Os meus piores erros financeiros

Os meus piores erros financeiros
15 minutos de leitura
Ilustração de Pedro Dias
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“desgoverno” de Teresa, os “gastos térmita” de Marta, as dívidas de Joana. Situações financeiras precárias estão na origem de problemas de saúde mental. Conheça histórias que foram pesadelos — e registe as dicas de duas especialistas.

Teresa [nome fictício] sente que fez tudo errado no que ao dinheiro diz respeito. Não se refere a investimentos infelizes ou a oportunidades perdidas, mas à mais elementar das regras: poupar. “Tento ir lá atrás e perceber o que aconteceu. E não percebo”, confessa à revista Montepio. A família sempre lhe falou na importância de poupar, frisa, mas os maus hábitos parecem ter crescido com ela. Na adolescência, gastava a mesada em duas semanas. E, já com vida profissional em andamento, era o popular “chapa ganha, chapa gasta”.

Costumava brincar e dizer que fazia quinze dias de rica e quinze dias de pobre, lembra. O salário desaparecia antes que o próximo caísse na conta. “Chegava a pedir dinheiro emprestado aos meus amigos”, recorda. “O meu ordenado não era – e continua a não ser – muito bom.” Para que chegasse (e sobrasse) era fundamental um bom planeamento. Mas não: além do “desgoverno” absoluto, confessa, vivia acima das possibilidades, lembrando jantares fora, almoços encomendados para o local de trabalho, pedidos de transporte a partir de app de TVDE por tudo e por nada, roupa compradas por impulso.

Hoje, com 39 anos e a trabalhar na área da arquitetura no Porto, arrepende-se dos anos em que não amealhou, e sente que, em algumas etapas da vida, ficou para trás. Enquanto todos os amigos foram fazendo contas à poupança para comprar casa, Teresa ainda sente essa fase longínqua e paga uma renda todos os meses. Mas já sopram os ventos de mudança – e, compreendeu, nunca é tarde demais. Há cinco anos começou a implementar regras que já eram hábitos bem estabelecidos na vida financeira da maioria das pessoas à sua volta: tem uma conta poupança e é para aí que encaminha 20% (por vezes 10%, depende do mês, explica) do que recebe no dia em que o ordenado lhe cai na conta.

E é assim mesmo – a norma é para cumprir no início do mês, deixar a poupança para o final é sempre um grande erro: “Poupar o dinheiro que sobra no final do mês é o mesmo que não poupar”, explica Cristina Benito, economista e autora do livro Money Mindfulness. “Não vai sobrar nada, tendemos a gastar tudo o que ganhamos.” E, sobrando, o valor será “quase sempre insuficiente para uma poupança significativa”, acrescenta Catarina Brandão. A autora do projeto Cat Poupança, cuja conta de Instagram agrega mais de 48 mil seguidores, sugere que a poupança seja tratada como uma despesa fixa, a ser paga no início do mês, exatamente como a renda, contas de luz, água, Internet ou telemóvel. O método 50-30-20 (despesas fixas, despesas variáveis e poupança, respetivamente) é uma boa prática. Se 20% for demasiado, é estabelecer uma meta que seja possível cumprir. “Ir buscar todos os meses dinheiro à poupança pode significar que as nossas despesas são superiores ao dinheiro que temos reservado”, indica. É por este mesmo motivo que é fundamental ter todos os gastos descritos e organizados – ignorar este passo é outro grande erro, já que significa andar à deriva, sem saber o dinheiro que entra e o que sai. Criar um esquema automático para o valor reservado à poupança é uma forma de garantir que não conta com esse dinheiro. É como se não existisse. “É mais fácil se o dinheiro sair da conta no mesmo dia em que se recebe o salário, de forma a que nem chegue a vê-lo”, diz Cristina Benito.

Segundo a economista, a criação de metas é um trunfo em matéria de poupança, sugerindo vários objetivos a ter em conta, como “poupar para a reforma, para pagar a entrada de uma nova casa, para os filhos irem para a universidade”. É aqui que reside a “motivação necessária para se ser constante com práticas de poupança”.

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Quando as surpresas nos tiram o sono

A motivação de Teresa foi emocional: começou, finalmente, a poupar com o objetivo de criar um fundo de emergência, de forma a combater a sensação de medo permanente que já há alguns anos ia sentindo. “Qualquer despesa surpresa é angustiante, chega a tirar-me o sono”, conta, frisando que agora já se sente melhor. Ainda assim, o seu maior receio é vir a ter um problema de saúde cujo tratamento, mesmo com um seguro de saúde, implique quantias avultadas de dinheiro. Há anos, recorda, aconteceu ter de ir de urgência ao dentista e não ter dinheiro para pagar o tratamento, recorrendo aos pais. “Claro que eles estão aqui para o que precisar, mas um dia não vão estar.” Isso assusta-a, confessa.

