“Eu quero ser diferente. Não quero fazer igual aos outros”

“Eu quero ser diferente. Não quero fazer igual aos outros”
14 minutos de leitura
Fotografias de Maria João Gala
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Encontrámo-nos casualmente com Rita Rocha à porta do Coliseu do Porto, quatro horas antes de a jovem entrar em palco para se juntar a Carolina Deslandes na celebração do 184º aniversário do Montepio Associação Mutualista. “É um sítio muito imponente, com muita história. Cantar aqui torna tudo mais especial”, disse-nos entre os pingos da chuva que começava a cair. Aos 18 anos, Rita Rocha está ainda a dar os primeiros passos na música mas, tendo começado tão cedo nas lides do espetáculo, já tem histórias para contar. “Será a terceira vez que aqui canto. O som é surreal e todo o ambiente também. Fico triste quando saio do palco, quero voltar”, contou.

Lembras-te de algum concerto inesquecível no Coliseu do Porto?

Fui ver a Bárbara Tinoco [em 2021] e foi surreal. Ainda estava no início da carreira, a compor as minhas canções, e só aí é que comecei a perceber bem o que era cantar para as pessoas. Esse concerto vai ficar para sempre na minha cabeça. Se um dia cantar [em nome próprio] no Coliseu, será inspirado nele.

Que músicas ouvias em criança?

O meu artista favorito era, de longe, o Miguel Araújo. Só ouvia Azeitonas e havia duas músicas que adorava: Desenhos Animados e aquela… [começa a cantar]: “oitenta e sete, dentes de leite” [NDR: a música chama-se 1987 e é um dueto de Miguel Araújo com Catarina Salinas]. Era obcecada por esta música, ouvia-a com o meu pai. Para mim, o Miguel Araújo é dos maiores compositores de sempre. Ouvi dizer que ele faz 20 canções por semana, isso não é normal. Miguel Araújo, por favor, lembra-te que eu existo e vamos fazer uma canção [risos]. Mas tinha um gosto musical eclético: ouvia Miguel Araújo, Eminem e Andre Bocelli – ou oito ou oitenta.

Estás a ter uma ascensão invulgar na música portuguesa. Pela rapidez mas também pela forma preparada, estudada, como a tua carreira está a avançar. Quais os maiores obstáculos que encontraste até agora?

Estou numa posição muito privilegiada. A Carolina levou-me para casa, escreveu imensas canções para o meu EP A miúda do 319 [Extended Play, em inglês. É um disco com 4 a 6 canções]. Sempre que a Carolina [Deslandes] reconhece talento em alguém, cria oportunidades. Nunca vou conseguir pagar-lhe nem agradecer o suficiente. Lembro-me de ter pensado: “Isto vai mesmo acontecer? Vou começar a lançar canções?” A Carolina abraçou as canções que já tinha, apresentou-me a toda a gente. E depois senti que não podia ficar parada à espera que ela fizesse as canções por mim, mas trabalhar, trabalhar, trabalhar.

É uma ascensão sem obstáculos?

Tive obstáculos, tive. As pessoas começaram a dizer que eu queria ser como a Carolina. Mas a verdade é que sou muito parecida com ela, por natureza [risos]. E obviamente que me inspiro nela e isso nota-se. Aprendi a escrever, a interpretar e a melhorar as minhas canções com ela. Não sou igual, mas somos parecidas. Isso não é um insulto, é um elogio. A Carolina é a melhor coisa que aconteceu a este país.

Rita Rocha fotografada por Maria João Gala nos ensaios para o concerto de aniversário do Montepio Associação Mutualista, no Coliseu do Porto

Começaste a trabalhar com o Pedro Marques aos 14 anos e depois com a Carolina. Como reagiram os teus pais?

Tenho muita sorte com os pais que tenho. Ao verem-me tão feliz, foram os primeiros a apoiarem-me. Eles pegavam no carro e levavam-me para Lisboa, mesmo quando trabalhavam no dia seguinte. O importante sempre foi eu ser feliz. Era este o caminho que queria seguir e eles apoiaram-me incondicionalmente em tudo.

Vi o documentário Três Pontinhos e pareces muito adulta. Foste ganhando esse à-vontade ou já nasceu contigo?

Acho que sempre estive à-vontade em lidar com pessoas, mas, quando não as conheço, sou muito envergonhada. O Pedro e a Carolina ajudaram-me muito, sobretudo a Carolina.

