Adoção de crianças em Portugal: tudo o que deve saber

A adoção de uma criança ou jovem é um processo moroso e complexo. Para simplificar, criámos um guia com tudo o que deve saber antes de tomar uma das decisões mais importantes da sua vida.
Artigo atualizado a 31-10-2024
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Como se inicia um processo de adoção? Quem pode adotar em Portugal? Qual o tempo médio de espera? Que apoios existem nesta área? Quando adotar uma criança ou jovem se torna um desejo, surgem com ele inúmeras dúvidas à procura de resposta. A preparação psicológica e o aconselhamento legal são duas ferramentas de extrema importância em todo o processo. Saiba que tem ao seu dispor profissionais e apoios específicos que ajudarão a tornar a jornada de adoção mais simples, justa e organizada.

Adoção: o que é?

“A adoção é um procedimento legal que visa dar uma família à criança cujos pais biológicos não são capazes, não têm vontade e/ou estão legalmente inibidos do exercício da função parental”, resume Fernanda Salvaterra, psicóloga no Instituto de Apoio à Criança (IAC). Uma adoção bem-sucedida responde às “necessidades da criança, dando-lhe um lar e uma família para que se sinta em segurança”.

Esta é a prioridade: o superior interesse da criança, em que “crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão” é um direito fundamental. Mas, “no seu melhor, a adoção vai também ao encontro das necessidades da família adotiva que desejou uma criança, assim como da família na qual a criança nasceu, que, não podendo tomar conta dela, desejou para ela o seu melhor”, conclui a especialista.

Um processo de vários passos

Em termos formais, “a adoção é um processo gradual”. Começa pela candidatura, avança para a definição e avaliação das características do adotado e do adotante e segue para uma proposta em que se tentam reunir compatibilidades. Após o pedido de sentença ao tribunal e uma decisão judicial positiva, entra-se no período de pré-adoção. Esta é a fase (que não deve ser superior a seis meses) em que quem adota e quem é adotado ensaia a nova relação até a adoção se tornar definitiva.

Quem tem direito à adoção?

A adoção de uma criança em Portugal pode ser pedida por portugueses ou estrangeiros, em nome individual ou em casal, sejam os seus elementos do mesmo sexo (a adoção homoparental é permitida no país desde 2016) ou não. Assim, podem avançar para um processo de adoção:

Um casal que:

  • resida em Portugal;
  • esteja casado ou viva em união de facto há mais de 4 anos;
  • tenha mais de 25 anos e menos de 61 anos.

Uma pessoa:

  • solteira, casada, viúva ou em união de facto;
  • com mais de 30 anos e menos de 61 anos;
  • com mais de 25 anos, desde que o cidadão adotado seja filho da pessoa com quem o adotante é casado.

Tome nota

No caso de o adotante ter 60 anos, o pedido apenas é possível se a criança for filha do cônjuge. O Estado define, ainda, que a diferença de idades entre o adotante e o adotado não pode ser superior a 50 anos (salvo em situações especiais).

Como adotar uma criança ou um jovem?

O processo de adoção é conduzido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social ou pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (para quem reside no município). Partilhamos um “passo a passo” que explica o que deve fazer em cada uma das etapas.

1. Manifeste a sua intenção de adoção

Escolha um dos seguintes locais para se informar sobre o processo e para formalizar o seu desejo de adoção:

2. Participe no Plano de Formação para a Adoção

Além de esclarecer o que é, quais os objetivos e como se processa a adoção, o Plano de Formação para a Adoção visa preparar os candidatos para este passo. Nas suas três fases, é possível:

  • Conhecer percursos de vida e carências das crianças em situação de adotabilidade;
  • Saber que capacidades o adulto deve ter para responder às necessidades das crianças;
  • Contribuir para a definição do projeto de adoção;
  • Discutir sobre as motivações para a adoção e sobre o impacto da história de vida da criança no adulto;
  • Abordar temas como a vinculação afetiva ou a comunicação na adoção;
  • Aprofundar estratégias que possam ser aplicadas a situações problemáticas.

