Pedro Taborda nasceu para brilhar. Na pele de Tatanka, o sintrense assume-se como uma das mais importantes figuras da música portuguesa atual, sendo a voz e a alma dos Black Mamba, banda que venceu o Festival da Canção em 2021, com a música Love is On My Side, a primeira de sempre cantada em inglês. Em janeiro, Tatanka e os Black Mamba atuaram nos coliseus de Lisboa e do Porto, dois concertos com o apoio do Montepio Associação Mutualista. “Sou Montepio. Tenho lá as minhas poupanças”, revelou o músico durante a sessão fotográfica de uma entrevista em que falou de tudo: de arrojo musical, da fama, de dinheiro e de um futuro que tem tudo para correr bem.


O som dos Black Mamba é arrojado, diferente do que se ouve nas rádios portuguesas. Porque conseguiram chegar ao mainstream e outras bandas portuguesas de blues não?
Não somos só uma banda de blues. Somos rock, funk, soul ou pop. A matriz que nos une é a música norte-americana que deriva do gospel, das worksongs, do blues, do rock n’roll e do funk, géneros que temos vindo a abordar ao longo destes 15 anos. Talvez esteja aí o segredo.
Ainda assim, não são estilos que associamos a bandas portuguesas.
Hoje, as músicas estão mais sintetizadas, mais curtas, menos texto, menos acordes, menos palavras. As pessoas já não têm muito tempo para ouvir discos, músicas longas ou complexas. Fazem scroll down porque querem estímulos imediatos. É um jogo difícil, mas continuamos a jogá-lo. Temos músicas de 7 minutos, como Crazy Nando, mas outras como Love in On My Side, com 2 minutos e 50 segundos e que tem frases simples e melódicas.
É o vosso maior êxito. Foi uma música para passar nas rádios?
Foi uma música feita para ganhar o Festival da Canção, o que acabou por acontecer. Queríamos uma música com impacto e posso dizer que o refrão era mais complexo do que acabou por ficar. São só quatro, cinco notas. [Começa a cantar]: “Love is on my side.” E tinha uma segunda parte, que tirámos.
Foi simplificada.
Isso. E conseguimos sempre dar uma no cravo, outra na ferradura. Fazemos o que queremos, piscando o olho ao mainstream e ao pop.
O facto de teres uma voz tão característica teve influência no crescimento mediático da banda e na afirmação da tua persona?
São tudo consequências umas das outras. Os melhores cantores com quem já estive não têm carreiras nem desenvolvem trabalhos autorais, que lhes poderiam dar mais visibilidade para o público e maior aceitação. Há coisas que são do foro do inexplicável, do carisma. O nosso trabalho espoletou a vitória no Festival da Canção, que nos levou a cantar para 200 milhões de pessoas na Eurovisão e me levou a ser júri do Ídolos, e a partir daí comecei a ser reconhecido e visto de outra forma. É um efeito dominó. Um bocado longo, porque já começou há muito tempo, mas peças vão caindo devagarinho, por vezes, e agora mais rápido. Ter uma voz que todos reconhecem ajuda, mas tudo ajuda.

Porque não cantas em português nos Black Mamba? A língua portuguesa não joga com a música anglo-saxónica de que falavas?
A opção por cantar inglês não foi premeditada. Aconteceu naturalmente. Começámos por ser uma banda de versões, que tocava nos bares do Bairro Alto, em Lisboa. E cantávamos músicas dos nossos ídolos: Stevie Wonder, James Brown, Sly & the Family Stone, Kool & the Gang, tudo em inglês. São estilos com pouca representatividade em português, ainda que tenhamos nomes como os Cool Hipnoise, HMB, Expensive Soul. O primeiro disco do Pedro Abrunhosa também toca nestes estilos. Mas são muito poucas as amostras deste tipo de música cantadas com as fonéticas da nossa língua. Eu tenho coisas de funk e soul em português, atenção. Por isso, mais tarde, já de forma premeditada e quando quis fazer o meu trabalho a solo, acabei por escrever na nossa língua. O português acabou por ser a barreira que divide os dois projetos, é uma coisa bastante clara para os mais distraídos.