Nesse documentário, há uma frase do Pedro Marques que me chamou a atenção: (Falando de tocar instrumentos ao vivo) “Ela não é boa em nada, mas faz. Isso tem valor.” De onde vem esta coragem?

A coragem é a melhor amiga da vontade e eu tenho muita vontade. Quando assim é, faz-se tudo o que não se está à espera de fazer. Eu nunca pensei em levar a harpa para o The Voice. Aliás, eu sei tocar harpa, tenho o 5º ano, mas não sou profissional. Mas tenho tanta vontade, e trabalho tanto, que chego lá e corre bem. Fico supernervosa antes, mas quando chego lá penso: “Treinei tanto para isto e não há motivo para correr mal.” Mas também sei desenrascar-me. Se sentir que algo não correu bem, dou a volta.

Porque escolheste a harpa como instrumento de eleição?

Nos testes de aptidão, experimentei muitos instrumentos. A harpa chamou-me logo à atenção antes sequer de tocar uma corda. Disse que ia tocar aquilo, nem precisava de experimentar. Porquê? Eu quero ser diferente, não quero fazer igual aos outros. Gosto de tocar guitarra e piano. Mas quem tocaria harpa? Ninguém [risos]. Então, toco eu. Por sorte, fiquei apaixonada. Somos um só.

É um instrumento clássico mas, ao mesmo tempo, irreverente. É isso? Tem a ver com a tua personalidade?

Sou irreverente mas super-responsável, por isso a harpa tem tudo a ver comigo. Tenho esta personalidade, mas depois gosto de me vestir de forma completamente diferente em palco, para contrastar. Aí ninguém toca harpa? Então, quero tocar. Aliás, a Luísa Sobral, de quem sou muito fã, toca harpa. Mas não é comum. E se eu conseguir fazer pop com uma harpa? Ninguém faz isso, mas eu faço.

Aos 18 anos, Rita Rocha já é um nome conhecido dos portugueses. Ainda assim, a jovem frequenta a universidade e quer licenciar-se em Medicina. É o plano B

Como consegues gerir o projeto musical com as aulas e a vida pessoal, a família e os amigos?

Tive de abdicar de algumas coisas. Eu estava na fase da adolescência, dos picos das emoções, na qual acontecem os primeiros beijos, as primeiras relações… mas este é o meu sonho. O comboio passa e sei que é muito difícil voltar a apanhá-lo. Se [nessa altura] não o fizesse, agora tinha de apanhar um jato para ir atrás do comboio. O que me custou mais foi organizar o meu tempo. Sentia que tinha de ser boa a fazer tudo e estar a 100%: na música, na escola, na minha vida pessoal. Agora sei que não é possível e vou falhar em alguma coisa. As pessoas falham. Quando percebi que falhar fazia parte da vida acabei por aceitar melhor.

O que fazes hoje? Estudas?

Estudo Farmácia, na universidade. Não entrei em Medicina por causa do exame de físico-química, por isso estou só a fazer cadeiras. Mas quero entrar em Medicina no próximo ano.

Se não correr bem o plano A, vais para o plano B.

Exato. Eu quero fazer música. Sei que é muito difícil tentar conciliar as duas coisas, mas quero muito tirar Medicina, sempre foi um sonho. Estou interessada, principalmente, na parte estética da Medicina, na cirurgia plástica. Quero tirar a insegurança das pessoas. Sei que tenho ambições altas, mas não há mal nisso. O pior é ter ambições baixas.

E fazer canções é quase uma cirurgia plástica: tirar e pôr, neste caso as palavras, as melodias.

Acho que têm muito a ver, apesar de as pessoas não associarem diretamente. Tal como a matemática.

Aos 13 anos, Rita Rocha entrou no concurso The Voice Kids, onde conheceu Carolina Deslandes. Desde então que partilha com Carolina os palcos, mas também a amizade

Primeiro álbum a caminho

Vais lançar um álbum este ano? Quando?

Sim, será lançado no primeiro semestre de 2025. O primeiro EP foi feito por mim, pela Carolina [Deslandes], pela Bárbara [Tinoco], pelo AGIR e pelo Feodor [Bivol, guitarrista e compositor]. Mas eu adoro a parte criativa, escrever músicas, os cenários, as letras, os conceitos. Por isso, decidi que o primeiro álbum será todo escrito por mim. Quis fazer um álbum diferente. As coisas estão bem, até demasiado bem, e a maior parte das pessoas jogava pelo seguro e continuava a fazer coisas dentro desse registo. Mas eu quero explorar outras partes de mim. Há muitos estilos de música que as pessoas, porventura, não associam a mim, mas sinto que os tenho e vou explorá-los.

