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Ainda temos elevador social em Portugal?

Ainda temos elevador social em Portugal?
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er acesso a programas de saúde, ensino e habitação de qualidade é essencial para que quem nasceu numa família com menos rendimentos possa progredir socialmente e viver uma vida melhor que a dos pais. É o chamado “elevador social”. Mas será que, à beira de 2025, o elevador está avariado?

“Os meus pais separaram-se e a minha mãe foi viver a cerca de hora e meia de distância da Universidade do Minho, onde eu estudo”, conta Taynara Pereira, estudante do mestrado em Genética Molecular naquela instituição de ensino superior. A partir desse momento, para chegar ao campus de Gualtar, em Braga, a jovem precisava de apanhar dois autocarros. “Por causa do trânsito caótico e da falta de resposta dos transportes públicos, acordava às seis da manhã para chegar a tempo à primeira aula do dia”, recorda. A solução foi viver na residência Montepio U Live de Braga, que fica a dez minutos da universidade, caminhando calmamente. “Fiquei com a vida muito mais facilitada.”

O que aconteceria se Taynara não conseguisse suportar o preço da residência? Teria de suportar uma viagem diária desgastante, o que poderia ter um impacto negativo nos estudos? Ou, no limite, poderia deixar os estudos superiores, como acontece a tantos colegas universitários?

Renato Miguel do Carmo, investigador do Observatório das Desigualdades do ISCTE e coautor do livro Os Jovens e o Trabalho em Portugal – Desigualdades, (Des)Proteção e Futuro, assume que, quando se trata de encontrar melhores condições de vida, Portugal ainda é uma sociedade dualista em evolução, usando a expressão cinquentenária do professor Sedas Nunes. “Quando apanhamos o elevador social não partimos do mesmo andar. A escolaridade dos pais e vir de uma periferia, seja da periferia de uma cidade ou de uma zona rural, são entraves para a educação e para o emprego. O mercado de trabalho aprofunda estas diferenças, seja na precariedade dos contratos, na remuneração ou no risco de desemprego. Quem parte de condições mais favoráveis, consegue melhores empregos.”

Ter acesso a cuidados de saúde, a um ensino de qualidade, habitação digna e um emprego estável é a pedra-de-toque para se ter uma vida digna. Garantir que os mais desfavorecidos possam entrar no “elevador social” e melhorar as suas condições de vida é uma das finalidades de uma sociedade. Assim, será que à beira de 2025 o elevador social em Portugal está a funcionar bem? Consegue levar-nos a todos sem se avariar? E qual é o papel do Montepio Associação Mutualista no complemento das políticas de proteção social, saúde e habitação do Estado?

“Quando apanhamos o elevador social não partimos do mesmo andar. A escolaridade dos pais e vir de uma periferia são entraves para a educação e para o emprego. Quem parte de condições mais favoráveis, consegue melhores empregos”

Renato Miguel do Carmo, investigador

Quem sobe também pode descer?

A expressão “elevador social” não tem um criador reconhecido como tal. É fruto de décadas de trabalho de sociólogos e economistas, que se debruçaram sobre a capacidade dos indivíduos ou grupos sociais melhorarem ou piorarem as suas condições de vida ao longo da vida. Renato Miguel do Carmo alerta para que este conceito é uma mera buzzword. “Não tem uma verdadeira correspondência académica. Se quisermos usar uma expressão com maior validade científica devíamos optar pela ‘mobilidade social’.” A expressão “elevador social” pode transmitir a ideia de que todos subimos na vida, e isso não é sempre verdade. É possível piorar as condições de vida de uma geração para outra.

De qualquer modo, o investigador assume que Portugal progrediu extraordinariamente nos últimos cinquenta anos. “Houve uma mobilidade social ascendente por causa do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da universalidade, da escola pública e do desenvolvimento da Segurança Social, que são pilares fundamentais da democracia e da sociedade.”

Estas conquistas permitem que alguns cidadãos os mais vulneráveis, desfavorecidos e que partem do rés do chão não sejam obrigados a subir dezenas de lanços de escadas a pé. Ao invés, disponibiliza-se um elevador que os ajuda a subirem e, se assim o desejarem, passarem pelo rooftop do arranha-céus que é a nossa sociedade. No fundo, garante-se que os andares de cima deixam de ter acesso reservado.