Mas são projetos bastante distintos musicalmente.
Sim, mas a maior parte das pessoas é suficientemente distraída para não perceber. Todos os dias tenho pessoas a pedirem-me para cantar a música Alfaiate quando estou com os Black Mamba, ou Love is On my Side quando estou a solo. Para o meu projeto a solo, em português, já tenho muito histórico: Sérgio Godinho, Rui Veloso, Jorge Palma, João Gil, Zeca Afonso, Fausto. São músicas que vêm do folk americano, do rock n’roll, mas que são cantadas em português, com fonética portuguesa.
Não é normal, na música portuguesa, termos um músico a dominar dois tipos tão diferentes de música.
Estou habituado a tudo. Os meus pais eram muito ecléticos na música que ouviam e eu gosto de compor em estilos diferentes. Adoro reggae, comecei por aqui. Adoro música popular. Agora comecei a gostar de música popular de baile.
De baile?
Sim. Aquilo é uma música que faz toda a gente sentir-se bem. Nos Santos Populares, todos se divertem. Os balanços são bem tocados, as letras são super bem feitas, picantes, que dizem tudo mas não dizem nada. Quim Barreiros é um mestre nisso. É genial. Tenho uma quinta de casamentos perto de casa e um dia cheguei às 4 da manhã, sentei-me e estava a dar aquela música [começa a cantar]: “Aperta, aperta com ela.” É tudo bem feito, a letra e tudo. Leva-me a imaginar a situação: todos à porta da igreja, a festinha ali, até o padre ajudou… comecei a gostar disso muito recentemente. E gosto de tudo. Se o Emanuel ou o Toy me convidarem para fazer música, vou. Se tirarmos os preconceitos, é só música. É mais simples do que parece.
Vês os Black Mamba evoluírem para outro registo musical? Outros instrumentos, outros arranjos.
Somos pessoas muito abertas e ecléticas. Só o tempo o dirá. O que fizemos neste álbum foi o que sentimos no final do Festival da Canção: euforia. Nessa altura, estávamos a ouvir Johnny “Guitar” Watson. O que estaremos a sentir quando começarmos a compor o próximo álbum? Será esse o mote.
Música de baile?
[Risos]. Não, não. Não dá para este projeto. Mas quem sabe se um dia vou virar para esse lado.

Escrever o que não se sente
Existe alguma música que consideres especialmente pessoal ou autobiográfica?
Tenho várias. Muitas, na verdade. Estou a lembrar-me de It Ain’t you.
É mais fácil, no início da carreira, escreveres sobre ti e o modo como olhas para o mundo?
A escrita advém muito do estado de espírito. Quando somos jovens, por vezes cometemos muitos erros. Arrependemo-nos e ficamos com peso na consciência. Normalmente, estas sensações são bons triggers para canções.
O arrependimento, o desamor.
Sim, esse tipo de coisas. Os amores e desamores são, provavelmente, os temas mais escolhidos para músicas. A soul tem muito amor. Muito nastiness. Esses temas estão sempre presentes na escrita. Neste disco, as letras contam uma história. É um disco conceptual, onde escrevi coisas que não estava a sentir. Tive que imaginá-las para fazer a recriação de um universo na cabeça, passá-lo para palavras e encaixá-lo nos instrumentais que fazíamos.
O poeta é um fingidor, como diz Fernando Pessoa.
A arte não tem limites. Se quiseres falar de uma coisa literal, verdadeira, ou inventar uma coisa que é mentira, fazer uma história qualquer, tudo é válido. Desde que seja sincero.
Há canções como Hotel California, dos Eagles, ou You’re So Vain, da Carly Simon, que ganharam uma dimensão extra por causa das histórias que circulam à volta delas. Estás a referir-te a este tipo de canções?
