uando somos jovens, a experiência dos nossos pais ajuda-nos a tomar boas decisões financeiras. Mas por vezes os papéis mudam. Como podemos saber que chegou a hora de gerir as finanças dos nossos pais, quais os conselhos para ter esta conversa e que decisões devemos tomar para maximizar as poupanças?
Aimee Guerra começou gradualmente a assumir as decisões financeiras da mãe. “Foi um processo muito orgânico”, explica a project manager de 40 anos. Mãe e filha sempre foram titulares das contas bancárias uma da outra, mas, quando aderiu ao homebanking, Aimee assumiu também os pagamentos das contas correntes por débito direto. Um dia, teve uma conversa sobre o que deveriam fazer com as poupanças da mãe. “Dinheiro parado é dinheiro perdido e nem toda a gente tem noção disso”, sublinha Aimee. Pesadas as várias opções, decidiram aforrar algum dinheiro. “O risco é baixo e as taxas muito simpáticas”, relata.
Ao assumir os destinos financeiros, Aimee teve em conta o perfil mais conservador da mãe, que foi administrativa e já está aposentada. “A minha mãe pertence a uma geração mais focada nos riscos que nos benefícios financeiros. O mindset está nas burlas de que ouve falar e não é tão virado para as oportunidades dos mercados”, esclarece a filha. Aimee sabia, por exemplo, que “ações não eram o investimento certo para ela”. Quando as notícias sobre taxas de juro favoráveis se multiplicaram, teve finalmente confiança para fazer essa escolha.
Com o seu próprio dinheiro, Aimee foi mais agressiva. Depois de investigar e analisar o mercado durante um ano, sentiu-se “capaz e apta a arriscar” algum do seu pecúlio em investimentos como criptomoedas – “um mercado mais volátil” – ou ETF – “que parecem mais interessantes, porque são conjuntos de ações de vários tipos de áreas e que ajudam a equilibrar a balança, mesmo que uma caia a outra sobe”, explica. “Mas não arrisco muito, faço uns testes”, refere a também Associada Montepio. “É importante a pessoa sentir-se confortável, correndo um risco que não atrapalhe a sua vida.”
Do equilíbrio à compreensão
No que à gestão das finanças diz respeito, como em tantas outras coisas na vida, existe um fosso geracional. “A geração mais velha é mais conservadora. Teve menos acesso ao dinheiro e tem mais enraizada a capacidade de poupança. São pessoas que passaram por épocas em que não sabiam o dia de amanhã. Têm sempre a ótica da poupança, de aforrar”, explica a especialista em finanças pessoais Bárbara Barroso. “É difícil alguém mais novo fazer ver aos pais outras formas de estar. E sente-se muito o choque geracional sempre que os filhos trazem uma visão diferente em relação ao dinheiro.”
Segundo Bárbara, que fundou o MoneyLab, um projeto de literacia financeira, em 2014, a estratégia seguida por Aimee Guerra foi a mais adequada: “Não nos devemos sobrepor à vontade dos pais”, diz. “As finanças chamam-se pessoais por algum motivo. O que serve para uma pessoa não serve para a outra.”
Ainda assim, Bárbara Barroso diz que é possível convencer os pais a arriscarem mais se esse for “um caminho que se vai fazendo, assumindo o risco lado a lado”. Ou seja, os filhos vão partilhando com os pais os resultados que têm com determinada decisão financeira que eles próprios tomaram.
Outro passo possível – e até desejável – é aprender através de fontes fidedignas. De acordo com Bárbara Barroso, a geração mais idosa tem dificuldade em acatar conselhos sobre mecanismos novos (a componente digital ou as criptomoedas) que não compreende. “Há uma mudança de paradigma que é mais fácil de absorver nas gerações mais jovens e difícil de entender nas gerações mais velhas”, explica.
“Não nos devemos sobrepor à vontade dos pais. As finanças chamam-se pessoais por algum motivo. O que serve para uma pessoa não serve para a outra”
A poupança não acaba perto da reforma
Bárbara Barroso tem visto chegar às suas formações muitos pais que levam os filhos, jovens de 18, 19 ou 20 anos. Mas também jovens adultos que levam os progenitores, de 50 e 60 anos. “É difícil, mas admiro esta geração que está predisposta a melhorar a sua literacia financeira.” Quando estes formandos, acima dos 55 anos, lhe dizem que já não têm tempo para melhorar a sua saúde financeira, quando lhes falta mais de uma década para a reforma, a especialista contraria-os. “À idade atual da reforma conseguimos acrescentar mais 15 a 20 anos de esperança média de vida, o que, em termos de investimentos, são décadas que nos permitem continuar a assumir algum risco”, exemplifica. E mesmo num produto de poupança é possível “fazer melhores escolhas”, que irão ser mais favoráveis.
Antecipar o futuro pode assumir outros contornos. A sociedade do advogado Ricardo Marques Candeias, por exemplo, está a definir o planeamento sucessório familiar de um empresário estrangeiro – “uma pessoa ainda nova” – com negócios em Portugal.
Estas decisões, por norma, ocorrem nas famílias com algum património, que definem em que termos será feita a divisão dos bens, quem será nomeado administrador – eventualmente, o membro da família que fica como gestor. Podem, se desejarem, organizar uma estratégia de gestão, com indicação dos valores a investir anualmente, por exemplo. Assim, caso se comecem a perder capacidades físicas e cognitivas, já existe um plano bem definido.
Saúde dos pais: 7 sinais a que deve estar atento
Nem sempre é fácil saber se chegou a altura de cuidar das finanças dos seus pais. Álvaro Ferreira, coordenador de psicologia do Hospital CUF Descobertas, enumera sete indícios de declínio cognitivo que devem ser valorizados atempadamente e levar à procura de especialistas.
