir-se a um Cartório Notarial. Aí, é auxiliado a escrever um documento que dá início ao pedido de repúdio. E que documento é esse? Tudo depende dos bens que compõem a herança. Caso a herança inclua imóveis, é necessário uma escritura pública ou um documento particular autenticado. Se apenas estiverem em causa bens móveis (por exemplo, dinheiro, roupas, automóveis, equipamentos, ativos), basta um documento particular.
Em qualquer dos casos, deve mencionar-se a existência ou não de descendentes. Se existirem e forem menores, os pais têm de pedir autorização ao Ministério Público para repudiar a herança em seu nome.
Já se os descendentes tiverem mais de 18 anos, são identificados como eventuais sucessores no direito à herança. Por exemplo, uma herança que tenha sido repudiada por uma mãe pode ainda ser transmitida ao seu filho, se estiverem reunidas as condições para tal em toda a linha de sucessão.
Por último, um herdeiro casado em regime de adquiridos ou comunhão geral deve contemplar, no documento, uma alínea relativa ao consentimento do seu cônjuge.
Que documentos são necessários?
Para repudiar uma herança são necessários os seguintes documentos:
- Certidão de óbito do autor da herança (falecido);
- Certidão de habilitação de herdeiros;
- Documento de identificação do herdeiro que repudia a herança.
Qual o prazo para repudiar a herança?
Ao contrário do direito de aceitação da herança, que caduca ao fim de dez anos, não se estabelece um prazo de caducidade do direito ao repúdio. No entanto, sendo o repúdio uma faculdade alternativa à aceitação, considera-se que, se o herdeiro não aceitar a herança no referido prazo, é como se a tivesse repudiado. O prazo de dez anos conta-se a partir do momento em que o herdeiro tem conhecimento desta sua condição.
O herdeiro repudiante pode mudar de ideias?
O repúdio é irrevogável. Isto é, uma vez estabelecida a vontade do herdeiro em repudiar a herança, já não há arrependimento possível.
Em que situações o repúdio da herança pode ser anulado?
O repúdio da herança apenas pode ser anulado se o herdeiro provar que foi induzido ou coagido a fazê-lo. A anulação do repúdio também é possível se se mostrar que, no momento do ato, o herdeiro estava acidentalmente incapaz de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade.
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