3. Entregue a sua candidatura na Segurança Social

Na primeira sessão de formação para a adoção, ser-lhe-ão fornecidos os formulários necessários para apresentar a sua candidatura junto da Segurança Social. Se residir em Lisboa, também poderá fazê-lo na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

4. Esteja disponível para os testes necessários

Após análise da sua candidatura, os técnicos de adoção conduzirão um processo de avaliação psicossocial (durante um máximo de seis meses) do(s) adotante(s). A avaliação é realizada com base em:

  • Entrevistas;
  • Testes psicológicos;
  • Visitas domiciliárias;
  • Outros métodos que os profissionais possam considerar necessários.

5. Participe na segunda sessão de formação sobre a adoção

Aqui serão abordados tópicos sobre o processo de adoção e a integração da criança.

6. Aguarde o resultado da avaliação

Se obedecer a todos os requisitos, será aceite como candidato e integrado numa lista de espera.

7. Aguarde uma proposta do técnico da Segurança Social

Assim que surgir uma criança ou jovem apto para adoção, os técnicos da Segurança Social consultam a lista de candidatos em espera e tentam identificar compatibilidades. “A lei diz que a adoção só deve ser decretada quando visar ‘o superior interesse da criança’ e apresentar ‘reais vantagens para o adotado’ (art. 1974 do Código Civil)”, sublinha Ana Perdigão, coordenadora do serviço jurídico do Instituto de Apoio à Criança (IAC).

Por esse motivo, pesquisam-se sempre pais para crianças e não crianças para candidatos a adotantes. Se as características de uma criança ou jovem coincidirem com as condições e o desejo de um candidato, é feita uma proposta de adoção.

8. Tome uma decisão

É importante que, perante a posse de todos os elementos, reflita acerca desta decisão com muita seriedade. Se aceitar a proposta, inicia-se o período de pré-adoção.

10. Inicie o período de pré-adoção

Este é um período de transição, de cerca de seis meses, em que se avaliam a integração da criança, a criação de vínculos na nova família e a existência de competências parentais adequadas. É aqui que se percebe se existem condições e afinidade entre adotado(s) e adotante(s), através da partilha das suas impressões e do acompanhamento dos técnicos da Segurança Social.

11. Peça o reconhecimento da decisão em tribunal

Se tudo correr bem, o tribunal deverá reconhecer a criança ou jovem como filha do adotante. O processo termina quando a sentença do tribunal for definitiva. Nesse momento, a adoção torna-se irrevogável.

Tome nota

Até o jovem completar 21 anos, a família pode contar com o apoio dos serviços da Segurança Social para qualquer questão que surja no âmbito da adoção. A adaptação de ambas as partes às novas rotinas e personalidades pode suscitar dificuldades e dúvidas que devem ser abordadas por profissionais habilitados.

Que documentos é necessário apresentar?

Além dos formulários a preencher e entregar na primeira sessão de formação para a adoção, deve apresentar os seguintes documentos:

  • Certidão de nascimento;
  • Fotocópia do documento de identificação válido;
  • Certidão de casamento ou atestado da Junta de Freguesia, se viver em união de facto;
  • Registo criminal (especificamente para efeitos de adoção);
  • Atestado de residência;
  • Atestado médico que comprove o estado de saúde (especificamente para efeitos de adoção);
  • Fotocópia do recibo do último vencimento, declaração da entidade patronal ou fotocópia da última declaração do IRS;
  • Fotografia tipo passe;
  • Número de Identificação da Segurança Social (NISS);
  • Certidão de Nascimento dos filhos dos candidatos, caso existam.

Tome nota

Os cidadãos estrangeiros a residir em Portugal são também obrigados a apresentar um certificado de legislação em matéria de adoção e um certificado de registo criminal para efeitos de adoção do país de que são nacionais.

Que condições são exigidas ao adotante?