Letra ou música, o que vem primeiro? E como se encaixam uma na outra?

Aprendi muito com a Carolina e com a Bárbara, mas eu já compunha canções antes de as conhecer. Nessas sessões, normalmente o Feodor pegava na guitarra e elas escreviam a letra por cima. E eu comecei a fazer o mesmo com amigos porque, como estive numa escola de música, toda a gente toca alguma coisa, o que é perfeito. Mas também compunha sozinha, ao piano. Hoje, adoro compor com o Diogo Seis, que está a produzir o meu álbum e que me leva para outras zonas totalmente diferentes. Às vezes, chego ao pé dele com [a app Dictafone] e digo: “Fiz isto. Consegues fazer alguma coisa ou odeias?” Umas vezes ele gosta, outras diz-me que está péssimo.

Essa é a parte da vida que não é perfeita.

Claro, claro, e eu às vezes tenho de escrever a letra e esquecer a melodia. É o próprio Diogo quem me diz para escrever a letra, que ele fica com a melodia. E ajuda-me no processo criativo. Às vezes, surge primeiro a letra, mas o mais comum é surgir o beat ou os acordes. Adoro compor sozinha e muito tarde, às 2 da manhã, no quarto.

Achas que um letrista tem de ser bom observador na vida real ou basta ver séries, ler livros e imaginar cenários?

Um bom letrista não precisa de ter vivido a situação. Tem a ver com a forma como expõe a letra. O melhor letrista é o que escreve sem restrições e diz as coisas sem ter medo que elas fiquem feias ou não sejam bonitas de se dizer. Há coisas que não são bonitas de se dizer. Dou-te um exemplo: a última faixa do meu álbum chama-se Filha (Im)perfeita e é a história de uma amiga que não tem uma boa relação com a mãe. Escrevi essa canção porque tocou-me a forma como ela estava a sofrer com a relação. Por vezes, dá-me mais gozo escrever sobre a vida das outras pessoas porque há coisas da minha vida que não quero contar. Pelo menos, já.

Miguel Araújo foi o primeiro ídolo de Rita Rocha. “Miguel Araújo, por favor, lembra-te que eu existo e vamos fazer uma canção”, brinca a jovem

Aos 18 anos, a Taylor Swift tinha 200 músicas escritas. Sabes quantas tens?

Não sei, mas são muitas. Como te disse, a minha parte preferida da música é a criativa. Há semanas em que escrevo 20 canções, noutras apenas três. Mas três canções por semana já é muito. Se há coisa que nunca faltou no meu álbum são canções. Fizemos cinco álbuns para chegar a um e isso implica muitas, muitas canções.

E como as escolhes?

Por vezes, são muitas canções a falar do mesmo tema e tenho de escolher uma. Escrevi 80 canções e sinto que as últimas 12 ou 13 acrescentam algo de diferente. Adoro canções de amor e desamor, acho-as incríveis, mas não quero um álbum todo só destas canções, quero fazer coisas diferentes e gosto de ter vários conceitos no álbum.

Quando sabes que uma canção está terminada?

Quando se começa a escrever palha, só para encher, estamos a fazer coisas a mais. Por vezes, isso acontece porque a canção tem de ter dois minutos e meio, três minutos. É apagar. Não faz sentido. Mas eu tenho a síndrome oposta, porque adoro escrever canções longas. Tenho muita coisa para dizer.

Tens pressão para manter as canções curtas?

Pressão das outras pessoas, não. Mas tenho pressão de mim própria para que as coisas corram bem. As canções do EP funcionaram bem, passaram na rádio, mas nunca farei uma canção com o propósito de passar na rádio. Para mim, isso é matar o processo criativo.

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Vais ter convidados no teu álbum?

Sim, vou ter o Pedro Abrunhosa na canção que abre o álbum, que se chama Manual de Instruções e na qual me apresento. No final da música, o Pedro Abrunhosa diz que ser artista não é estar na moda, mas sentir e transmitir emoções às outras pessoas. Como devem calcular, o facto de o Pedro Abrunhosa ter tido a vontade de participar foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. Tenho o rapper Guga, com quem colaborei na música Sem Hora Marcada, e estamos em negociações com outra pessoa.

