Os genes explicam o sucesso no desporto?

Os genes explicam o sucesso no desporto?
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Fotografia de Rodrigo Cabrita
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ostuma dizer-se que filho de peixe sabe nadar. No desporto, esta máxima é elevada a lei. São inúmeras as dinastias de avós, pais e filhos que imperam em determinada modalidade. Especialistas em saúde e desportistas descodificam se o sucesso no desporto é genético e revelam algumas dicas para que uma criança, por exemplo o seu filho ou neto, pratique uma atividade física com prazer.

“Sou o típico ‘gajo da bola’, que estava sempre a jogar e cresceu com o sonho de ser jogador de futebol”, confessa André Águas. O ex-atleta lembra-se bem da primeira vez que foi a um treino de futebol “a sério”. Levado pela mão do seu avô, chegou às escolas de futebol do Benfica para finalmente cumprir o seu sonho. No entanto, ao entrar no balneário para se equipar, tudo se alterou quando começou a ouvir que só estava ali por causa do apelido. É que André é neto de José Águas, bicampeão europeu pelo Benfica, e filho de Rui Águas, que jogou no Benfica e FC Porto e foi o melhor marcador do Campeonato Nacional de Futebol em 1991. “Ainda não tinha posto um pé no relvado e já recebera um rótulo”, confessa. “Tinha algum talento, era melhor do que a maioria dos miúdos com quem jogava. Sou bom de cabeça e tenho um remate razoável. Apesar de não ser muito rápido, ou dono de uma técnica extraordinária, tinha um conjunto de características que me faziam sobressair. Acho que sou parecido com o meu pai.” Mas será que isso era suficiente?

São muitos os exemplos de filhos que seguem as pisadas dos pais no desporto. Por um lado, parece haver uma propensão genética que apura uma pessoa para a prática de determinada modalidade. Mas, por outro, acaba por ser uma coincidência: de tanto ver a mãe ou o pai a praticar o mesmo desporto, é natural que o filho queira pegar numa raquete, calçar uns patins ou mergulhar numa piscina.

É o caso da família de Inês Cavalleri, que se confunde com a história do judo em Portugal. “Somos sete irmãos e os meus pais queriam que os filhos gastassem a sua energia. Então, os mais velhos começaram a praticar judo e criou-se uma tradição familiar. Passámos todos pelo judo e cinco de nós praticaram a modalidade de forma competitiva. Eu comecei logo aos 3 anos e nunca tive dúvidas: decidi ficar neste desporto”, explica. A irmã, Filipa, participou três vezes nos Jogos Olímpicos, e entre os irmãos contam-se dezenas de medalhas em competições nacionais e internacionais. Hoje, Inês é treinadora na Escola dos Judokinhas, um projeto fundado pela irmã Filipa e por Renato Kobayashi, filho do mestre Kobayashi, considerado o “pai do judo em Portugal” e que conta com mais de seis centenas de praticantes em onze escolas.

“Acredito que temos características genéticas que ajudam a explicar esta apetência. Somos robustos, temos muita força, e isso é importante nesta modalidade. Mas esta herança genética vai além das características físicas. Somos muito competitivos e temos uma autoestima que nos permite ter sucesso numa modalidade em que a componente emocional é um fator de sucesso ou insucesso”, explica.

Tomás, Carminho e Inês. Na família Cavalleri, o desporto está nos genes, mas em modalidades diferentes

A importância de ter cabeça

Há situações em que a cabeça manda mais do que as características físicas. “Acho que tenho algumas características semelhantes às do meu pai e do meu avô. Mas quando o jogo era a sério, bloqueava”, assume André Águas. “Foi muito difícil lidar com a pressão e fui-me escondendo. Passei a ter medo da bola, de decidir, de mostrar-me. Quando entrava em campo, via toda a gente a observar-me e as coisas não me saiam. Passei do Benfica para o Estoril e, mesmo no Estoril, continuava na mesma. Fora dos jogos profissionais dava espetáculo. Quando era a sério, não conseguia ter rendimento ou foco.”

A ciência médica e desportiva dá cada vez mais importância à componente mental dos atletas. Simone Biles, provavelmente a melhor ginasta de sempre, abandonou o tapete, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, para tratar da sua saúde mental. “Sentia o peso do mundo sobre os meus ombros”, afirmou na sua conta de Instagram. Se fosse um músculo rasgado ou uma fratura óssea receberia a compreensão geral. Assim, a sua decisão foi desvalorizada por muitos adeptos. No entanto, houvesse uma maior atenção aos desafios psicológicos e à pressão com que os atletas têm de se confrontar e Portugal contaria com um dos melhores atletas de sempre, Fernando Mamede. Ficou célebre, por exemplo, a incapacidade do atleta de Beja para repetir, nos grandes palcos como os dos Jogos Olímpicos ou Campeonato do Mundo de Atletismo, as grandes performances que acumulava em provas com menor pressão.