Além de requisitos legais como a idade, as condições económicas e de habitabilidade são cruciais para um parecer positivo à adoção. Assim, devem ser cumpridos, pelo menos, os seguintes requisitos:

  • O candidato deve ter os rendimentos necessários para suportar as despesas (educação, saúde, lazer e outras) com o novo elemento do agregado familiar;
  • Devem ser respeitadas as condições mínimas de habitabilidade, como a existência de saneamento básico ou eletricidade;
  • O menor deve ter direito a um quarto para si, mesmo que seja partilhado com um futuro irmão;
  • Acima de todas as condições, a adoção deve sempre representar uma vantagem real para o adotado.

O que pode motivar a rejeição de uma candidatura?

“O primeiro olhar sobre as candidaturas à adoção é feito pelas equipas da Segurança Social ou da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, enquadra a jurista Ana Perdigão. Se os profissionais considerarem que os candidatos não reúnem as condições necessárias à adoção, a decisão será negativa. Nesta fase, os candidatos podem recorrer junto do tribunal.

De um modo geral, os motivos que podem conduzir à rejeição de uma candidatura são:

  • O não cumprimento de uma ou mais condições exigidas em relação ao adotante, como a idade ou a situação socioeconómica;
  • A falta de “documentos que confirmem a idoneidade dos candidatos ou que provem a existência de determinadas condições (de ordem física, mental, habitacional ou material) que permitem viabilizar a pretensão de quem se candidata”, como sustenta Ana Perdigão;
  • A conclusão, por parte da equipa profissional que avalia cada candidatura, de que o motivo que leva os candidatos a querer adotar “não é, de facto, dar uma família a uma criança”;
  • Não se verificar a criação de um vínculo entre os adotantes e a criança ou o jovem adotado no período de pré-adoção;
  • Não se verificarem competências parentais no período de pré-adoção.

Tome nota

O período inaugural de experiência em família, chamado de pré-adoção, pode “cessar a qualquer momento, caso se verifique que a pretendida adoção não serve o interesse da criança”, lembra Ana Perdigão. Este facto deve ser comunicado de imediato ao tribunal responsável e ao Conselho Nacional para a Adoção.

Quem pode ser adotado?

Uma das condições que determina a adotabilidade de uma criança é a idade. O adotando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção. Existe apenas uma exceção: podem ser adotados jovens até aos 18 anos que não se encontrem emancipados e que sejam filhos do cônjuge do adotante ou tenham sido confiados (e não realmente adotados) aos adotantes (ou a um deles) antes dos 15 anos de idade.

Além da idade, a inexistência ou a séria fragilidade da relação afetiva com os pais biológicos também pode ser uma razão para a adoção. Assim, poderá ser adotada uma criança que:

  • Seja filha de pais incógnitos ou falecidos;
  • Tenha sido abandonada pelos pais;
  • Estando sob a égide dos pais, veja a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento em situação de perigo grave;
  • Esteja institucionalizada, viva com uma família de acolhimento ou com um particular e não mantenha uma relação estreita com os pais biológicos;
  • Seja filha do cônjuge do adotante.

Tome nota

Apesar das condições objetivas acima descritas, a criança tem uma palavra a dizer neste processo. Dependendo da sua idade e grau de maturidade, ela deve ser ouvida. Se a criança não manifestar interesse em ser adotada por uma determinada pessoa ou família, a sua vontade deve ser respeitada acima de todas as outras questões.

Quanto custa adotar uma criança?

Em Portugal, o processo de adoção não tem custos associados. No entanto, se participar num processo de adoção internacional, haverá custos associados a trâmites como a certificação e tradução oficial de documentos, deslocações ao país de origem da criança ou despesas com advogados e/ou outros profissionais habilitados a participar no processo.

Adoção: apoios a que tem direito

Existem três subsídios direcionados para os casos de adoção de menores de 15 anos que visam apoiar os adotantes durante os processos de integração. Confira os apoios que melhor se podem aplicar ao seu caso.

