Vai ter mais dinheiro na carteira. O que fazer com ele?

Vai ter mais dinheiro na carteira. O que fazer com ele?
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Ilustração de Pedro Dias
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om a queda das taxas de juros e o crescimento da economia, espera-se que o ano de 2025 seja de alívio para as famílias. Há quem queira viajar mais, outros ambicionam investir e há ainda quem prefira amortizar o crédito à habitação.

Cristiana Ribeiro sempre teve hábitos de poupança, mas nos últimos dois anos confrontou-se com a diminuição drástica do dinheiro que sobrava no fim do mês. Com a subida dos juros do crédito à habitação, a prestação mensal da casa passou de cerca de 300 euros para 600 euros. A juntar a isso, viu os preços no supermercado dispararem. “Consegui gerir estes aumentos porque tinha feito planeamento. Quando pedi o empréstimo, procurei uma prestação que me permitisse ter alguma margem de manobra caso a Euribor subisse muito, como acabou por acontecer”, conta a advogada de 33 anos que, em 2021, comprou um T2 no concelho da Amadora.

Apesar de os juros terem começado a descer nos últimos meses, Cristiana Ribeiro decidiu analisar o mercado para tentar encontrar um crédito mais vantajoso. “Procurava um banco que me oferecesse uma descida considerável da prestação, para aumentar a minha margem de poupança, e que, ao mesmo tempo, me garantisse estabilidade nos próximos anos, através de uma taxa mista”, refere a advogada, contando que transferiu recentemente o crédito para outra instituição bancária. Trocou um spread de 1,15% por um de 0,7%. “Agora tenho uma prestação de 400 euros. Isso permite-me recuperar uma parte significativa do que habitualmente poupava.” A advogada sabe que se tivesse continuado com taxa variável, a probabilidade desta continuar a descer, futuramente, seria elevada. Mas atendendo à “instabilidade internacional” preferiu ser “prudente”. “Assim, sei com o que contar todos os meses, pelo menos, durante os próximos três anos.”

A história de Cristina reflete a de muitas famílias portuguesas que, a partir de 2022, enfrentaram um aumento drástico das despesas mensais. Nesse ano, aconteceu aquilo a que chamamos tempestade perfeita: aumento dos juros, o que se traduziu em empréstimos da casa mais caros, aumento da inflação, ou seja, preços de bens e serviços mais caros, e o mesmo nível de salários. Para tornar a situação mais complexa, os preços das casas não param de subir e o mesmo acontece com as rendas.

No final de 2024, o vento começou a mudar e o próximo ano surge já com uma brisa de alívio. De entre as despesas mensais fixas, será na habitação que Cristiana Ribeiro terá uma redução mais significativa. “Nos gastos no supermercado ainda não sinto grande diferença”, assume. “Gastava cerca de 40 euros por semana e passei a gastar 60, comprando os mesmos produtos”, refere, acrescentando que a conta da luz e da eletricidade também sofreram um ligeiro aumento.

De acordo com Pedro Bação, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em 2025, “se nada de especial acontecer, deveremos continuar a ter um crescimento económico moderado (cerca de 2%), uma inflação a prosseguir a trajetória de regresso ao valor de referência (2%) e uma taxa de desemprego relativamente estável, num intervalo normal no contexto português (entre 6% e 7%)”.

Diante deste cenário, espera-se um alívio no bolso dos portugueses. “A estabilização da inflação (mais propriamente, a inexistência de novos acontecimentos que aumentem os preços dos bens importados, nomeadamente energéticos e alimentares) poderá permitir que os rendimentos das famílias recuperem poder de compra, em particular se os salários continuarem a crescer (ainda que moderadamente) e alguns benefícios estatais aumentarem”, afirma o professor.

Com as taxas Euribor a seis e a doze meses abaixo dos 3% em novembro de 2024, depois de terem chegado a mais de 4% em 2023, espera-se que as prestações de crédito à habitação assumam menor peso no orçamento. “As famílias endividadas ficarão mais desafogadas”, afirma Pedro Bação, dizendo que, com “este cenário macroeconómico base, a estabilidade poderá traduzir-se em maior confiança”, o que permitirá despesas em “bens duradouros, atividades de turismo e de lazer ou mesmo para outras áreas, como a saúde e a educação”.

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Poupar para viajar, mas não só

Com o dinheiro extra que planeia acumular nos próximos meses, Cristiana Ribeiro quer continuar a viajar. “Gosto mesmo muito de conhecer outras culturas”, confessa, contando que também pretende fazer investimentos. “Sempre me ensinaram que ‘no poupar está o ganho’, mas tenho percebido que não é suficiente. Ultimamente tenho procurado informar-me mais para aplicar o dinheiro que vou juntando, sempre sem risco. Inscrevi-me, inclusivamente, num curso de finanças pessoais.”

Há quem tenha outros planos para o dinheiro extra que espera amealhar nos próximos tempos. No caso de Joana Costa Roque, por exemplo, o principal objetivo é amortizar, o mais rapidamente possível, o empréstimo da casa. “É o nosso projeto de poupança a curto-médio prazo”, revela a influencer, que se dedica à culinária e recentemente lançou o livro Curso de Cozinha de Joana Roque. Além de reduzir a dívida ao banco, espera cimentar o fundo de emergência familiar, fazer poupanças para os três filhos e pôr de parte algum montante para viagens e investimentos.