Mas do que se trata este fundo de emergência? “As boas práticas de finanças pessoais dizem que devemos ter assegurados, pelo menos, seis meses das nossas despesas obrigatórias, das nossas despesas básicas, aquelas que precisamos para sobreviver”, indica Catarina Brandão. Não tem? Comece com menos, nem que sejam mil euros. “O meu contato direto com pessoas também me mostra que, de repente, a pessoa começa a fazer as contas e tem que juntar seis ou sete mil euros, porque é isso que representam as suas despesas básicas. Isso desmotiva”, refere Catarina Brandão. Ter uma poupança é ter liberdade, lembra, por sua vez, a economista Cristina Bonito. “A poupança é a base da independência financeira e do bem-estar. Não há desculpa que possa sabotar este hábito que traz felicidade.”

Também Marta [prefere não revelar o apelido] se viu privada desta sensação de liberdade por causa de maus hábitos financeiros. Poupa pouco, conta, e, quando consegue pôr de lado (cerca de 50 euros por mês, menos de 10% do seu ordenado), é frequente ir buscar esse dinheiro ao final do mês. Para esta jurista o maior inimigo continua a ser o cartão de crédito: “Na pandemia fiquei viciada em compras online para preencher um vazio – essa compulsão só terminou quando me separei [do marido] e saí de casa, porque passei a viver sozinha”, conta. “A minha maior extravagância foi dar 790 euros por uns óculos escuros sem pensar duas vezes.” Numa situação de vida mais delicada, decidiu por ímpeto renovar o armário: “O gasto foi na ordem dos quatro dígitos.”

Os créditos são, para Catarina Brandão, um território muito perigoso — é mesmo uma zona de alerta máximo. “O cartão de crédito é a dívida mais perigosa que podemos ter”, diz. Por vários motivos: são de acesso muito fácil, as taxas de juro são das mais altas, os juros estão sempre a acumular. “Imaginemos que fiz uma compra no cartão de crédito, não tenho dinheiro para pagar a compra na totalidade e decidi que só quero pagar 15%. Todo o montante que ficou por pagar vai ser sujeito a juros, que depois vão transitar para o pagamento seguinte. Ou seja, nesse momento estou a pagar a prestação que não paguei quando devia ter pago, mais os juros. E como também não vou ter dinheiro para pagar essa prestação e esses juros, esse bolo vai transitar para o mês seguinte.”

“Há pessoas que fazem créditos para comprar pequenos eletrodomésticos ou aparelhos tecnológicos. As pessoas recorrem ao crédito para tudo e para nada”

Catarina Brandão, especialista em literacia financeira

Falta de controlo leva à ansiedade

Marta paga o cartão de crédito quando recebe subsídios ou reembolsos – iniciando depois um novo ciclo. Até lá, vai gerindo: “Vou pagando o mínimo possível e, quando recebo um subsídio, por exemplo, pago tudo.”

Na sua prática a aconselhar pessoas a atingirem metas de finanças pessoais, Catarina Brandão observa muitos gastos desnecessários recorrendo ao crédito. “Vejo casos de pessoas que fazem créditos para comprar pequenos eletrodomésticos ou aparelhos tecnológicos. As pessoas continuam a endividar-se para comprar o último modelo de um telemóvel. Recorrem ao crédito para tudo e para nada.”

Até para ir de férias, nota. Foi o caso de Teresa: consciente da sua falta de controlo financeiro, optou sempre por não ter cartão de crédito, até que surgiu a possibilidade de ir para a América do Sul. “Tinha o dinheiro contado para a viagem mas, com receio de que me acontecesse alguma coisa e precisasse de mais, fiz um cartão. A ideia era só o usar para essa situação e pagar logo.” Não foi o que aconteceu e a dívida levou quase três anos para ser paga, dificultando a criação do seu fundo de emergência e potenciando ainda mais a ansiedade financeira.

Catarina recomenda cautela extrema com o uso de crédito e sugere que, se houver mesmo a necessidade de contrair uma dívida, esta deve ser feita com a Taxa Anual Efetiva Global (TAEG) mais baixa possível. “A prioridade deve ser evitar o endividamento desnecessário e eliminar primeiro a dívida do cartão de crédito.”