No entanto, quem sobe também pode descer por causa de mudanças no mercado de trabalho, das crises económicas e sociais ou até da alteração das políticas públicas. “Uma economia cresce todos os anos, mesmo que marginalmente, salvo situações excecionais, como uma guerra ou uma crise geracional. Assim, é possível, em teoria, ter um elevador social que só sobe e que leve todos consigo. Mas podemos pensar no elevador em termos relativos: como estou em relação aos outros? Para uns melhorarem a sua posição relativa, outros têm de ter uma subida menor”, afirma Susana Peralta, economista da Nova School of Business and Economics (SBE) e coautora do relatório Portugal e o elevador social: nascer pobre é uma fatalidade?

É a velha história da diferença entre igualdade e equidade. Dada a escassez de recursos disponíveis, devem apoiar-se os cidadãos em função das suas necessidades. Quem tem pulseira verde numa urgência será atendido depois de quem tem uma pulseira vermelha. Porquê? O segundo precisa de mais ajuda. Esta visão da sociedade assenta nos ideais republicanos: todos os cidadãos são iguais e, por isso, todos os cidadãos devem ter a mesma oportunidade de sucesso e de ter uma vida digna. O próprio Montepio Associação Mutualista teve esta visão na sua génese e mantém-na até hoje: todos tratam de todos o princípio do mutualismo , sendo os que mais precisam os mais apoiados.

REVISTA MONTEPIO

A educação precisa de habitação

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O elevador em Portugal

É evidente que Portugal tem feito progressos significativos nos principais indicadores económicos e sociais desde 1974. A revolução democrática trouxe reformas que criaram um grande impacto na educação, no emprego e no acesso aos cuidados de saúde.

O Global Social Mobility Index, do Fórum Económico Mundial, lança algumas pistas sobre o estado do elevador social português. Ocupamos o 24º lugar da classificação por países, mas alguns dados saltam à vista para se perceber o trabalho que já foi feito e o que ainda falta fazer. Estamos em primeiro lugar no mundo em aspetos como a inclusividade das instituições e o acesso à eletricidade nas populações rurais, por exemplo. Mas o nosso calcanhar de Aquiles encontra-se nas condições de trabalho. Ficamos de fora dos 50 primeiros quando se analisa a incidência de salários baixos na população empregada ou a taxa de desemprego entre trabalhadores com educação média e superior. E a nossa pior classificação regista-se na componente “Salário e Produtividade”: 61º lugar.

Estes estudos permitem-nos concluir que Portugal tem pouca mobilidade social. “Mas os resultados têm de ser analisados com cautela. Não dispomos de muitos dados para medir as coisas. Nos países nórdicos ou nos Estados Unidos, há bases de dados que datam de várias gerações. Nós somos obrigados a usar dados de forma indireta para deduzir conclusões, o que pode condicionar os resultados”, explica Susana Peralta.

“Tenho medo, tal como todos os jovens da minha idade. Tenho medo de dar passos atrás, da precarização do trabalho, de ser obrigada a voltar para casa dos pais”

Taynara Pereira, estudante da Universidade do Minho

A saúde está primeiro

Há uma anedota que deve ser contada no corredor de todos os congressos de estatística: se puser a mão direita numa panela de água a ferver e a mão esquerda num balde cheio de gelo tenho, em média, as mãos à temperatura ambiente.

Os números são números e têm que ser interpretados para se perceber a eficácia das políticas que procuram melhorar as condições de vida dos portugueses. O debate sobre o SNS centra-se sempre no modo como podemos melhorá-lo. Nunca sobre se deve, ou não, existir. Isso é uma prova do seu sucesso. De facto, em quarenta anos a esperança média de vida à nascença dos portugueses aumentou quase uma década, melhorando a nossa posição relativa dentro da União Europeia. A evolução da taxa de mortalidade infantil é dada como um dos maiores casos de sucesso da democracia. Em 2022, o SNS prestou quase 13 milhões de consultas.

Há um ditado segundo o qual podemos ter muitos problemas na vida. Mas se tivermos um problema de saúde, esse torna-se o único. A saúde está mesmo primeiro e o acesso a cuidados de saúde é o fator fundamental para garantir que todas as famílias têm lugar no nosso elevador. Prova disso é o sucesso do Plano Montepio Saúde, lançado em 2017 e gratuito para todos os associados Montepio. Em 2023, este plano exclusivo teve 249 mil utilizações, tendo proporcionado benefícios na ordem dos 7,4 milhões de euros aos associados Montepio – muitos deles não conseguiriam aceder às consultas, exames e outros atos médicos sem esta ajuda financeira. Assim, o desconto médio foi de 46% face às tabelas de preços dos hospitais e clínicas privadas.

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10 razões para utilizar o Plano Montepio Saúde

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Educação: o expoente máximo

A seguir vem a educação, assumida pelos académicos como o principal agente de mobilidade social. A taxa de alfabetização universalizou-se. O acesso ao ensino superior expandiu-se. No entanto, ter educação e ter educação de qualidade são coisas diferentes. Ainda há barreiras que impedem o acesso de todos à educação de qualidade.