A par das flutuações da economia, e para aumentar o que vai amealhando, Joana Costa Roque procura, ao longo do ano, gerir as refeições de forma equilibrada. “Acho sempre que se pode comer bem e alimentar uma família com um orçamento mais reduzido se soubermos e estivermos dispostos a fazer escolhas diferentes”, diz a autora, que assume que “é possível contornar alguns aumentos” de preços “com uma gestão diferente”. E explica: “A principal decisão é a do planeamento. Saber o que temos em casa, o que queremos cozinhar. Fazer uma lista de compras eficiente.”

Joana Costa Roque também compara preços e adquire poucos produtos processados, como refeições pré-confecionadas, refrigerantes e bolachas, que “levam muitas vezes uma parte significativa do orçamento”. “Tento comprar local e sazonal mas, mais importante do que isso, ter uma lista de compras simples. É sempre mais barato um pacote de aveia do que uns cereais de chocolate, ou uns iogurtes naturais do que uns xpto. Faço muitas coisas em casa não só porque, na maioria dos casos, fica mais barato, mas porque sei exatamente o que estou a comer.”

“[Em 2025], as famílias endividadas ficarão mais desafogadas. A estabilidade poderá traduzir-se em maior confiança [e despesas] em bens duradouros, atividades de turismo e de lazer ou mesmo para outras áreas, como a saúde e a educação”

Pedro Bação, professor universitário

Atenção ao contexto internacional

Apesar de se esperar que, nos próximos tempos, se assista a uma evolução económica favorável às famílias, o professor Pedro Bação reconhece que há algum grau de incerteza. “A guerra na Europa irá alastrar-se? Como irá evoluir o conflito no Médio Oriente? Como será a relação com a China? Que desenvolvimentos haverá no domínio da inteligência artificial?”

As consequências da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos são também “imprevisíveis”, acrescenta o académico. “Os próprios apoiantes desvalorizam as suas declarações. Os nomes polémicos que têm sido divulgados como futuros elementos da sua administração ainda terão de ser aprovados pelo Senado, e não é certo que o sejam, dada a resistência que encontram, mesmo entre os republicanos. De qualquer modo, o que parece certo é um aumento das tarifas aduaneiras e uma orientação geral da política económica americana para o protecionismo. A consequência na Europa será alguma instabilidade económica e um efeito negativo no nível de vida.”

Para evitar dissabores causados por este tipo de imprevistos, Mário Pereira sempre fez questão de ter um crédito à habitação que pudesse ser pago apenas com um dos ordenados da família, seu ou da mulher. Em 2015, compraram um T3 na Margem Sul por 85 mil euros, para onde se mudaram com os dois filhos. “Preferimos ser cautelosos e ter uma casa mais barata”, diz, contando que antes tinham feito um empréstimo para adquirir um duplex em Castelo Branco que, entretanto, venderam.

Em 2023, no pico das taxas de juro, a prestação do apartamento de 100 m2 chegou aos 500 euros. Mas não só: com o aumento da inflação, os gastos mensais no supermercado chegaram aos 900 euros. Por isso, mantêm o cinto apertado: comem quase sempre em casa ou, nos dias em que estão fora, levam almoço. Rentabilizam a utilização do forno preparando várias refeições de uma vez; preferem marcas brancas e comparam preços entre diferentes superfícies comerciais.

Neste momento, o crédito à habitação exige-lhes menos de 400 euros mensais. Se as taxas de juro continuarem a descer, vão poder poupar mais. “Queremos ter mais algum dinheiro de parte para despesas extra que possam surgir, por exemplo com o carro ou com idas ao médico”, refere Mário Pereira, de 49 anos, que trabalha na área da gestão de equipamentos. “A ideia é também fazer um investimento para a reforma”, diz, admitindo que não decidiram ainda que produto vão escolher. “Gostávamos muito de fazer férias do outro lado do Atlântico, mas por enquanto continuamos em contenção – os nossos filhos estão a estudar e essa é uma despesa significativa.”

Poupar, planear e viver. Para muitos portugueses, 2025 será um ano com mais rendimento disponível para fazerem o que mais gostam. Mas, também, um ano para respirarem e se preparem financeiramente para a incerteza que virá mais tarde – só não se sabe quando.

“Existem três formas de aumentar a capacidade de poupança: diminuição das despesas, aumento das receitas ou a conjugação de ambas. A casa, a alimentação e os transportes são as categorias com maior peso no orçamento, pode começar-se por aí”

Bárbara Barroso, fundadora do MoneyLab

Como se pode poupar (ainda mais)

Bárbara Barroso, especialista em finanças pessoais e CEO do MoneyLab, um “laboratório de literacia e educação financeira”, lembra que é essencial poupar e diz que, em cenários de melhoria das condições financeiras, as famílias têm mais oportunidade para pôr dinheiro de parte. “Deve começar-se por criar um fundo de emergência. O ideal será ter um valor correspondente entre seis a doze meses do custo de vida mensal. Para as famílias que não têm qualquer montante de parte, sugiro começar com o objetivo de um mês e depois com uma meta de três meses”, refere. E acrescenta: “Existem três formas de aumentar a capacidade de poupança – diminuição das despesas, aumento das receitas ou a conjugação de ambas.” Se se pretender amealhar mais, há que ser “mais eficiente” nas despesas. “Sabendo-se que a casa, a alimentação e os transportes são as categorias com maior peso no orçamento, pode começar-se por aí”, diz Bárbara Barroso. A alternativa é garantir um “rendimento extra” que possibilite “maior disponibilidade financeira”.

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