Sim, sim, falo dos rumores criados à volta da canção. E às vezes acontecem coisas engraçadas: fico a pensar que podem ter um segundo significado. Por exemplo, todos os Fernandos que se acham malucos pensam que Crazy Nando é sobre eles [risos]. E há significados que as músicas podem adquirir mais tarde, até para as pessoas que as escrevem.

Quais os momentos mais difíceis que enfrentaste na indústria musical e como os superaste?
O momento mais difícil foi a separação da banda original. Éramos três e havia uma pessoa, que era muito querida para mim e continua a ser importante no meu trajeto enquanto músico e artista, que saiu. Foi uma chatice muito pesada e que meteu advogados. É uma realidade pouco normal no nosso meio, que é mais tranquilo e somos todos porreiros. Foi uma separação muito dura e em litígio total. Tínhamos uma relação muito querida e especial com o fundador da banda.
Como lidas com as críticas à tua música?
Dou-te um exemplo: quando nos submetemos ao escrutínio do Festival da Canção, e depois da Eurovisão, é uma enxurrada de ódio nas redes sociais. As pessoas vão comentar os artistas que não gostam, mas de uma forma muito agressiva. As músicas foram conhecidas antes sequer de entrarmos em palco, e isto começa logo no YouTube. Ao início, magoa. Felizmente, a equipa de produção da RTP avisou-nos atempadamente e protegeu-nos. No início, queremos saber se as pessoas gostam da nossa música e depois apanhamos stickadas à séria.
Como sobes a um palco depois disso?
Não tem a ver com o palco, mas ficamos a duvidar de nós próprios. A partir do momento em que ganhámos e fomos para a Eurovisão, superámos o desafio e nunca mais pensei nisso. Agora, rio-me. Mas antes, abalou-me.
Costumas googlar-te?
Não, não. Nem pensar. Há coisas incríveis, insultos do pior que há. Quanto mais reconhecido e famoso, mais inveja as pessoas têm. Lembro-me da Carolina Deslandes me mostrar comentários absolutamente inacreditáveis. Algumas pessoas vivem vidas que não queriam ter, têm trabalhos que não queriam ter, é uma frustração a vida inteira. E depois quando veem que as outras pessoas conseguem realizar os seus sonhos… Há pessoas que não tiveram oportunidades, ou não lutaram o suficiente, ou não tiveram talento. É normal.
Como lidas com a pressão de teres de criar sucessos constantes?
Nunca o fiz. Por exemplo, este álbum [ndr: Last Night in Amsterdam, 2024] não vai correr bem em termos de sucessos. Quando o comecei a fazer já sabia que não era para o mercado português nem para o estereótipo de rádio portuguesa.
Mas sabias fazer sucessos, se quisesses.
Se quisesse. Fiz Love is On My Side para competir e ganhar o Festival da Canção. É uma música mais direta. Mas isto não é assim, junta-se um mais um e é um sucesso. Se assim fosse, todos replicavam a mesma fórmula.
Não é uma obsessão.
Não vivo obcecado por sucessos e não quero fazer dois, três, Love is on My Side, aproveitar a exposição e o engagement para continuar a fazer o mesmo. Fomos para o caminho oposto, para Crazy Nando e outras músicas de 7 minutos, que não têm nada a ver. Aproveitei a nossa exposição para mostrar um lado ao qual as pessoas, normalmente, não têm acesso porque só conhecem as músicas famosas, os hits. “Ai adoro os Black Mamba.” Mas só conhecem uma ou duas músicas. Sabemos que temos de ter uma música da rádio para alavancar o álbum, mas não tenho qualquer tipo de obsessão.
Como é que uma editora, em 2024, olha para uma música de 7 minutos?
Não olha. Por isso é que não tenho editora. Temos uma edição de autor com a nossa agência, Sons em Trânsito, e a distribuição de uma editora maior.

Que compositor gostarias que fizesse músicas e letras, ou ambos, para ti?
