O que farei no primeiro dia do resto da minha vida?

O que farei no primeiro dia do resto da minha vida?
Fotografias de Bruno Barata e Matilde Cunha
J

á pensou no que fará quando abrir a porta de casa e não for necessário usar máscara? Muitos pensam em abraçar os netos, num jantar entre amigos, num fim de semana de sonho ou até, simplesmente, em caminhar entre a multidão, incógnito. Cinco portugueses imaginam a primeira coisa que farão após o dia I (de Imunidade) e como estão a gerir a sua vida até esse momento chegar.

Miguel Guedes, Porto

“Vou reconhecer caras que já não vejo há muito tempo, abraçar gente que quero abraçar há mais de um ano e restaurar, fisicamente, a dimensão dos afetos, que ficou intimamente guardada”

Miguel Guedes, músico

Esta pandemia é uma grande viagem para dentro e convoca uma quantidade enorme de reflexões sobre a nossa existência e o nosso lugar entre os nossos, aqueles a quem queremos bem, a família e amigos. É uma lição de humildade, de relatividade, e uma oportunidade de reconfiguração do modo como gerimos o nosso tempo e as nossas prioridades. O que vou fazer quando a pandemia terminar? Vou reconhecer caras que já não vejo há muito tempo, abraçar gente que quero abraçar há mais de um ano e restaurar, fisicamente, a dimensão dos afetos, que ficou intimamente guardada. A vida voltará ao tempo pré-pandemia? Os crimes prescrevem mas a memória não, e vamos ter sempre a memória da pandemia. Não uma memória que será residual, mas também não estará muito presente. Levaremos destes tempos um enorme desconforto e a sensação de que tudo pode virar num segundo.”

Sérgio Moura Afonso, Lisboa

“Em 25 anos de carreira nunca estive mais do que duas semanas parado. [Quando a pandemia acabar] quero combinar uma grande almoçarada, abraçar os meus amigos sem medos e sem máscaras. E depois será altura de voltar aos palcos”

Sérgio Moura Afonso, ator

“Os primeiros tempos ainda foram de esperança. Depois começámos a cancelar tudo. Da peça A Varanda, que é apoiada pela Associação Montepio, já deveríamos ter tido treze a catorze espetáculos; tivemos dois. Foi um grande rombo financeiro, porque os nossos salários vêm da bilheteira. E foi estranho: em 25 anos de carreira nunca estive mais do que duas semanas parado. Ainda assim, os artistas são sonhadores e não deixamos de arriscar. Não vamos baixar os braços. Temos muita vontade de voltar, a cultura é mesmo segura e é um bem valioso. E talvez a pandemia tenha tornado isso mais claro. Tento sempre ver o copo meio cheio. O que gostaria de fazer quando a pandemia terminar? Isto é duro. Perdi o meu pai e a minha sogra muito recentemente e o que gostaria mais era de poder estar com eles. Não sendo real, quero combinar uma grande almoçarada, abraçar os meus amigos sem medos e sem máscaras. E depois será altura de voltar aos palcos. Para A Varanda, a primeira data é 21 de maio, no Centro Cultural Olga Cadaval.”

Nídia Julião, Viana do Castelo

“Sinto falta de me sentir livre, acima de tudo. Tudo o que temos passado é uma lição de vida e tenho tentado aproveitar o tempo da melhor forma, o tempo que antes não tinha. Leio, ouço rádio, danço, faço aeróbica. Antes a casa era um lugar onde só entrava para dormir.”

Nídia Julião, chefe de cozinha

“Se a pandemia terminasse amanhã, fazia a mala e ia viajar. São muitos dias presa. Muitos dias de chuva, fechada em casa. Sinto falta das coisas simples: de passear, de me sentar numa esplanada, de tomar um café, assistir ao pôr do sol, aquele momento em que o dia vai ficando velho e amanhã há uma nova esperança. Sinto falta de me sentir livre, acima de tudo. Tudo o que temos passado é uma lição de vida e tenho tentado aproveitar o tempo da melhor forma, o tempo que antes não tinha. Leio, ouço rádio, danço, faço aeróbica. Antes a casa era um lugar onde só entrava para dormir. Agora já sei como é sentar-me à mesa da sala para almoçar. Não tinha frigorífico ou fogão, sequer. Pela primeira vez nos mais de 30 anos como cozinheira do [restaurante] Casa d’Armas, tive de equipar a cozinha de casa. Será que os clientes vão voltar? Eu espero que sim, que voltem para experimentarem os novos pratos que criámos e verem como melhorámos o restaurante. Esta pausa também serviu para isso: para repensar e melhorar.”

Ana Dulce Félix, Guimarães

“[Sinto falta] de colocar um dorsal e ouvir o tiro de partida. E de poder estar com os amigos sem limitações, treinar na pista com 20 companheiros, correr sem entraves, passear com a minha filha num jardim e ela poder brincar à vontade”

Ana Dulce Félix, atleta

“Se me perguntarem o que mudou na minha vida este ano, eu respondo: tudo. Tivemos de nos adaptar a uma nova realidade, e quando se tem uma criança de três anos ainda é mais difícil. Cheguei ao ponto de brincar aos elásticos e ao pião! Essa foi a parte boa. Mas na vida profissional, a pandemia teve um impacto brutal pela negativa. A adrenalina desapareceu. Treinar sem ter objetivos não é fácil, mas tive de fazê-lo porque cada treino é uma peça do puzzle. Eu estava diretamente qualificada para os Jogos Olímpicos de Tóquio e agora [com o adiamento da competição para 2021] ainda tenho de fazer a marca de qualificação. Esse é o meu foco, não me passa outra coisa pela cabeça. Do que sinto mais falta? De colocar um dorsal e ouvir o tiro de partida. E de poder estar com os amigos sem limitações, treinar na pista com 20 companheiros, correr sem entraves, passear com a minha filha num jardim e ela poder brincar à vontade. O que ela mais pede é para ir ao escorrega. Enfim, o que aprendemos é que éramos felizes com tão pouco e não sabíamos.”

Paula Gonçalves, Santa Cruz

“A sociedade está em adaptação e mudança, no entanto há coisas que nunca mudam: valores como a liberdade, solidariedade, respeito, amor e as nossas demonstrações de afeto, carinho e amizade. A História repete-se e por isso estou otimista para o futuro”

Paula Gonçalves, Associada Montepio e empresária

“Um dia vou observar o sorriso das pessoas com quem me cruzo, que é algo que há um ano não consigo ver. E sentir novamente essa liberdade de afetos que a pandemia nos tem vindo a tirar. Entrar nos espaços fechados sem medo, sem preocupação, com a descontração que tanto prezo. Um momento desafiante? As primeiras semanas do primeiro confinamento. Sem aviso prévio, passámos de mulheres com rotinas a super-hiper-mega mulheres, mães, filhas, trabalhadoras, empresárias, amigas. Não foi fácil gerir essa avalancha de informação e de afazeres repentinos. Um lado positivo. O tempo passado em família e a oportunidade inédita de ver o dia a dia dos nossos filhos. Vamos voltar ao que éramos? A sociedade está em adaptação e mudança, no entanto há coisas que nunca mudam: valores como a liberdade, solidariedade, respeito, amor e as nossas demonstrações de afeto, carinho e amizade. A História repete-se e por isso estou otimista para o futuro.”

Longe da vista, perto do coração

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