“É impressionante ver famílias que, antes, não tinham diplomados e, agora, têm mestres e doutorados no seu seio. O Estado fez um investimento muito grande neste capítulo. Mas também foi feito um investimento muito grande pelas famílias. Perceberam que a educação e a escolaridade são o caminho para saírem da pobreza e terem uma mobilidade social ascendente. Inclusivamente com repercussões ao nível do género. As mulheres ainda estão em desvantagem em muitos campos, mas são maioritárias no ensino superior”, afirma Renato Miguel do Carmo.

Eduardo Marçal Grilo foi ministro da Educação na década de 1990. O livro que retrata a sua experiência governativa intitula-se Difícil é Sentá-los. Esta expressão surgiu numa visita a uma escola da linha de Sintra. Em conversa com uma professora, o ministro falou de pedagogia, de oportunidades e da importância da escola para o desenvolvimento das crianças. E perguntou quais eram os maiores desafios com que a professora se debatia. Ela respondeu-lhe que o difícil era sentá-los. Isto também quer dizer que não há uma escola, há muitas.

Num estudo de 2023, a Fundação Belmiro de Azevedo concluiu que o desempenho escolar é pior nos alunos de escalões socioeconómicos mais baixos. Esta desigualdade agrava-se nos municípios com elevada densidade populacional, menor estabilidade familiar e maior desemprego jovem. “A crise da escola pública é uma machadada no elevador social. Se temos falta de professores na escola pública, não há um passaporte para o elevador social. Quem tem dinheiro paga explicações ou coloca os filhos numa escola privada. Quem não tem, fica para trás”, refere Susana Peralta. E acrescenta: “O pré-escolar é fundamental para tirar as pessoas de situações de pobreza. Um dos grandes legados recentes foi a política de creches gratuitas. Este caminho tem sido árduo. A vida escolar das crianças só começava aos 6 anos quando devia começar aos três.”

“Se temos falta de professores na escola pública, não há um passaporte para o elevador social. Quem tem dinheiro paga explicações ou coloca os filhos numa escola privada. Quem não tem, fica para trás”

Susana Peralta, professora de Economia

A importância do trabalho

“Consegui uma bolsa de investigação para continuar a trabalhar na área da Genética Molecular ainda antes de terminar o mestrado”, revela Taynara Pereira. “Mas tenho medo, tal como todos os jovens da minha idade. Tenho medo de dar passos atrás, da precarização do trabalho, de não trabalhar na área em que estudei, de ser obrigada a voltar para casa dos pais.” A jovem usou esse medo para sair da sua zona de conforto e obrigar-se a procurar um trabalho. “Vejo muitos jovens a emigrarem. É pena porque a sociedade portuguesa gastou muito dinheiro a formá-los e eles acabam, legitimamente, por procurar outras oportunidades no estrangeiro.”

Susana Peralta não considera essa saída para o estrangeiro um mal: “A emigração permite melhorar a situação das pessoas. Portanto, também é um elevador social. Nos Estados Unidos, os jovens do Arkansas vão para a Califórnia e ninguém vê isso como um falhanço. Esta emigração é a consequência de sermos uma economia pequena e aberta num mercado único.” Renato Miguel do Carmo concorda que a emigração “é uma opção válida se não for uma inevitabilidade. Se for por falta de alternativa, é sinal de imobilidade social”. E acrescenta que é esta inevitabilidade que causa a perceção de que a nossa vida é mais dura do que no tempo dos nossos pais. “É uma perceção. A realidade e os números desmentem-no, mas não há confiança no futuro. A precariedade é um elemento fundamental para esta falta de confiança, com consequências do ponto de vista existencial. O emprego é muito rotativo, fragmentado. As pessoas têm trabalho mas a remuneração não aumenta e é incerta, gerando o desencanto com a vida.”

Desde a crise financeira da primeira década deste século que o mercado laboral entrou em convulsão. Surgiram plataformas que fomentam o trabalho freelance, como a Uber ou a Fiverr, e a institucionalização do trabalho não presencial, herdeiro do confinamento em tempos da pandemia. Mas com estas alterações também chegou uma diminuição da qualidade do emprego, no sentido de que este é mais precário e são menos os direitos garantidos.

