Todos os meses, um milhão de pessoas ouvem músicas de Joaquim Ivandro Paulo, ou simplesmente Ivandro, no Spotify, tornando o artista luso-angolano um dos mais relevantes, em 2024, em Portugal. Horas antes de subir ao palco do festival Montepio às Vezes o Amor, em Braga, Ivandro falou com a revista Montepio sobre o sucesso repentino, lidar com a fama, bloqueios criativos e o que ainda está por vir.
Como é que alguém que não consegue chegar à fase final dos programas Ídolos e Got Talent acaba com um milhão de ouvintes mensais no Spotify?
Muito trabalho e acreditar imenso. A minha vida tem sido peculiar, quase feita para me motivar. Consegui ser back vocal do Bispo e, de repente, acompanho-o no melhor ano dele, quando lançou o NÓS2 (2018) e tocou por Portugal inteiro. Mas já gravava com amigos no meu quarto e um deles era o Julinho [KSD], que lançou músicas para o mundo. Estas pequenas coisas motivaram-me a acreditar que também podia fazer acontecer e provar um bocadinho do sabor do sucesso. Sem estes exemplos não sei se conseguiria ter seguido o meu caminho, são peças que se vão montando. Olho para trás e vejo que nunca me desmotivei, sabia que a minha altura ia chegar.
Disse a alguns amigos que te ia entrevistar e pedi para me ajudarem com perguntas. Todos disseram o mesmo: “Pergunta-lhe como se tem sucesso da noite para o dia.”
Sabes como se faz isso? Trabalhando muitos dias para ter sucesso. Há dez anos que trabalho para este sonho. Desde os 16 anos que me exponho, que partilho a minha música, e fui tentando perceber como ela poderia crescer. Entretanto, tive de ir trabalhar noutra coisa para investir nesta arte, porque no início a música não se alimenta a si própria. É complicado. Apesar de ter conseguido juntar algum dinheiro como back vocal do Bispo, de repente veio a pandemia e cortou-me as pernas. Investi até ao último cêntimo e saíram as músicas Moça e Lua. E finalmente deu certo.
O que fazias enquanto estavas a tentar singrar na música?
Servia à mesa em restaurantes, casamentos. Não a tempo inteiro, mas chamavam-me para ir ajudar. Conseguia ganhar algum dinheiro.
Frequentaste a universidade.
Sim, entrei na Escola Superior de Música do IPL (Instituto Politécnico de Lisboa) em 2018. Estudei Tecnologias da Música, para ser engenheiro de som, mas foi difícil conciliar as duas coisas. Não vou dizer que as coisas estavam perfeitas na faculdade, mas a música consumia cada vez mais do meu tempo e optei por desistir dos estudos. O meu plano A foi sempre a música. Já estava a ter os primeiros concertos, as coisas começaram a crescer e pensei que seria mais difícil voltar a criar aquele momento do que, eventualmente, regressar à faculdade. É algo que não se controla, o facto de as pessoas estarem atentas e a olhar para mim.
Se desperdiçasses a primeira oportunidade não sabias se terias uma segunda, é isso?
Exatamente. Se estudasse na faculdade, passava. Mas na música era diferente, mesmo que estudemos muito, ou que sejamos um grande músico, nem sempre conseguimos ter a sorte de sermos reconhecidos.
Com que idade percebeste que tinhas uma voz diferente da dos outros miúdos?
Quando comecei a fazer as primeiras covers, com 16 ou 17 anos. Pela atenção que as pessoas me davam e porque me pediam para cantar. Andava sempre com a minha guitarra e tocava um bocado na escola, no final das aulas.
Ivandro, o Trovador, apresenta-se
O teu novo álbum tem 21 músicas, sendo que 11 delas são duetos. Sentes-te mais confortável quando partilhas a música com outras pessoas?
Sim, pelo menos nesta primeira fase [da minha carreira]. Comecei como produtor, gravava outros músicos, escrevia para eles. Hoje ainda o faço, mas menos. Tenho temas que saíram em projetos de outros artistas, alguns deles até passam atualmente na rádio e fui eu que escrevi. Sinto-me confortável em estar desconfortável, por assim dizer. Gosto de me encaixar na musicalidade de quem chega. E olhar para o resultado final e sentir que consegui encontrar a minha música, apesar de estar num registo diferente.
É também a validação da tua arte? Por exemplo, neste álbum tens um dueto com o António Zambujo. Se ele aceitou este dueto está a validar o teu trabalho?
Sem dúvida. O António Zambujo é um senhor da música e o meu objetivo é que a perceção que tenho dele seja igual à que ele tem da minha música.