- Falhas significativas de memória. Por exemplo, a repetição das mensagens, o esquecimento rápido de nova informação e a perda constante de objetos em casa.
- Alterações repentinas de humor: choro ou riso sem razão aparente.
- Reações agressivas não habituais.
- Ideias delirantes desfasadas da realidade. Por exemplo, ter ciúmes ou medo de ser roubado.
- Alterações graves do sono.
- Desorientação espacial, temporal e pessoal.
- Discurso incoerente.
E quando a saúde se deteriora?
Os sinais de envelhecimento foram-se acumulando. Um dia, Manuel, o pai de Hélia Condeça, perdeu-se enquanto conduzia na autoestrada e não sabia como chegar a casa. Certa vez, um vendedor ambulante convenceu-o a comprar, por 50 euros, dois relógios sem qualquer valor. “Quando foi detetado que o meu pai tinha epilepsia, começámos a tomar mais atenção. Ele já não conseguia dar seguimento às coisas”, conta a filha, de 51 anos.
Como a mulher, Maria José, aprendeu as primeiras letras já em adulta, Manuel foi quem sempre assumiu as contas da família, decidiu onde aplicar o dinheiro – em poupanças, sempre na mesma instituição –, comprou e arrendou algumas casas. À medida que os esquecimentos e reações menos ponderadas se tornaram mais frequentes, Hélia começou a acompanhar os pais aos fins de semana nas idas às compras. Depois, passou a ser ela a marcar o código do cartão multibanco dos pais para pagar. Quando as dificuldades de mobilidade de ambos tornaram penosa a ida ao supermercado, passou a ir sozinha.
Foi-se tornando evidente para ela e para o irmão, dez anos mais velho, que era necessário assumir algumas responsabilidades pelos pais. Conversaram com eles sobre o assunto, uma decisão que é encorajada pelo psicólogo Álvaro Ferreira: “A ajuda dos filhos e familiares próximos deve ser sempre gradual e de acordo com as necessidades específicas a cada momento dos pais. Além disso, deve ser bem explicada e adequada ao tipo de personalidade dos mesmos, fazendo-os sentir que o que se pretende é apoiar e permitindo o máximo de autonomia e colaboração possível.” Para o coordenador de psicologia do Hospital CUF Descobertas, a compreensão por parte dos pais sobre as suas próprias limitações, e em ter apoio face às necessidades diárias, “terão tanto mais resultado quanto mais percebam que não estão a ser tratados como incapazes, diminuídos nas suas decisões, mas amparados nas mesmas”.
“A ajuda dos filhos e familiares próximos deve ser sempre gradual e de acordo com as necessidades específicas a cada momento dos pais”
Protegidos pela lei
Em conjunto, Hélia, o irmão e os pais decidiram que também os filhos estariam autorizados a movimentar as contas bancárias. “Nós não fazíamos ideia de quanto eles tinham”, refere. E um notário averbou uma procuração que os autoriza a tratar de todos os assuntos, desde as rendas das casas que mantêm alugadas a tudo o que tenha a ver com as Finanças.
Ter uma procuração para tratar de assuntos financeiros ou legais dos pais é comum, refere o advogado Ricardo Marques Candeias: “O pai e a mãe estão conscientes e emitem uma procuração a favor do filho ou da filha para que assumam a gestão do seu património”, descreve. Mas existe uma “situação limite que tem aumentado”, alerta. Quando, devido a problemas de saúde, os progenitores já não conseguem tomar decisões, é necessário pedir-se o regime de Maior Acompanhado. Com o apoio de um advogado ou indo diretamente ao Ministério Público, que tem um impresso próprio disponível, solicita-se ao tribunal que seja nomeado alguém para tomar as decisões patrimoniais. Em Portugal, de acordo com o jornal Público, foram feitos 37 mil pedidos deste estatuto nos últimos cinco anos.
Este regime prevê que a própria pessoa, antecipadamente e prevendo a perda de capacidades, possa escolher o seu acompanhante. Mas também o Ministério Público, o cônjuge ou um parente podem realizar este pedido. Esta é uma medida que procura assegurar o bem-estar do maior em questão. O que significa, sublinha o advogado Ricardo Marques Candeias, que “aquilo que o representante decide – os atos de gestão – pode ser fiscalizado pelos herdeiros ou futuros herdeiros”.
“Não é por ter o poder de gestão do património que pode fazer o que entender, até porque pode ser afastado se gastar valores disparatados”, esclarece o advogado.
Também é Hélia quem agora gere meticulosamente as contas dos pais, desde as da farmácia (que são bastante altas), às despesas correntes (como água, luz, televisão por cabo) e o pagamento aos profissionais de saúde que, dia e noite, os acompanham. “Eles fizeram muito por nós, agora é a nossa vez de os ajudarmos”, explica.
A Revista Montepio agradece à Parques de Sintra a cedência dos jardins do Palácio Nacional de Queluz para a sessão fotográfica.
MONTEPIO POUPANÇA REFORMA
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Iliteracia digital: 3 cuidados que deve ter online
O cibercrime não escolhe a idade e ninguém está imune a ser burlado online. A verdade, porém, é que muitas das burlas e fraudes que existem nas plataformas digitais procuram a iliteracia dos mais velhos. Bárbara Barroso, especialista em finanças pessoais, elabora os três principais cuidados que deve ter quando acede à Internet.
- Tenha atenção às plataformas falsas que surgem mascaradas de corretoras. Se possível, não clique por impulso.
- Cuidado com os falsos “especialistas”. Procure fontes fidedignas, que estão presentes em órgãos de comunicação reconhecidos.
- Procure muita e boa informação. Oiça pessoas com visões diferentes antes de formar a sua opinião.