1. Subsídio por adoção

O subsídio por adoção é uma prestação a que têm direito os candidatos a adotantes de menores de 15 anos que visa substituir os rendimentos de trabalho perdidos durante os períodos em que o candidato esteve impossibilitado de trabalhar por questões relacionadas com a adoção (adaptação à nova vida familiar, por exemplo).

2. Subsídio social por adoção

O subsídio social por adoção também se destina aos candidatos a adotantes de menores de 15 anos, desde que não trabalhem ou que, trabalhando, não reúnam as condições para ter direito ao subsídio por adoção.

3. Subsídio por adoção por licença alargada

O subsídio por adoção por licença alargada é um apoio reservado aos candidatos a adotantes de menores de 15 anos, destinado à assistência ao adotado. O subsídio apenas é atribuído se a licença for gozada imediatamente a seguir ao fim do subsídio por adoção ou do subsídio por adoção por licença alargada do outro adotante.

Tome nota

Tal como existem licenças de parentalidade, também a ausência do trabalho devido à necessidade de apoiar o adotante pode ser colmatada pelas licenças previstas no âmbito da adoção. A licença pode ter a duração de 120 a 150 dias consecutivos. Um dos seus efeitos imediatos é a perda de remuneração.

Listas de espera: qual o tempo médio de uma adoção em Portugal?

Não existe um tempo médio de espera oficial para a conclusão dos processos de adoção em Portugal. Desde a entrega da candidatura até ao momento da adoção e da sentença que a constitui, e “apesar das várias e muitas alterações legais que têm vindo a ser feitas no sentido de viabilizar a adoção num prazo mais curto, a adoção demorará, pelo menos, entre 5 e 6 anos”, estima Ana Perdigão, jurista no IAC.

Caraterísticas da criança desejada influenciam o tempo de espera

Para cada criança em situação de adotabilidade são pesquisados os candidatos inscritos nos diferentes serviços de adoção do país. Assim, o tempo de espera até à conclusão do processo é bastante variável, consoante o caso e em função dos seguintes fatores:

  • As características da criança que o candidato deseja adotar;
  • O número de crianças em situação de adotabilidade que correspondam a essas características;
  • O número de candidatos a adotantes.

No final de 2020, o número de candidaturas a aguardar proposta era seis vezes superior ao número de crianças em situação de adotabilidade. Por outro lado, o número de interessados em adotar bebés representa a maior fatia da procura, podendo aumentar o tempo de espera dos candidatos. Em 2020, cerca de 70% dos candidatos procuravam crianças entre os 0 e os 3 anos, uma faixa etária que representava 25% do total de crianças aptas à adoção. Apenas 6% dos candidatos pretendiam crianças com 7 ou mais anos.

A Segurança Social esclarece ainda que, “apesar de existirem muitas crianças institucionalizadas, nem todas têm como projeto de vida a adoção, pois ou já não têm idade para serem adotadas (maiores de 15 anos) ou ainda mantêm vínculos importantes com a sua família biológica (pais, avós ou outras figuras familiares)”.

Tome nota

A partir do momento em que o candidato pede o reconhecimento da decisão de adoção ao tribunal, a sua apreciação deve ser emitida num prazo máximo de 15 dias.

Adoção: como gerir a nova relação familiar?

Os processos de adoção têm um elevado grau de complexidade. As avaliações de adotados e adotantes são rigorosas e exaustivas, uma vez que se caminha para uma nova relação familiar que não é revogável (salvo durante o período de pré-adoção, se se verificar que não há criação de vínculos ou se a adoção não servir os interesses da criança).
Mas nos anos seguintes, com a adoção já consumada, o grau de exigência do processo mantém-se. Por esse motivo, estão disponíveis equipas de profissionais de diferentes áreas, aptos a apoiar em cada momento de dúvida ou dificuldade.

Quem pode ajudar na integração?

A Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa têm o dever de disponibilizar profissionais habilitados a apoiar adotados e adotantes nas seguintes áreas:

  • Psicologia;
  • Serviço social;
  • Direito;
  • Saúde;
  • Educação.