Já podemos dizer que Algueirão-Mem Martins tem uma cena musical? O que existe lá que não há noutros locais?
Sim, já podemos dizê-lo. Em Algueirão-Mem Martins temos muitos exemplos de pessoas que conseguiram fazer algo, pessoas para quem olhamos para cima e que queremos imitar: GROGNation, Bispo, Julinho [KSD], entre outros que demonstraram que a música não se ouve só no bairro, que sai para fora.
Se pudesses fazer um dueto com qualquer artista mundial, com quem seria e porquê?
É uma pergunta muito difícil [risos]. Diria o Seu Jorge, porque a música dele acompanha-me desde criança. A minha mãe limpava a casa a ouvir Seu Jorge e eu tive a oportunidade de o conhecer em Angola, por isso agora ficou ali aquele bichinho de ver se o destino nos junta, se acontece qualquer coisa.
Seu Jorge, que ficou mundialmente conhecido por fazer versões de músicas de David Bowie, é ele próprio um artista camaleónico. Vês-te a mudar o teu estilo de música?
Ainda não defini muito bem o meu estilo musical. No álbum Trovador tenho músicas afro, outras bossa nova, pop, R&B… estou a revisitar várias praias nas quais me sinto confortável. Quero, acima de tudo, que a música soe a Ivandro e tenha a minha mensagem. Só mais para a frente definirei a minha sonoridade.
REVISTA MONTEPIO
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As tuas músicas têm uma grande presença da guitarra, com sons diferentes, dissonantes. Ponderas trazer outros instrumentos musicais para a tua música?
Já tive essa discussão com o Frankie [o guitarrista FRANKIEONTHEGUITAR]. Não acredito que existam demasiados sons de guitarra ou de piano, tudo é música. O destino tem feito com que as músicas acompanhadas por guitarra sejam as que correm melhor. E não apenas para mim. Se olhares para os tops vais encontrar guitarras em muitas músicas, estamos nesse momento da história. No futuro, porém, terei outros instrumentos, com o tempo as pessoas vão ter oportunidade de ouvir essas músicas.
De onde vem a tua criatividade?
De experiências de vida, bons e maus momentos. Cada um tem algo para nos ensinar, porque é isso a vida. Aprendi que tenho de lidar com estes momentos, ao invés de tentar controlá-los. Não posso pensar: “Ah, se um dia fizesse isto conseguiria aquilo e a minha vida seria boa.” Esta introspeção, e esses pensamentos, acabam por se tornar músicas. A música Lua nasceu porque faltou algo por dizer numa conversa.
Recordas-te do processo criativo que deu origem a essa música?
Foi muito engraçado. O meu amigo [e guitarrista] Tadashi [Saito] tem um dom natural para a música, apesar de estar neste momento a estudar Direito porque quer ser advogado [risos]. O Tadashi foi ganhando interesse pela nossa música e começou a gravar guitarras no estúdio. Um dia, chego ao estúdio e ele toca a melodia da Lua. Eu viro-me e digo: “Pára, pára.” Peço-lhe para tocar outra vez e soube de imediato que tinha encontrado uma melodia incrível. Ele acabou de gravar e eu sentei-me logo no computador a produzir o instrumental. Juntei a percussão, a tonalidade para encaixar melhor a minha voz, e em pouco tempo tínhamos o instrumental da música feito.
Qual a tua reação quando a ouviste pela primeira vez?
Não consigo explicar, senti mesmo algo diferente. Fiz o refrão sem pensar, foi só falar. Estava a ouvir os meus pensamentos, as frases que ia dizer. Claro que o refrão não é assim tão complicado [risos]: “Eu vou levar-te à lua hoje.” Senti uma sensação de euforia a vir de dentro de mim, as palavras saíram e encaixaram tão bem. Naquele momento, estava a receber inspiração e a música saiu. Nesse dia foram feitos o refrão e o primeiro verso da música. O segundo verso foi feito mais tarde.
Quanto tempo demoraste a completar a música?
Duas semanas, até voltar a sentir a mesma inspiração e fazer o segundo verso. Não é que não o tivesse conseguido fazer antes, mas não estava a sentir a mesma coisa, mesmo estando bonito. Mandei a música à minha equipa, mas nem toda a gente gostou da segunda parte. Com o passar do tempo, entrou no ouvido e o público canta esse verso com força. E é um sucesso.
As músicas são todas fáceis de fazer quando as ouvimos. O pior é quando temos de as escrever.
É isso que estou a dizer. Estive duas semanas para escrever o segundo verso, havia um bloqueio criativo. Senti falta de alguma coisa e nem sabia o que era. Aí sim, foi difícil, o voltar a ligar-me com a sensação anterior.