Mas há outro tipo de endividamento – e do banco passamos ao Estado. Joana [nome fictício] veio para Lisboa, na fronteira entre adolescência e vida adulta, trabalhar em televisão e entretenimento a recibos verdes, como é comum nesta área – e como continua a trabalhar até hoje. Nessa altura, não tinha conhecimentos em matéria fiscal ou qualquer tipo de ajuda e, assim, começou a contrair dívidas com as Finanças. “Em particular por não respeitar os prazos do pagamento do IVA, o que gerava multas. Não percebia bem o que era para fazer”, conta.
No setor em que trabalha, explica, é comum receber a dois ou três meses. “Portanto, às vezes as Finanças estão a pedir-nos o IVA de valores que ainda não recebemos. Se passo um recibo de dez mil e o IVA é de três mil, posso não ter dinheiro para pagar a tempo.”

A sua situação arrasta-se até hoje: “Não me fazem prestações, vou ao balcão e dizem que é no site. Vou ao site e não dá”, desabafa. Já teve a conta bancária penhorada. Assim, durante algum tempo o dinheiro que recebia caía na conta de um amigo próximo. Hoje sente-se menos sozinha no complexo labirinto burocrático e fiscal, porque tem contabilistas a guiá-la. Mas lembra as noites mal dormidas que a situação já lhe causou: “Tinha ataques de pânico com medo de não conseguir pagar.”

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Sabe o que são os gastos térmita?

Subscrições em todos os serviços de streaming, TVDE diários, almoçar fora todos os dias, mandar vir comida para o jantar. Tudo somado, é muito dinheiro. Segundo Cristina Benito, e dependendo do estilo de vida das famílias, estes gastos podem ascender a mais de quatro mil euros por ano. A economista até tem um nome para eles: são os gastos térmita.

“São pequenos mordiscos quotidianos, às vezes de alguns euros cada um, mas que, somados, representam uma sangria económica que silenciosamente consome o nosso orçamento”, explica. Estão ligados aos nossos hábitos, indica, dando como exemplo os cafés, lanches, refrigerantes, comer fora ao invés de levar comida para o trabalho, serviços que pagamos e não utilizamos, como ginásio ou cobranças bancárias desnecessárias. Sem esquecer os gastos em que pagamos a mais por não termos analisado a fatura, acrescenta.

Marta é rápida a identificar o seu maior gasto “térmita”: o tabaco. Fuma quase um maço por dia, hábito que lhe leva mais de 1 642 euros anuais. Para Cristina Benito, manter estes gastos é dos maiores erros financeiros que podemos cometer – cita até Benjamin Franklin que disse: “Cuide dos pequenos gastos, porque um pequeno buraco pode afundar um barco.” A solução? Reprogramar, começando por educar a mente de forma a melhorar a relação e interação com o dinheiro. O primeiro passo é respeitá-lo e usá-lo de um modo consciente.

“Só se alcança o grande através do pequeno”, sublinha a economista. “Se prestarmos atenção até ao último gasto, por mais pequeno que seja, dando a cada euro a importância que ele tem, o nosso cérebro caminhará firme e isso terá uma repercussão muito clara nas operações de maior valor.”

“Os gastos térmita são pequenos mordiscos quotidianos, às vezes de alguns euros cada um que, somados, representam uma sangria económica que consome o nosso orçamento”

Cristina Benito, especialista em literacia financeira

Investimentos e desinvestimentos emocionais

“Financeiramente, muitas vezes a nossa mente joga contra nós”, afirma Cristina Benito. A economista refere-se, neste caso, as decisões tomadas pelo entusiasmo. É que, no que toca à carteira, é preciso manter alguma frieza. Emoções extremas podem resultar em más decisões. “O entusiasmo leva a comprar ações (ou a fazer outro tipo de investimentos) quando o preço está muito alto e o pânico leva-nos a vendê-las quando estão baixas”, exemplifica.

Em parte, as bolhas são, precisamente, consequência destas emoções exacerbadas. “Há um aumento excessivo e injustificado no preço de um bem que origina compras especulativas em torno dele, há um excesso de confiança e são geradas boas expectativas.” Ninguém quer ficar fora da festa e ela continua enquanto os preços sobem. Trata-se de um processo irracional durante o qual tendemos a ouvir apenas as notícias que confirmam as nossas teorias. A bolha vai crescendo até que, finalmente, estoura.