Em 2023, a taxa de desemprego jovem situou-se nos 20,3%. Cerca de 33% dos trabalhadores tinham um contrato a termo. No entanto, considerando apenas os trabalhadores com menos de 25 anos, este número quase duplica: passa para 60%. Foi esta inconstância que levou 850 mil jovens a emigrarem desde 2001, como indica o Atlas da Emigração Portugal? Para Taynara Pereira, uma das formas de quebrar este ciclo vicioso é aumentar a oferta de estágios pagos. “É um passo intermédio entre a saída da universidade e a entrada no mercado de trabalho. E também faltam incentivos às empresas para contratarem recém-formados. Pedem quase sempre pessoas com anos de experiência. Se ninguém der oportunidades a um jovem, ele nunca vai ter a experiência necessária”, explica.

Além disso, a desigualdade de género continua a ser uma barreira à entrada nestes elevadores. As mulheres enfrentam desafios adicionais, como uma disparidade salarial injustificada, menor acesso a posições de liderança e responsabilidade desproporcional nos cuidados familiares. Estes fatores inibem as suas oportunidades e impedem-nas de terem uma mobilidade social ao mesmo ritmo da dos homens. É por isso que a sociedade deve nivelar o terreno de jogo, garantindo que todos tenham as mesmas oportunidades de progressão. Iniciativas como as entregas de bolsas de estudo ou programas de apoio ao empreendedorismo, que a Fundação Montepio desenvolve com frequência, sobretudo tendo como alvo grupos de risco ou desfavorecidos, são o carimbo no passaporte de que muitos necessitam.

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Mais casas, mais mobilidade

O acesso a uma habitação de qualidade é apontado como o principal desafio que a sociedade portuguesa terá de enfrentar nesta década. Os preços elevados face aos rendimentos médios, seja para a compra ou para o arrendamento, e a falta de casas disponíveis, fazem com que muitas famílias desesperem. Para os jovens, a situação ainda é mais complicada.

“O ambiente na residência Montepio U Live de Braga é muito bom, somos todas boas colegas. Ao almoço estamos na universidade, mas ao jantar fazemos por estar juntas. Às quartas-feiras, por exemplo, vemos sempre um filme. Deste modo é possível organizar a vida, poupar tempo, sem nos preocuparmos com problemas externos, como acontece com outros colegas”, conta a estudante de Genética Molecular, que assume que a habitação é uma preocupação para os estudantes deslocados. “Em Braga há colegas que vivem sem as condições mais básicas. A residência para estudantes Montepio U Live acaba por ser uma resposta ideal: há quartos ou residências que pedem o mesmo valor que nós pagamos sem terem o mínimo de condições.”

De acordo com os Censos da população, os valores das rendas aumentaram 42% na década entre 2011 e 2021. De então para cá, esta percentagem aumentou a uma média de 8,7% ao ano. Têm sido concebidas várias políticas públicas para responder a esta necessidade, mas com sucesso difuso. Talvez por tudo isso, os jovens portugueses estão em 9.º lugar entre os que saem de casa dos pais mais tarde. Em 2022, a idade média era de 29,7 anos, acima do valor europeu, de 26,4 anos. Na maior parte dos casos a explicação prende-se com a incapacidade em pagar uma casa própria.

Quem espera, desespera

Quem carrega no botão de subida do elevador está disposto a esperar. Mas não pode perder a esperança de que o elevador chegue e vá mesmo subir. “A juventude, de um modo geral e do meu ponto de vista, não está esperançosa. Há preocupações a mais e muito medo”, afirma Taynara Pereira. Susana Peralta, professora de Economia, põe água na fervura: “Quando entrámos na Comunidade Europeia, vínhamos de muito baixo. Agora, o custo de fazer saltos quânticos nos indicadores sociais é cada vez maior. Já há um SNS, direitos sindicais, investimento em educação. Já estamos em patamares mais compatíveis com a UE. Isso é bom, mas faz com que cada melhoria relevante seja mais difícil.”

O elevador social em Portugal continua a subir. O grande desafio é garantir que se desloca com mais velocidade e tem capacidade para cada vez mais pessoas. E, assim, impede-se que os portugueses se decidam a ir até ao prédio ao lado, apanhar um elevador que funciona melhor e os transporta até um andar superior, mais espaçoso e com melhor vista.

A que velocidade sobe o elevador?

Saúde

Esperança média de vida à nascença

1986: 72,9 anos (13º na UE)

2023: 81,2 anos (9º na UE)

 

Educação

População com mais de 18 anos que sabe ler e escrever

1981: 81,4%

2023: 96,9%

População entre os 25 e 34 anos com curso superior

2000: 17%

2023: 47%

 

Emprego

Valor do salário mínimo nacional

2000: 371€

2024: 820€

 

Habitação

Famílias que residem em casa própria

1980: 60%

2001: 76%

2023: 70%

 

Fonte: INE e Pordata

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