Sentiste logo que tinhas uma canção poderosa?
Sim, imediatamente. Eu gosto de estabelecer o objetivo e imaginar que o consigo atingir. Acreditei que tinha uma boa música.
Quando percebeste que a tua carreira ia levantar voo? Qual foi o momento em que sentiste: wow, isto é mesmo a sério.
Quando lancei a música Essa Saia, com o Bispo. Todos procuramos a aprovação, é bom sabermos que as pessoas gostam da nossa música. Nunca tive haters, mas até então não tinha tido muita adesão. Sentia que tinha música boa mas nunca explodia, ficava sempre estagnada.
Qual a história dessa música?
Ele vinha de lançar a música NÓS2, que tinha sido enorme, e começou a trabalhar no novo álbum [Mais Antigo]. No período de um ano fizemos muita estrada, muitos concertos juntos, e ele olhou para essa música e disse: “Faz sentido no meu álbum, gostava de a lançar.” Eu estava a roer as unhas a pensar como as pessoas iriam reagir, porque havia um holofote gigante a apontar para ela. Quando a música saiu e explodiu, comecei a olhar a sério para o meu catálogo. Nessa altura já tinha escrito músicas como Imagina, por exemplo.
Numa das tuas músicas, cantas: Eu não falo muito / Agora tenho a fama e os seus atributos. Que atributos são esses?
Tudo o que vem com a fama. As pessoas gostarem de mim sem me conhecerem e o poder estar a viver da música.
As pessoas já te reconhecem na rua?
Sim, e sinto-me bem. Há dias em que as pessoas sentem que me conhecem e abordam-me de um modo mais efusivo e não sei o que devo fazer. Lembro-me de estar no aeroporto, a despedir-me da minha mãe, e alguém me dizer: “Vou para o trabalho, preciso mesmo de tirar uma foto contigo.” Nem sabia que resposta lhe haveria de dar.
E quem te conhece desde jovem como gere a tua fama?
Sempre tive a família por perto e não é por causa da fama que tenho mais pessoas ou amigos a virem ter comigo. Ficaram contentes por eu estar a viver um sonho.
As tuas músicas são românticas. És o artista ideal para o festival Montepio às Vezes o Amor?
Acredito que sim. E espero voltar para o ano.
10 perguntas-relâmpago a Ivandro
1. O que fazes quando passa uma música tua na rádio?
Sorrio, aumento o volume e canto.
2. Que música compuseste em menos tempo. Porquê?
A música Mais Velho, porque há muito que tinha aquela mensagem por dizer. Compus num dia, ouvi o instrumental e quase chorei.
3. Quem te deu o melhor conselho no mundo do espetáculo?
O Bispo. Disse-me para ter calma.
4. Qual é a pergunta que mais te fazem nas entrevistas?
Como é que lido com o facto de a minha vida ter mudado assim tão rápido.
5. Qual foi o primeiro álbum que compraste?
A banda sonora da Floribella.
6. Lembras-te do primeiro autógrafo que deste?
Sim. Não era famoso, mas já cantava. Foi na festa de final de ano da escola, cantei uma cover e uma rapariga pediu-me um autógrafo. Nunca mais a vi e espero que, se um dia a encontrar, ela fale comigo.
7. Preferes a noite ou o dia. Porquê?
Noite, porque quando tenho coisas por dizer, é nessa altura que penso nelas.
8. Que objeto tem de ir sempre contigo para todo o lado?
O telemóvel.
9. Se és o trovador, quem é a tua musa?
Joana.
10. O que te leva à lua?
Amor.
Quem é Ivandro?
Nasceu em Benguela, Angola, e foi para Algueirão-Mem Martins, no concelho de Sintra, com 3 anos. Começou a compor e a partilhar músicas em 2014, com 16 anos, inspirado pela cena musical daquela que, durante anos, foi a freguesia mais povoada de Portugal. Bispo, Julinho KSD ou GROGNation são alguns dos nomes que cita como influências, mas nos bairros de Algueirão-Mem Martins todos vão beber a todos.
O ano de 2019 é fundamental para Ivandro, que compõe, a meias com Bispo, o hit Essa Saia. A partir daqui sucedem-se os sucessos, mas é com Lua, de 2022, que se torna conhecido de lés a lés de Portugal. Foi o artista português mais ouvido no Spotify em 2022, e ganhou a Melhor Canção do Ano e Melhor Artista Masculino nos Prémios PLAY, em 2023.
Nesse ano, foi ainda convidado para ser um dos compositores do Festival da Canção. A música Povo, que compôs para o evento, ficou em 5º lugar.
Em 2024 lançou o álbum Trovador, que reúne 21 músicas compostas durante a última década.