Há canções tuas que te dizem mais do que outras? Porquê?

Há sempre canções que vêm de sítios que, às vezes, não estamos preparados para apresentar ao público, que as pessoas ainda não podem visitar. No meu novo álbum percebem-se logo quais são e fui vulnerável ao fazê-las e decidir lançá-las. Acho que fui corajosa, porque sou uma pessoa muito direta. Eu descrevo tudo. Por vezes, esse é o medo de lançar as canções, porque depois as pessoas já não nos dizem tanto.

Pensas na tua vida financeira dentro de 15 ou 20 anos? Tentas poupar para essa altura?

Felizmente, estou numa posição em que não tenho de me preocupar se as coisas vão correr bem na música. Ou melhor, não têm de correr todas bem agora. Não é uma preocupação que tenha neste momento, mas também nunca fui uma pessoa descabida a gastar. Nunca quis um pónei [risos]. Sempre fui ponderada e tento poupar. Mas todo o dinheiro que ganhar com a música será para investir na música, não para comprar um vestido.

E achas que a tua geração se preocupa em poupar e percebe que, para cumprir sonhos amanhã, tem que fazer escolhas hoje?

Acho que não se preocupa. Estou a generalizar, mas a minha geração está cada vez mais descuidada no que toca aos gastos e ao que é realmente importante financeiramente. Acho que é uma geração desligada do que é prioritário.

Rita Rocha assiste ao ensaio geral de Pedro Abrunhosa e Carolina Deslandes, antes do concerto da aniversário do Montepio Associação Mutualista, no Coliseu do Porto

10 perguntas-relâmpago a Rita Rocha

1. O que fazes quando passa uma música tua na rádio?

Dou um berro, mas baixinho. Fico muito feliz e estarei sempre. Mas controlo-me.

2. Qual é a música que o teu público mais gosta?

A que correu melhor foi Mais ou menos isto, mas julgo que a preferida é Outros Planos.

3. Qual o teu sítio preferido para compor?

No chão do quarto ou na casa de banho.

4. Quem te deu o melhor conselho no mundo do espetáculo?

Foram os meus pais, que me disseram para ter sempre os pés bem assentes na terra porque isso diferencia as pessoas. Quanto mais trabalharmos para algo acontecer, mais perto está de acontecer.

5. Nas entrevistas, qual a pergunta que mais te fazem?

Como foi o The Voice? Gostaste da experiência?

6. Qual o primeiro álbum que compraste com o teu dinheiro?

Reputation, de Taylor Swift.

7. Qual foi a coisa mais cara que compraste?

A minha guitarra, que custou mil euros.

8. Quantos instrumentos tocas?

Além da guitarra e da harpa, toco piano e ukelele. Mas toda a gente consegue aprender ukelele, até o meu pai [risos]. Ambiciono tocar mais, por exemplo saxofone. Um dia vou chegar lá.

9. Diz-nos uma coisa sobre ti que o público não saiba.

Como sou uma pessoa muito transparente, sabem tudo sobre mim [risos]. Agora a sério, o primeiro EP fala sobre ter passado por imensas relações, no sentido de estar apaixonada, mas não era verdade. Estava apaixonada, mas nunca tive uma relação. A primeira está a ser agora, com 18 anos. Estou atrasada, sim, mas estou aqui.

10. Se não conseguires seguir uma carreira na música, tens Outros Planos?

Tenho: seguir Medicina. Mas se conseguir colocar na cabeça que vai correr bem, as coisas eventualmente vão acontecer.

Quem é Rita Rocha?

Nasceu no Porto, em 2006, começou a cantar aos 5 anos e a tocar harpa aos 9. Integrou grupos de canto coral e tornou-se conhecida dos portugueses com 13 anos, quando integrou a equipa de Carolina Deslandes no programa The Voice Kids (RTP). Não ganhou o concurso, mas a voz afinada e a vontade de aprender chamou a atenção de Carolina que, desde então, tem sido a guru de Rita Rocha (é assim, aliás, que a jovem se refere à autora de A Vida Toda).

Com 18 anos cumpridos em agosto, Rita Rocha tenta conciliar a licenciatura em Farmácia com os concertos e o crescimento na indústria musical portuguesa. Em 2025, lançará um novo trabalho, o primeiro como intérprete e autora. Até onde chegará? É a questão do milhão de dólares. Neste caso, euros.