A solução? Mantenha o sangue-frio. Definidos os objetivos de investimento a longo e curto prazo, e criada uma carteira diversificada e adequada ao perfil do investidor, a terceira etapa é a do distanciamento. “Não significa que não devemos rever a carteira de vez em quando e reequilibrá-la à medida que a vida ou as prioridades mudam”, sublinha. Mas não é aconselhável olhar todos os dias para os investimentos, para as subidas e descidas do mercado: “É importante lembrarmo-nos de que estamos numa corrida de longo prazo e que as depressões e os picos do mercado também passam.”

Embora Carolina Pinto tenha perdido dinheiro com investimentos mal feitos, como ações, a maior frustração financeira é outra. O grande erro, considera, foi não ter comprado na altura certa. Em 2012, quando começou a trabalhar – em Moçambique, onde estava a ganhar bem, descreve –, encontrou a casa ideal à venda na zona das Avenidas Novas, em Lisboa, por pouco mais de cem mil euros. Pensou em comprá-la, mas toda a gente a demoveu. “Hoje, essa casa vale dez vezes mais”, diz. E remata: “Portanto, arrependo-me mais do dinheiro que não gastei.”

Carolina acaba, sem querer, por introduzir outro erro financeiro: manter o dinheiro parado numa conta à ordem pode dar uma sensação de poupança, mas a realidade é que está sempre desvalorizar. Este é também o maior arrependimento financeiro de Marta Gonçalves, que durante uma década deixou uma herança parada. “Achei que era bom da minha parte simplesmente poupar e não mexer naquele dinheiro, mas esqueci-me completamente da inflação. O que aquele dinheiro valia há dez anos não é o mesmo do que vale hoje. Portanto, poupei o dinheiro mas hoje vale muito menos”, conta a lisboeta, a trabalhar na área editorial.
Marta Gonçalves precisou de estudar para saber o que fazer com a poupança. Informou-se – e a informação, aponta Catarina Brandão, é crucial. “Não existe uma fórmula mágica que seja benéfica para toda a gente”, lembra. “As pessoas devem aprender primeiro para saber aquilo em que estão a investir.”

Outro exemplo desta máxima: aconselhado por um familiar, Gonçalo Perestrelo, de 33 anos, investiu a sua poupança, até então parada, em Obrigações do Tesouro – ou seja, emprestou dinheiro ao Estado, na condição de receber em troca uma taxa de juro. Concordou, até porque lhe disseram que podia ir mexendo no valor consoante as necessidades. E assim foi. Numa altura com menos trabalho, o realizador precisou de recorrer a esse montante. “Dos mil euros que tinha levantado, ganhei 100 euros”, exemplifica. O que se seguiu foi uma surpresa e um “pesadelo” que durou anos, envolveu a penhora da sua conta e uma multa de mais de dois mil euros. É que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considerou que Gonçalo não tinha declarado o valor que fez com os juros provenientes daquelas obrigações (os tais 100 euros de cada vez que levantava o dinheiro) –, o que resultou num acumular de multas.

Revoltado com a situação, pagou recentemente a dívida e viu a sua conta livre da penhora. As novas poupanças que fez com muito custo (lembra que a área artística em Portugal é particularmente difícil) serviram para pôr termo a esta situação. Agora tem de começar de novo.

Vender tempo é pôr um teto à prosperidade

“Tempo é dinheiro” terá sido a mais célebre frase proferida por Benjamin Franklin, célebre pai fundador dos Estados Unidos. “São as duas faces da mesma moeda”, refere Cristina Benito. “Todos trocamos parte do nosso tempo por dinheiro. É muito impactante se pensarmos que, cada vez que compramos algo, estamos, na verdade, a pagar com o nosso tempo – que é o mesmo que dizer, com nossa vida.”

Gerir mal o tempo é gerir mal o dinheiro. Cristina Benito recorda uma citação “muito radical, embora verdadeira”, do livro Os Segredos da Mente Milionária: “Os pobres vendem o seu tempo, enquanto os ricos o compram”, escreveu T. Harv Eker. No fundo, o que o canadiano quis dizer é que aquilo que difere entre pessoas com mais e menos dinheiro é a noção de que o tempo é o recurso mais valioso. Os mais ricos “contratam pessoas para fazerem aquelas coisas que não sabem fazer bem ou para as quais o seu tempo não teria um uso produtivo”, exemplifica.

Os milionários sabem que o tempo é limitado – e têm consciência que, vendê-lo apenas, como a maior parte das pessoas faz, é pôr teto à prosperidade. A solução? Ter em mente (e tentar aplicar) uma das “leis” que Benito inclui no seu Money Mindfulness: “O dinheiro não se ganha trabalhando mais horas, mas libertando tempo para pensar em novas oportunidades.”

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