Qualquer atleta de topo dirá que, além das características físicas, a cabeça conta muito. E por cabeça querem dizer ética no trabalho, foco, resiliência, capacidade de sacrifício e disciplina irrepreensível. “Trabalho na formação de pequenos judocas. É o que mais gosto de treinar. E consigo antever quem tem mais hipóteses de sucesso desde novo. Há, de facto, certas características que indicam o sucesso. Percebemos quem pode ter continuidade no desporto se continuar a trabalhar. Mas ter sucesso e fazer desporto são coisas diferentes. Um treinador tem de trabalhar com todos os atletas de acordo com a sua capacidade e estimular-lhes a autoestima e o seu desenvolvimento”, esclarece Inês Cavalleri.

Os genes explicam parte, mas não tudo

Mente sã em corpo são, diz o adágio clássico atribuído ao poeta romano Juvenal. Desde sempre que se procurou descobrir a fórmula secreta para o desportista perfeito. Os Jogos Olímpicos da Antiguidade celebravam esses atletas oferecendo-lhes coroas de louro, o presente destinado aos deuses. Mas como se caracterizam estes heróis?

Cada modalidade privilegia diferentes atributos. Se no râguebi a força e velocidade linear são relevantes, no atletismo de fundo destaca-se a resistência. Até no mesmo desporto podem concorrer físicos ideais diferentes, consoante as posições e funções em campo. Se assim não fosse, como é que os 1,88 metros de Stephen Curry poderiam competir com os 2,06 metros de Blake Griffin? Ambos foram rookies da NBA em 2009, sendo Griffin a escolha número um e Curry a nona, tendo sido várias vezes chamados ao jogo All Star, que reúne os melhores do campeonato. No entanto, Curry marcou mais 5 000 pontos que Griffin ao longo da sua carreira.

O primeiro sequenciamento do genoma humano foi concluído em 2003. Esta data é um marco na ciência e originou um crescimento em várias áreas do saber relacionadas com a investigação genética. O desporto de alto nível não foi exceção. Clubes, federações e treinadores fazem, hoje em dia, análises ao ADN dos seus atletas. O objetivo é descobrir as características que os conduzem ao sucesso e potenciá-las. A norte-americana Major League of Baseball ou os clubes de futebol da Premier League, em Inglaterra, há mais de uma década que mapeiam jovens talentos para encontrarem aqueles que demonstram maior potencial. O que antes era feito pelos olheiros e treinadores, cavalgando o seu instinto e experiência, é agora apoiado por dados fornecidos por cientistas.

Mas será que os marcadores de proteínas são a última verdade no desporto? Em 1985, Rocky IV invadiu as salas de cinema do mundo ocidental. Além de ser uma evidente ação de marketing político, típica do final da Guerra Fria, o filme que notabilizou Sylvester Stallone colocava em confronto dois conceitos diferentes de atletas. De calções encarnados estava Ivan Drago, um produto de laboratório. Construído quase como se fosse um robô, em edifícios governamentais de Moscovo, as suas caraterísticas físicas e a aptidão para o combate foram concebidas por cientistas e máquinas de última geração. No outro canto, vestindo calções azuis, estava Rocky Balboa. Preparou-se correndo nas ruas de Filadélfia, a cortar lenha e recorrendo aos ensinamentos empíricos de treinadores sem doutoramentos mas com “olho” para o boxe.

“A hereditariedade genética é a informação constante no ADN e que nos é transmitida pelos pais biológicos. É o chamado genótipo, a marca dos nossos genes”, explica Maria João Sá, médica especialista em Medicina Desportiva no Instituto CUF Porto. “Um fenótipo é a manifestação desses genes acrescida da sua interação com o meio ambiente.” Confuso? Maria João Sá explica. “Eu nasço em Portugal, de pais portugueses, com os genes dos meus pais. Se for para o Japão, viver com outra família, sem interação com os meus pais biológicos, a minha vida, personalidade e corpo vão ser diferentes. O meio ambiente é uma influência determinante para as pessoas em geral e os desportistas em particular. Diria que mais influente do que os genes”, continua a especialista da CUF, entidade parceira da Associação Mutualista Montepio.

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O que faz um bom desportista?

A prática desportiva é um hábito e um gosto que se alimenta. Para Maria João Sá, o desporto tem de fazer parte da rotina. “É como a alimentação. Se a sopa e a fruta fizerem parte da rotina familiar, a probabilidade de uma criança vir a gostar de sopa e fruta é muito maior. Se os meus pais fizerem exercício e a família estiver habituada a fazer da atividade física um momento de diversão, alimentando esses contextos sociais, a criança vai querer fazer desporto”, explica a profissional.

Maria João Sá também aconselha os futuros pais a incluírem a atividade física na sua rotina. “Isso também é preparação para a parentalidade. Em vez de empurrarmos um filho para um desporto, devemos habituá-lo a ter atividade física: correr, saltar, o básico.” Depois disso, as sessões podem aumentar de intensidade. “Fazemos corridas, andamos de bicicleta. Só numa terceira fase é que devemos acrescentar a prática de uma modalidade desportiva. Começar por aqui é começar pelo fim, até porque há competências e rotinas que não foram adquiridas.”

