Dicas da Bá. "Sei onde gastei cada cêntimo nos últimos 12 anos"
Bárbara Barroso, autora do blogue As dicas da Bá, já foi jornalista especializada em banca e mercados, mas foi o jeito que tinha para descomplicar termos difíceis – o “economês-português”, como explica a própria, que a levou para a área das finanças pessoais, altura em que começou a interessar-se cada vez mais pela literacia financeira. “Há dez anos, falar destes temas era raro, não havia a mesma abertura e aptidão. Se houve algo que a crise trouxe de bom foi despertar as pessoas para estes temas”, explica.
Desde então tirou vários cursos na área dos produtos bancários e mercados, em Portugal e nos Estados Unidos. Com o conhecimento acumulado começou a dar formação de literacia financeira. “Há um lado de ajudar as pessoas de que gosto. Sigo um provérbio chinês que diz: ‘se vires alguém com fome, não lhe dês uma cana, ensina-o a pescar’”.
Porque decidiu criar o blogue As dicas da Bá?
Já tinha tido um blogue de finanças pessoais, quando lancei o meu primeiro livro, mas que acabou. Quando engravidei do segundo filho, estava a pensar no que havia de fazer e, em conversa com um amigo, estava a contar-lhe que tinha recebido um comunicado de imprensa do zoo a dizer que havia um dia gratuito. Ele perguntou-me: ‘porque é que não me disseste isso?’ Eu pensei que poderia ser interessante criar um blogue não apenas de finanças pessoais, mas mais aberto. Um blogue de smart choices, porque quase todas as escolhas que fazemos implicam dinheiro, quer seja para ir de férias, escolher roupas ou comprar uma cama para o quarto dos filhos. Tudo implica uma decisão de consumo e poupança. Eu pensei que poderia fazer algo mais virado para esta área.
Costuma receber feedback de leitores que adotaram os seus conselhos?
Tenho um feedback muito positivo. Há pouco tempo dei uma dica de food sharing, que foi uma experiência que fiz durante algum tempo com umas colegas. Eu gosto de cozinhar, mas é uma obrigação. E eu e as minhas colegas andávamos sempre a reparar nas marmitas umas das outras. Então, para nos aliviarmos, pensámos: porque é que não há um dia em que cozinhamos para todas? É uma maneira de partilhar custos e trabalho. E depois é a experiência social de comer o que alguém cozinhou para nós. Os leitores adoraram.
Mas um dos melhores feedbacks que tenho é relativo ao desafio das 52 semanas. É algo que já faço há muitos anos, mas nunca tinha escrito. Um dia decidi escrever no Dicas da Bá e foi uma explosão. As pessoas acharam engraçadíssimo e, no final do ano, a quantidade de emails que recebi com as fotografias do que fizeram com o dinheiro foi algo que realmente me tocou. Uns tiraram uma fotografia com o pote vazio no Egipto, uma senhora com os móveis que trocou, outra no quarto dos miúdos, que remobilou. E outros amortizaram crédito.
Já pratica este desafio há muitos anos. Que estratégias utiliza para não se perder?
Se um ano tem 52 duas semanas, o desafio passa por colocar um euro na primeira semana, dois euros na segunda, três euros na terceira e assim sucessivamente, até à 52ª semana. O que acontece é que, no último mês, são quase 200 euros. Para muitas famílias é um esforço acrescido. A minha estratégia é começar ao contrário, porque no início do ano, além de aproveitar o dinheiro extra do Natal, estou mais entusiasmada. Quando chego aos últimos meses do ano já tenho praticamente o dinheiro todo. Nesta fase (outubro) ponho seis ou sete euros no pote por semana. Por exemplo, se tenho algum ganho dinheiro extra, aproveito e coloco no pote. Risco logo algumas semanas.
Há ainda outra técnica que é o “bingo”. Imprimimos o calendário e vamos riscando o valor que nos dá jeito. Ou seja, posso poupar 52 euros na primeira semana, 1 euro na segunda, depois 3 euros. Há muita gente que adota esta técnica.
Muitas famílias não poupam porque não sabem como. Este desafio ajuda quem não consegue delinear um plano de poupança?
Sim. A poupança requer disciplina e planeamento. Se esperamos pelo final do mês para poupar, normalmente não sobra nada. Há sempre imprevistos e muitos apelos de consumo. Este desafio dá um método e muitas pessoas conseguem fazê-lo porque é estruturado. Houve leitores que me mandaram adaptações que fizeram: pegaram no montante total (1 378 euros), dividiram por 52 (semanas) e poupam esse valor certo (26,50 euros) todas as semanas. Mostra que estão envolvidos. Não conseguem de uma forma, mas adaptam à sua realidade.
Sempre teve hábitos de poupança?
