Como a guerra na Europa afetará os mais jovens?

Como a guerra na Europa afetará os mais jovens?
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Ilustração de Sérgio Veterano
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guerra na Europa e a relação tensa com outros Estados vai continuar a marcar a geopolítica nos próximos tempos, com implicações na economia, segurança e bem-estar das populações. Quais os principais desafios para a Europa e Portugal e como podem os jovens emergir como líderes inspiradores numa era de incerteza, desconfiança e instabilidade?

De todos os acontecimentos imprevisíveis que o ano de 2022 nos trouxe – e foram muitos – o regresso da guerra à Europa foi o mais marcante. A 24 de fevereiro de 2022, uma quinta-feira, os europeus acordaram com a invasão da Rússia à Ucrânia. “A guerra na Europa não começou a 24 de fevereiro de 2022, mas em 2014, com a anexação, por parte da Rússia, da Crimeia, e com o início da ocupação indireta de uma parte considerável da região do Donbass”, corrige-nos Alexandre Guerra, consultor de comunicação e co-apresentador do podcast Desordem Mundial.

À luz desta visão, talvez não fosse descabido pensar que o conflito militar entre russos e ucranianos escalasse, mais ano, menos ano, para outras partes do território. “Olhamos sempre para o imediato e nunca vemos o fio da história mais alargado”, continua o especialista em relações internacionais, que admite ser “muito difícil antever quando vai acabar o conflito”. “Não temos elementos que possam antecipar esse tipo de análise”, garante. “O que podemos dizer, porém, é que algum dia este conflito irá acabar ou desescalar. Pode encontrar-se uma forma de congelamento do conflito: não existe paz, mas há alguma estabilidade que permite [às populações] recuperarem uma certa vivência.”

Guerra tem “costas largas”, mas incerteza vai continuar

Se 2022 foi um ano complexo para os portugueses, 2023 não será mais fácil. “Estamos ainda longe de bater no fundo em relação à disrupção que a guerra provoca na nossa sociedade”, afirma Alexandre Guerra. No entanto, o consultor alerta que o conflito militar tem “costas largas” para as dinâmicas económicas que se vivem na Europa ou nos Estados Unidos. “É preciso notar que a inflação já vinha a subir de forma galopante antes da guerra”, esclarece. A guerra veio “acentuar” este momento e colocou duas questões económicas “importantes” que se colaram aos impactos da pandemia.

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“Por um lado, temos a questão dos cereais, visto que a Ucrânia é vista como o celeiro do mundo. Há também a questão dos fertilizantes, muito importante no sistema económico e alimentar”, explica Alexandre Guerra.

A outra questão tem como pano de fundo a dependência energética da Europa em relação à Rússia. “Esta questão traz consequências muito diretas ao estilo de vida do cidadão português, quer ao nível do gás natural quer do petróleo”, esclarece. E se os portugueses já sentem esta instabilidade nas faturas de energia, o cenário não mudará tão cedo. “Para já, este será o impacto mais direto que um português terá da guerra na Ucrânia.”

Um novo ciclo que se abre

Com a comunicação social atenta ao que se passa na Ucrânia e nos países vizinhos, como é que estes acontecimentos marcarão os mais jovens nas próximas décadas? Alexandre Guerra socorre-se da sua própria experiência enquanto adolescente para tentar responder à questão. “Alguns acontecimentos geopolíticos foram importantes na minha formação, na minha forma de ver o mundo. Lembro-me do final da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim… São episódios que nos fazem ver as coisas de outra maneira”, considera o especialista em Relações Internacionais.

Tal como aqueles acontecimentos contribuíram para o seu “espírito europeísta”, também as crianças e jovens que estejam a passar por um período complicado, entalados entre a pandemia e a guerra, podem alterar o modo como observam o mundo e se vêem a si próprios.

“Admito que sejam marcados por alguns receios e sombras na forma como [funciona] a ordem mundial e [como decorrem] as relações entre os estados”, ressalva, ainda assim, Alexandre Guerra.

A euforia acabou, venham os líderes inspiradores

Para os cidadãos que cresceram entre os anos de 1980 e 1990, como Alexandre, foram tempos de euforia e até de alguma prosperidade. E sobretudo de paz, uma benesse que os seus pais, os baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964], não puderam contemplar. Muitos deles, por exemplo, foram obrigados a lutar na Guerra Colonial.

A verdade é que 2022 foi um ponto de viragem e o futuro é incerto. “Admito que uma criança ou um jovem tenha algum pessimismo sobre o que é, por um lado, a evolução das relações internacionais e também a incapacidade do ser humano em colocar os interesses do mundo acima das suas ambições egoístas.”

Apesar do cenário adverso, há sempre uma luz ao fundo do túnel. A História está repleta de exemplos de pessoas que emergiram das crises e se tornaram influenciadoras da sua geração. Aliás, essa parece ser a tendência natural: nos momentos menos positivos, há sempre quem consiga dar a volta e ajudar outros a fazê-lo. Será esta, então, também uma época de líderes inspiradores? “Estamos a assistir à emergência de vozes muito fortes e muito jovens, e a Greta Thunberg é um exemplo disso – as questões ambientais são muito marcantes neste momento”, realça Alexandre Guerra.

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Se todos os tempos geram líderes fortes, Alexandre Guerra acredita que esta é a era dos líderes inspiradores. “Eu quero acreditar que é uma geração que, daqui a 20 ou 30 anos, terá líderes com capacidade de inspiração. Os jovens hoje em dia estão muito participativos e isso vê-se, por exemplo, nos movimentos ativistas pelo clima.”

O especialista em relações internacionais acredita que a próxima etapa passa por canalizar “a vontade, o arrojo e a capacidade de iniciativa e ação” destes jovens e encontrar medidas concretas que contribuam para uma sociedade mais sustentável, mais pacífica e estável. “Estas crianças e jovens podem ser líderes fortes e inspiradores, mas influenciados por uma conjuntura que os apanhou numa idade que é fortemente marcada por isso”, conclui.

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