Inês Cavalleri concorda: “Mais do que ser-se bom num desporto, o que interessa é fazer uma atividade física. Eu percebo quando um miúdo de 3 anos está habituado a brincar na rua ou no parque. Se ele consegue subir instintivamente a um espaldar é porque está habituado. Esses hábitos têm mais influência que os genes para o sucesso no desporto”, revela a professora de judo.

Filho de peixe sabe nadar, e filha de judoca sabe combater. No entanto, isso deve-se a um conjunto de características físicas, mentais e ambientais. O equilíbrio faz um bom ginasta, a altura ajuda no voleibol. Mas a concentração é muito importante num xadrezista e a criatividade pode levar futebolistas como Lionel Messi ao topo. Por fim, a proximidade com o mar revela talentos na vela, e viver na montanha aumenta a probabilidade de se ser um bom esquiador. “Ser alto predispõe-me para uma modalidade, mas nem todas as pessoas altas são, necessariamente, boas no basquetebol. Os genes ajudam, mas talvez das formas menos evidentes. Pela investigação genética conseguimos identificar quem tem menor propensão a sofrer lesões graves. E esse fator está identificado como contributo de sucesso para uma carreira desportiva. Nesse sentido, os genes condicionam mas não são uma sentença”, explica Maria João Sá.

“A atividade física também é preparação para a parentalidade. Em vez de empurrarmos um filho para um desporto, devemos habituá-lo a ter atividade física: correr, saltar, o básico”

Maria João Sá, médica especialista em Medicina Desportiva no Instituto CUF Porto

A médica alerta ainda para o risco da especialização precoce. “Uma criança de 8 anos só deve praticar uma modalidade durante oito meses do ano. No verão ou no Natal deve procurar fazer outras coisas, para haver um equilíbrio no seu desenvolvimento. As lesões de sobrecarga, as muitas horas de treino, tantas vezes incompatíveis com o horário da escola, do sono e da socialização, são de evitar. Até porque estes componentes são muito importantes nestas idades. Temos de estar sempre alerta na avaliação da especialização precoce. É preciso monitorizar a atividade para que o crescimento de uma criança ou jovem seja saudável”, realça.

Afinal, porque se faz desporto? Para ganhar medalhas ou para ser feliz? Em Portugal, há mais de meio milhão de atletas federados. Quantos destes serão campeões nacionais? Quase todos fazem-no porque amam uma modalidade, mesmo que não vençam todos os jogos. “Que seja a criança ou o jovem a escolher a sua modalidade. Devemos deixar a criança experimentar até encontrar o que a faz feliz”, refere Maria João Sá.

“Os meus filhos praticaram judo”, conta Inês Cavalleri. “O Tomás, por exemplo, ganhou os três primeiros combates ao fim de dez segundos. Pensei: ‘Uau!, tem imenso jeito.’ Estava toda contente e orgulhosa. E, depois, ele quis jogar futebol e eu tive de aceitar. Não posso confundir o meu percurso com o dele. A Carminho fez ginástica, natação sincronizada e agora é recordista de salto em altura”, afirma a treinadora.

Os melhores anos como futebolista de André Águas foram na Associação Desportiva Oeiras, onde jogou como amador. “Tinha decidido que a minha carreira não iria ser o futebol e isso tirou-me a pressão de cima. Foi onde fui mais feliz e joguei melhor”, explica. Ele agradece, contudo, tudo o que o desporto lhe proporcionou. “Ganhei outro foco e descobri cedo o que queria fazer na vida. Como sempre gostei de ler e escrever, acabei por me concentrar em estudar e seguir Humanidades. Hoje sou copywriter numa agência de publicidade e gosto muito do que faço. Olho para trás e estou contente por não ter sido jogador. Se tivesse seguido essa carreira, nunca estaria onde estou hoje e com quem estou. Estou muito feliz com a minha vida”, conclui.

A Revista Montepio digital agradece ao Clube Desportivo Paço de Arcos a disponibilidade para realizar a sessão fotográfica no seu pavilhão desportivo.

Uma Associação vocacionada para o desporto e o bem-estar

Os associados Montepio de todas as idades beneficiam de uma vasta oferta de atividades ligadas ao desporto e bem-estar. Os mais jovens, até aos 10 anos, ao tornarem-se sócios do Clube Pelicas podem participar em corridas, sessões de ioga e brincadeiras regulares. Beneficiam, ainda, de descontos em parceiros especializados em desporto e lazer. Para conhecê-los, basta aceder ao site montepio.org e pesquisar quais os clubes desportivos, ginásios, centros de atividades, academias e outras instituições e entidades que têm acordos com a Associação Mutualista Montepio.

Os genes explicam o sucesso no desporto? - Associação Mutualista Montepio

Os sócios do Clube Pelicas podem participar em corridas regulares, entre outras atividades desportivas

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