Sempre fui muito poupada e os meus pais sempre me deram muita responsabilidade. Lembro-me que na faculdade era eu quem fazia os pagamentos. Isso foi determinante para mim. Mas comecei a trabalhar nas férias muito cedo, aos 14 anos. Os meus pais não se importavam que trabalhasse nas férias, desde que isso não afetasse o meu desempenho escolar. Inicialmente guardava o dinheiro que ganhava num mealheiro e mais tarde comecei a investir.
Os portugueses continuam conservadores no que diz respeito a investimentos?
Sim. Investem sobretudo em depósitos a prazo, que atualmente rendem zero. Isto é, muitas vezes, falta de literacia financeira. Quando explico às pessoas algum tipo de produto que exista, com capital garantido, que oferece mais do que um depósito, pessoas ficam espantadas. É uma lacuna muito grande. Hoje em dia fala-se muito de poupança, mas pouco de investir. E é aqui que acontece a verdadeira mudança na vida das pessoas. Ninguém enriquece a guardar dinheiro debaixo do colchão. Esse dinheiro tem que se multiplicar. Tem que crescer e render.
No entanto, muitas vezes diz-se que os portugueses não poupam, mas não é verdade. O maior investimento dos portugueses é a casa. 80% dos portugueses são proprietários e todas as suas poupanças vão para a casa. Depois, alguns têm os fundos de emergência em depósitos a prazo ou certificados. O conservadorismo dos portugueses nota-se aqui: a casa vê-se, é palpável, não desaparece. Quando começávamos a arriscar um pouco mais em termos de investimentos, os casos na banca abalaram a confiança das pessoas.
Fala muito do orçamento familiar no seu blogue As dicas da Bá e livros. Tem um orçamento familiar?
Sim. Eu sei onde gastei cada cêntimo nos últimos 12 anos.
Como faz a gestão desse orçamento?
Vou lá todos os dias. No início comecei num Excel, era solteira e identifiquei vários de gastos desnecessários dos quais que não me apercebia. Quantas vezes levantamos 20 euros de manhã e chegamos ao final da tarde com a carteira de moedas, mas não fazemos a menor ideia onde gastámos o dinheiro? Depois comecei a usar uma aplicação: introduzia os valores que gastava manualmente e a aplicação fazia os gráficos. Com as aplicações que existem, que até importam extratos bancários, tenho tudo controlado. Analiso periodicamente as contas e, se houve algum gasto maior, consigo ver o que aconteceu. Se não controlarmos estas pequenas coisas gastamos muito dinheiro. Muitas vezes está ali a poupança que nós achávamos que não conseguíamos fazer.
Mas também acho que as pessoas não devem ir ao extremo, faz parte da compensação que necessitamos pelo nosso trabalho e esforço comprar uns sapatos, ir de férias, jantar fora… Mas deve caber no nosso orçamento. O que não deve acontecer é ir jantar fora todos os dias e depois o carro não pode avariar, que tem de pedir dinheiro emprestado.
Quais as suas dicas de poupança preferidas?
O orçamento familiar é determinante, porque é a partir dali que eu faço o que quero. Mas outra dica que funciona muito bem é acionar lembretes no telemóvel para os cupões de desconto. Já me aconteceu ter de ir ao supermercado e lembrar-me que no dia seguinte começava uma grande promoção. O que faço é levar o estritamente necessário e, quando a promoção estiver ativa, faço o resto das compras. Sei disto porque tenho os lembretes.
Em que área é, para si, mais difícil poupar?
Às vezes é mais difícil poupar com os filhos. Apesar de dizer muitas vezes que não, isso mexe com o meu coração. Mas todos os anos fazemos uma limpeza e damos brinquedos. Fazemos questão de escolher os brinquedos que eles já não querem – e um de que gostem. Outra questão mais difícil são os investimentos. Tomar a decisão no timing certo em termos de alocação de investimentos.
Numa altura em se fala em recuperação económica, que conselhos deixaria aos portugueses?
Que não voltem a cometer os erros do passado. Os dados demonstram que o crédito à habitação está a voltar em força. Como as pessoas estão mais folgadas, pensam em mudar-se para uma casa melhor e maior. Tudo bem, mas é preciso ter em atenção a taxa de esforço, ter um fundo de emergência e ter a sua vida financeira protegida.
Quando compramos uma casa, a taxa de esforço é feita tendo em conta os dois rendimentos. Se sai um da equação, fica muito complicado. Estamos num período de taxas de juro baixas, mas as taxas de juro (Euribor) não estão na sua posição natural, que é à volta dos 2%. O meu conselho é: quando forem fazer uma simulação de crédito à habitação, olhem para a FIN (ficha de informação normalizada) para verem o valor da prestação com um aumento de um ponto e dois pontos percentuais. Olhem e verifiquem se continuam a ter capacidade, caso haja um aumento de dois pontos percentuais. Se não existir, se calhar têm de procurar uma solução mais ajustada.
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