er contemporâneo de Filipe La Féria é assistir a uma era dourada, e invulgar, do teatro português: a união entre o talento e o sucesso comercial. As peças apresentadas desde 1991 no Teatro Politeama, apoiadas pelo Montepio Associação Mutualista a partir de 2013, refletem a vida e obra do encenador português.
Na entrada do Politeama, podemos ver Filipe La Féria a distribuir sorrisos e autógrafos. Para quem não está habituado, o espetáculo começa já ali. A voz, inconfundível, ecoa pela sala antes mesmo de os atores e bailarinos entrarem em cena. “O teatro é a minha vida”, explica La Féria à revista Montepio.
O encenador e dramaturgo já era uma personalidade respeitada da vida artística portuguesa quando, em 1991, fez do Teatro Politeama a sua casa. Edifício de inspiração francesa, projetado por Ventura Terra e inaugurado em dezembro de 1913, com a opereta Valsa de Amor, o Teatro Politeama marcou uma era arquitetónica na baixa de Lisboa. Vizinho do Coliseu de Lisboa (construído em 1890), do Ateneu Comercial de Lisboa (1895) e da Sociedade de Geografia (1897), o Politeama deu palco a muitas peças de teatro, mas também a bailados, programas radiofónicos e, mais tarde, projetou filmes.
Situado na rua das Portas de Santo Antão, foi o primeiro teatro construído, na capital portuguesa, durante a República. Mas passava por um longo período de decadência quando La Féria, aos 46 anos e acabado de sair do êxito Passa por Mim no Rossio, encenado no vizinho Teatro Nacional D. Maria II, se instalou por lá. Apostando no teatro popular, em temas próximos das pessoas e numa estratégia comercial visionária, La Féria mudou a face do teatro português e fez do Politeama a meca da arte cénica. Peças como Maldita Cocaína (1993), Amália – O Musical (1999), Gaiola das Loucas (2009), Grande Revista à Portuguesa (2013) e o mais recente Laura – O Musical, que homenageia a atriz Laura Alves (1921-1986), são reconhecidas por várias gerações de portugueses, de norte a sul do País.
Um teatro que é mais do que isso
Sem cultura não há futuro. E o teatro é uma peça importante deste puzzle que nos faz sonhar, mas também ajuda a pensar. “[A peça] Laura – O Musical é uma aula de história. Mas o teatro serve para pensar. O que nos distingue do resto dos animais é o pensamento”, explica Filipe La Féria.
Com poucas ajudas públicas, a sustentabilidade financeira do Teatro Politeama depende das receitas de bilheteira e do apoio dos parceiros. “O apoio do Montepio Associação Mutualista foi fundamental para que alguns grandes espetáculos subissem à cena. O Teatro Politeama tem tido o privilégio desse apoio”, admite Filipe La Féria.
O ano de 2013 marcou uma nova fase no Politeama, mas também na relação entre o teatro e o Montepio Associação Mutualista. Desde essa data que os associados beneficiam de descontos nas peças encenadas neste espaço – há sempre duas em permanência, incluindo uma representação para o público infanto-juvenil. Mais recentemente, os associados passaram a poder inscrever-se em experiências exclusivas: conhecer os atores e o próprio Filipe La Féria e visitar os bastidores de um dos mais belos teatros do país. “Os associados Montepio mostram sempre interesse em conhecer-me, tal como aos artistas e ao mundo mágico que se esconde atrás do pano.”
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Peças para todas as idades
Ao longo dos anos, são muitas as peças apresentadas no Politeama, com centenas ou até milhares de representações cada uma. Atualmente, estão em cena os musicais Laura (sessões às quartas e sextas-feiras, às 21h00, e aos sábados e domingos, às 17h00 e às 21h00) e A Bela Adormecida (sábados e domingos, às 11h00 e às 15h00).
Levar ao palco 10 sessões semanais pode parecer desajustado, mas para a companhia de teatro de Filipe La Féria não há impossíveis. Além do público já fidelizado da capital, há procura por bilhetes em todo o país. É normal, por isso, verem-se autocarros perto do edifício histórico, vindos de norte a sul do país com público ávido para assistir à nova obra-prima do encenador. “Há mais de vinte anos que realizo espetáculos para toda a família. [São espetáculos] premiados e que atingem mais de trezentas representações”, explica o encenador.
Nos últimos anos, ir ao teatro ganhou uma maior importância para os pais que querem afastar os filhos dos ecrãs. Aos sábados e domingos, as sessões familiares estão compostas e os mais jovens têm as primeiras experiências de cultura in loco. O encenador diz que o teatro “faz pensar”, mas as crianças e adolescentes que enchem a sala procuram mais que isso: emoção, diversão e a adrenalina de participarem num espetáculo que os liberta da rotina diária.
