Voluntariado sénior: “Uma doce obrigação moral”
Para Maria da Graça Gambino, mais conhecida por Graça, o voluntariado sénior é parte integrante da sua vida. “É uma forma de eu me sentir viva, sentir-me bem comigo e ficar feliz por ver os outros felizes também. Damos alguma coisa, mas recebemos muito. Muito mesmo”.
Graça, de 94 anos, trabalhou toda a vida como desenhadora e pintora. Depois de se reformar, sentiu o chamamento do voluntariado sénior. “A primeira coisa que fiz quando me reformei, e me senti mais livre, foi viajar. Depois pensei: «agora vou parar, mas não vou parar sem fazer nada». E então comecei a pensar em ser voluntária”, partilha.
Graça colabora na Associação Coração Amarelo há 16 anos e a sua primeira missão foi acompanhar Francelina. “Era uma pessoa muito trabalhadora e muito sofrida. Nunca tinha ido a lado nenhum, nem ao teatro, nem ao cinema. Ela só trabalhava e tomava conta do pai e da mãe, e depois eles morreram… Achei que ela ainda tinha de desfrutar a vida e inscrevi-a no Coração Amarelo”, recorda.
Graça visitava Francelina frequentemente e telefonava-lhe uma a duas vezes por dia. Um desses telefonemas salvou-lhe a vida. “Houve um serão em que lhe telefonei e ela tinha acabado de ter um AVC. Se não fosse este telefonema só era encontrada no dia seguinte e já não havia nada a fazer”.
Celebrar a vida
Graça recorda, com especial carinho, a intervenção da Associação Coração Amarelo em dois momentos importantes. “A Francelina estava em Mafra, nos cuidados continuados, e fui lá fazer-lhe uma festinha de anos, no aniversário dela. Também passei com ela os meus anos. Das duas vezes, o Coração Amarelo colaborou e foi lá com os voluntários e algumas empregadas. Foi muito bom. No dia seguinte ao seu aniversário, a Francelina já não se lembrava que tinha tido a festa de anos. Mas naquele dia ela estava muito feliz”.
Graça partilha que já não consegue viver sem o voluntariado. A voluntária colabora atualmente na Santa Casa da Misericórdia, no Lar da Avó e no Coração Amarelo, onde dinamiza uma aula de pintura e um atelier de trabalhos manuais. “Talvez seja o voluntariado de que mais gosto, porque dedicar-mo-nos a uma pessoa, vê-la degradar-se e depois perdê-la é muito triste”.
Graça recorda a sua primeira utente, uma senhora com mais de oitenta anos do Lar da Avó. “Não aguentei o ambiente de lar, chegar lá e dizerem-me que certa senhora já lá não estava, que tinha partido. Isso é muito triste”.
Formação em boa vontade
“Não sou formado em voluntariado, sou formado em boa vontade”, afirma Paul Karthaus. Para o voluntário holandês, de 80 anos, “é bom saber que se pode fazer alguma coisa por outra pessoa, que se pode ser útil em qualquer aspeto. Pode ser para ajudar a limpar as janelas ou tratar do jardim, porque o outro não pode fazê-lo, ou acompanhar a outra pessoa num passeio”.
Paul, que colabora com a Associação Coração Amarelo há 9 anos, visitou Portugal pela primeira vez em 1973. A mudança definitiva aconteceu há 28 anos. A semente do voluntariado germinou depois de estar reformado. “Quem está na reforma tem, em geral, bastante tempo para dedicar ao outro e não só aos seus próprios hobbies”.
Depois de fazer as formações necessárias para ser voluntário na Associação Coração Amarelo, Paul ficou responsável por dar assistência a uma beneficiária que acompanhou durante cinco anos. Visitava-a uma vez por semana, conversava e passeava com ela, nem que fossem apenas “dar a volta ao quarteirão”, quando a sua condição física já não permitia mais.
“Não sinto o voluntariado como uma obrigação, ou então talvez seja uma obrigação moral”, partilha Paul. Graça comenta, por sua vez, que o voluntariado será então uma “uma doce obrigação”. E os dois concordam que todos podem ser voluntários, independentemente da idade. “Desde que esteja intelectual e fisicamente capaz de apoiar uma pessoa, ou uma organização, como o Coração Amarelo, estou disponível para o que for necessário, é muito simples”, afirma Paul.
Voluntariado sénior: Receita contra a solidão
A Associação Coração Amarelo é uma Instituição Particular de Solidariedade Social fundada em 2000. A associação centra a sua atenção no combate à solidão dos mais idosos, promovendo, entre outras, iniciativas para apoiar pessoas em situação de solidão e/ou dependência.
Neste âmbito, o voluntariado sénior assume-se como estafeta que leva alegria aos utentes mais idosos, que já não a experimentam de outra forma. “Há muitos utentes que estão isolados em andares, que já não conseguem descer nem subir escadas, e os voluntários do Coração Amarelo vão levar-lhes a vida que eles já não têm”, afirma Graça.
O voluntariado sénior é também uma forma de lutar contra a solidão dos próprios voluntários, sobretudo depois da reforma. “Não tenho tempo para sentir solidão. À noite gosto de estar sozinha para descansar do dia que tive”, partilha Graça.
Ser voluntário é difícil?
Para aqueles que gostariam de ingressar no voluntariado (sénior ou júnior), Paul e Graça deixam alguns conselhos. “O voluntário deve ser muito flexível para poder adaptar-se à outra pessoa” e fazer tudo para poder ajudá-la, recomenda Paul. “É preciso compreender que são dois parceiros”, acrescenta. Graça sublinha, por seu turno, que “ser voluntário não é difícil”. “Tem é que se organizar a vida e saber que é necessário ter tempo quando a outra pessoa precisa”.
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