As equipas pluridisciplinares são essencialmente constituídas por assistentes sociais e psicólogos, áreas que poderão responder a grande parte das dúvidas e dificuldades. Eis algumas questões comuns:

  • O adotado não se integra facilmente nas novas rotinas;
  • Os adotantes não respondem eficazmente à alteração das suas rotinas diárias;
  • Dificuldades de integração pelo facto de não partilharem um passado comum;
  • Medo, por parte do adotado, de novo abandono;
  • Sentimentos derivados do estigma social associado à adoção;
  • Situações de conflito decorrentes da curiosidade do adotado sobre as suas origens.

Na área do direito, Ana Perdigão lista algumas dúvidas que podem surgir durante o processo de adoção:

  • Como recorrer a uma eventual rejeição de uma candidatura à adoção?
  • Como confirmar se os requisitos jurídicos estão em cumprimento?
  • Como saber se os documentos respeitam as exigências do processo?
  • Como age o tribunal nesta matéria?

Tome nota

O acompanhamento pós-adoção pode ocorrer até o adotado completar os 18 anos (ou 21, se for expressamente solicitado). O aconselhamento e apoio na superação de dificuldades tanto se destina aos pais como aos filhos adotivos.

 

SOS Família-Adoção: uma linha para qualquer momento

No final de 2020, o Instituto de Apoio à Criança criou a Linha SOS Família-Adoção, um serviço de aconselhamento telefónico (também funciona por mensagens escritas) destinado a adotados, adotantes e todos os profissionais de alguma forma envolvidos na adoção, como professores, por exemplo. Esta é uma linha gratuita, anónima e confidencial.

Através da Linha SOS Família-Adoção é possível:

  • Contribuir para o desenvolvimento e melhoria das relações familiares na adoção;
  • Defender os interesses da criança;
  • Escutar as dúvidas e receios da criança ou jovem, como os relacionados com a sua família biológica;
  • Ajudar as famílias adotivas nos aspetos psicológicos, éticos e morais relativos à adoção;
  • Aumentar as competências dos pais adotivos;
  • Ajudar os pais a transmitir informações relevantes sobre a adoção;
  • Aconselhar todos os profissionais implicados numa situação de adoção, nomeadamente os professores;
  • Prevenir situações de risco ou perigo, como a rejeição das crianças, isolamento social, fugas.

 

Como estar preparado para a adoção?

Não só devido à morosidade e à complexidade do processo, mas também pelo facto de se estar a constituir uma nova família sem laços biológicos, a adoção exige uma preparação psicológica cuidada por parte de todos os envolvidos. Estas são algumas prioridades e preocupações a ter em conta.

A criança ou o jovem

“A criança adotada apresenta, em regra, uma história prévia de maus-tratos, de negligência e de relações familiares frágeis, envolvendo vários fatores de risco e/ou perigo que têm impacto no seu desenvolvimento físico, psicológico e social e persistem mesmo após a criança ser retirada dessa situação de perigo”, enquadra a psicóloga Fernanda Salvaterra. Assim, a nova parentalidade deve ser, de alguma forma, “terapêutica”.

Neste quadro, há dificuldades que devem ser ultrapassadas, relacionadas com “a vinculação aos novos pais, a tomada de consciência ou conhecimento de que é adotada e a formação de uma identidade que comporte as questões anteriores”. A criança tem, ainda, de “lidar com o sentimento de perda dos pais biológicos e o sentido de rejeição que o mesmo veicula”.

Durante a pré-adoção e a adoção, é normal que a criança sinta:

  • Sensação de ambivalência;
  • Confusão;
  • Insegurança;
  • Raiva;
  • Depressão;
  • Rejeição;
  • Perda.

Todos estes sentimentos afetam “a sua autoestima e autoconceito e podem traduzir-se em “comportamentos disruptivos, tais como agressividade ou isolamento”, chama a atenção a responsável do IAC.

É preciso que a criança esteja disponível para construir a relação, desenvolvendo-a num ambiente de transparência e segurança.