“Acho fundamental afastar os jovens dos ecrãs dos telemóveis, que são redutores e altamente perigosos para a sua formação”, declara La Féria: “O teatro é um espetáculo vivo, olhos nos olhos de pessoas com pessoas. Arte antiga como o ser humano e que irá resistir a todas as invenções tecnológicas.”
A próxima peça é sempre a melhor
Nunca se fizeram tantas sessões de teatro como hoje. Em 2022, o último ano para o qual existem registos, aconteceram 14 595 sessões de teatro em Portugal, um número recorde. No total, 2,2 milhões de espectadores foram ao teatro nesse ano, o terceiro valor mais alto desde 1960, segundo a Pordata.
Aos 79 anos, Filipe La Féria continua a melhorar a fórmula que tem levado tantos portugueses ao teatro e pensa já na próxima peça. “Será revelada muito em breve.” La Féria diz que tem de se apaixonar pelo tema antes de escrever o guião. Depois, são meses e meses de trabalho diário para, finalmente, pôr em cena um grande espetáculo. “[É tudo feito] com muito trabalho e, sobretudo, com muito sonho. A vida só vale a pena se realizarmos os nossos sonhos e o meu sonho é, e será sempre, o teatro”, afirma.
Encenar Laura é especial. “Laura Alves foi a atriz que mais me impressionou. Trabalhava no Monumental, que era o teatro mais bonito de Lisboa”, contou à Sábado. “Eu vivia perto, era só descer a rua e já estava no camarim da D. Laura. Tinha 16 anos. Falávamos muito e ela era uma mulher muito inteligente e culta. Teve uma história linda.”
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Teatro e listas telefónicas
Filipe La Féria conviveu com os grandes atores portugueses do século XX e foi elogiado por nomes como Mário Cesariny, Natália Correia e Alexandre O’Neill, entre muitos outros. A presença regular na televisão, no início da década de 1990, trouxe-lhe visibilidade em todo o país. Mas a fama e a fortuna não lhe reduziram o ritmo de trabalho. Por vezes, dorme no próprio teatro, sobretudo antes das estreias, e é raro o dia em que não se encontra no Politeama, seja a corrigir atores e bailarinos, a ajustar cenários ou a preparar o próximo êxito de bilheteira.
No verão, o empresário promove cursos de teatro musical para aspirantes a atores “dos 8 aos 80”. No final do curso, as turmas representam quatro peças icónicas: A Pequena Sereia, Mary Poppins, Jesus Cristo Superstar e A Severa. “É sempre um enorme sucesso”, conta La Féria com o seu otimismo característico.
Das mil e uma histórias que guarda de uma carreira com mais de 60 anos no teatro, há uma que gosta de contar. “O Vergílio Ferreira fez-me o maior elogio”, contou à Sábado. “Você é capaz de encenar até a lista telefónica.”
“Um espetáculo sobre o Montepio? É propô-lo”
Há coisas que não mudam. Quem vai ao Politeama sabe que vai ver um bom espetáculo. É assim que Filipe La Féria, e quem com ele trabalha, consegue manter a funcionar uma máquina cénica que conta com mais de 100 pessoas a trabalhar para o público.
Numa Lisboa que mudou tanto nos últimos 15 anos, qual o papel e a importância de espaços como o Teatro Politeama para dinamizar a vida cultural sem perder as referências do passado?
A importância do Teatro Politeama é primordial na cidade de Lisboa. É o teatro com mais público e prestígio da cidade. Os meses em cena, o reportório, a qualidade dos espetáculos, todos os anos premiados, são testemunho indiscutível da sua importância.
É, também, um dos locais mais descentralizados do país: espectadores de norte a sul de Portugal encontram-se regularmente para assistir a peças de teatro. Como consegue, durante estas décadas, continuar a chamar tantas pessoas para o seu teatro?
Com bons espetáculos que são considerados os melhores apresentados no nosso país.
Para quando uma peça sobre a génese e a história do Montepio Geral – Associação Mutualista?
É propor esse espetáculo. É uma história que percorre a própria história de Lisboa e de Portugal.
Até quando vai continuar a estar envolvido diariamente no mundo teatro?
O teatro é a minha vida.
O que ainda não fez e gostaria de fazer?
Tudo. Devia viver 200 anos e tinha sempre sonhos a realizar.
Já retratou centenas de atores de várias gerações, contribuindo para homenagear o teatro. Acredita que, um dia, haverá uma peça sobre si?
Sim, de certeza um grande musical. Vou ver num camarote no céu [risos].
Quem poderia fazer de Filipe La Féria nessa peça e quais os protagonistas secundários?
Já muitos atores fizeram de mim, sou muito característico, mas o protagonista é o público que sempre me acompanhou.