O [Miguel] Pombinho, nosso teclista, que já fez músicas comigo. Fez A Minha Aldeia e De Alma Despida [do álbum Pouco Barulho, de 2019]. Vou-lhe pedir uma musiquinha para o meu próximo disco.
A tua carreira a solo ficou em suspenso. Pensas retomá-la em breve?
Penso em ter uma presença mais assídua no estrangeiro, promover este álbum em Portugal e depois logo se vê. Tenho muitas músicas paradas desde os tempos da pandemia, outras estão na minha cabeça, outras no Dictafone e outras ainda não sei bem onde. Tenho que as meter cá fora, eventualmente. Quando fizer a descompressão, vou sentar-me novamente no estúdio.
Tatanka e o dinheiro
Desde quando consegues ganhar dinheiro com a música?
Foi em 2011. Toquei com o Richie Campbell desde o primeiro dia em que ele se lançou a solo. Era um projeto novo, mas começámos a fazer concertos grandes e foi aí que recebi os primeiros cachets. Foi também nesse ano que os Black Mamba começaram a tocar em bares e tornei-me financeiramente independente.
Já disseste publicamente que ser pai mudou a tua vida. Não só a rotina, mas acredito que também a parte financeira. Começaste a poupar mais?
Eu não poupo nada porque invisto tudo em equipamento. A minha irmã é que gere tudo, inclusive a minha poupança Montepio.
Mas investir também é uma forma de poupar.
Eu sei. E até compro instrumentos clássicos e sei que estão todos a valorizar. Se um dia os meus filhos quiserem vender estes instrumentos, têm uma fortuna. Mas a minha mudança de mindset financeiro foi mais na organização da minha maneira de ver as coisas. Hoje sou sustentável, mas dantes era chapa ganha, chapa gasta. Era só tocar, siga a marinha e gastar o dinheiro. Quando fui pai tive de pensar no futuro, olhar para o que faço como um negócio. Não me fez poupar dinheiro, mas mudar o mindset em relação à minha atividade.
A vida de músico é muito incerta. O que fazes, financeiramente, para contornar esta incerteza.
O que fiz foi pedir à minha irmã para gerir todo o meu dinheiro. Eu não o faço [risos]. Ela organiza tudo e preciso mesmo da ajuda dela. Não sei quanto tenho e não faço ideia se gastei mil ou dois mil.

10 perguntas-relâmpago a Tatanka
1. O que fazes quando passa uma música tua na rádio?
Fico contente.
2. Que música ouvias quando eras criança?
A minha primeira paixão foram os The Doors.
3. Qual é a pergunta que mais te fazem nas entrevistas?
É uma muito chata: de onde vem o nome Tatanka? Já não tem muito interesse.
4. Qual foi o primeiro álbum que compraste com o teu dinheiro?
Lembro-me que os primeiros discos que pedi foram dos The Doors, há 30 e tal anos. Tenho uma coletânea de seis discos de vinil.
5. Lembras-te do primeiro autógrafo que deste?
Errrrr, não.
6. Se pudesses fazer um dueto com qualquer artista mundial, com quem seria e porquê?
Bob Marley, Prince, Stevie Wonder e Frank Zappa. No ano passado, encontrei o Stevie Wonder numa esquina de Los Angeles, numa feira de música. Foi engraçado.
7. Que objeto tem de ir sempre contigo para todo o lado?
Infelizmente, é o telemóvel… É onde estão os cartões, os Ubers e tudo o resto.
8. Qual o local para onde tens sempre de voltar?
Vila de Sintra, onde nasci e cresci. Infelizmente, não consigo voltar tanto como gostaria.
9. Qual a canção mais blues de sempre?
Hoochie Coochie Man, de Muddy Waters. [Começa a cantar]: “The gipsy woman told my mother before I was born.”
10. Qual foi a última pessoa que te mandou fazer Pouco Barulho e porquê?
A minha mulher, no outro dia. A Helena [ndr: filha mais velha de Tatanka] estava a gritar e eu a cantar. Mas é recíproco quando os miúdos estão todos em casa.