A família adotiva

A maioria dos candidatos à adoção são casais afetados pela infertilidade, salienta Fernanda Salvaterra. Assim, “a decisão de adotar implica ter feito um luto do filho biológico, desejado, imaginado e considerar ser capaz de amar uma criança, que não nasceu deles, como se fosse seu filho biológico”. Por isso, é muito importante que os futuros pais não considerem a adoção como uma “parentalidade de segunda”.

A psicóloga explica que a preparação psicológica para o processo de adoção implica, também, saber lidar emocionalmente com:

  • “A incerteza do tempo que demora o processo”;
  • “O estigma social associado à adoção”.

Na pré-adoção

O período de pré-adoção (com a duração máxima de seis meses) “visa perceber a adaptação mútua e a vinculação da criança à família”. Esta é uma fase determinante para o sucesso da nova relação. “Passada a primeira fase do enamoramento vão surgir naturalmente dificuldades da família em se adaptar à nova função de pais e no que isso altera as suas rotinas diárias. E dificuldades da criança que se vê numa situação inteiramente nova, onde surgem muitas vezes os receios de ser de novo abandonada”, explica a psicóloga. Nesta fase, “é fundamental o apoio e o acompanhamento dos profissionais, mas este apoio deve ser feito de uma forma discreta, não intrusiva, respeitando o espaço da família”.

Na adoção

“A primeira tarefa inerente à parentalidade adotiva é a formação de um laço afetivo e de um sentimento de pertença”, explica a psicóloga. Os pais adotivos “devem ajudar a criança a sentir-se integrada na família e a desenvolver um sentimento de segurança e confiança, que são os alicerces de um desenvolvimento psicológico saudável”.

Assim, os adotantes devem:

  • Saber “lidar com a curiosidade da criança acerca da sua família biológica”;
  • Apoiá-la na “assimilação dos sentimentos de perda e de rejeição”;
  • Orientar a criança na “construção da sua identidade”;
  • Saber “lidar com os seus planos de procura da família de origem”, se existirem;
  • Demonstrar uma “posição de neutralidade” em relação à família biológica, não a culpando nem denegrindo a sua imagem;
  • Estar atentos e “compreender os seus próprios sentimentos durante todo o processo”.

Tome nota

É muito importante que os pais adotivos expliquem à criança o mais cedo possível que é uma criança adotada. “Os pais têm de se preparar para explicar, responder e dar suporte às questões da criança, de forma honesta, verdadeira e adequada às suas capacidades cognitivas, para que a relação familiar seja construída na base da confiança e a criança sinta abertura suficiente para explorar as questões relativas à sua história passada, à sua herança cultural e às suas raízes”, afirma Fernanda Salvaterra.

A família biológica

Quando se dá a sentença de adoção, os pais biológicos são notificados da cessação do vínculo da filiação biológica, sem, no entanto, conhecerem a identidade do(s) adotante(s). É aqui que termina, em definitivo, a sua relação com os filhos, a não ser que eles os procurem numa fase posterior. Respeitar o fim do contacto com os filhos após a sentença de adoção é, assim, obrigatório.

A família biológica deve estar inteiramente preparada para esta perda. Ao tomar a decisão de colocar o filho à guarda de uma instituição, com vista à sua adoção, deve saber que está a fazê-lo em nome do superior interesse da criança.

Até aos 16 anos, a lei não permite que a pessoa adotada peça para conhecer as suas origens, ou seja, os pais biológicos. Após completar 16 anos, no entanto, “o adotado pode solicitar expressamente esse acesso”, ao qual terá direito, até aos 18 anos, apenas perante a autorização dos pais adotivos ou do representante legal.

Tome nota

Se a criança tiver irmãos biológicos com quem seja importante, para si, manter o contacto, vê-se privada dessa relação a partir do momento em que é adotada? Em casos legalmente previstos, é possível manter relações desta natureza, “desde que os pais adotivos consintam e a manutenção do contacto corresponda ao superior interesse do adotado”.

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