capacidade de antecipar o futuro é intrínseca a qualquer instituição, país ou sociedade que queira ser relevante a longo prazo. Num tempo em que a constante é a mudança, 10 personalidades relevantes na nossa sociedade respondem a questões que moldarão os próximos anos da vida em comunidade.
Virgílio Boavista Lima, presidente da Associação Mutualista Montepio
Qual o futuro da previdência complementar?
As sociedades vivem tempos de incerteza, o que retira estabilidade às receitas previsionais de reformas futuras. Esta incerteza leva a que muitos regimes previdenciais estejam a ser alterados de benefício definido para contributo definido. Mesmo quando o benefício futuro está previamente definido, a erosão do seu valor no tempo vai penalizando os beneficiários, tanto mais quanto maior for a longevidade, a qual, felizmente, tem vindo a aumentar significativamente. Neste quadro, importa que a maior longevidade seja usufruída com qualidade.
A previdência complementar ajudará a vivermos essa longevidade com maior qualidade de vida?
A previdência complementar é fundamental e pode garantir essa qualidade de vida, de um modo tanto mais relevante quanto maior for o período contributivo. Por tudo isto, entendo que a previdência complementar tem um grande futuro. As modalidades mutualistas com esta finalidade respondem a esta necessidade dos nossos associados, atuais e futuros, de uma forma muito adequada.
Joana Portugal Pereira, coordenadora do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas)
Conseguiremos evitar as alterações climáticas?
O último relatório do grupo de trabalho I do IPCC sobre ciência do clima, publicado no início de agosto, anunciou que o aquecimento global atual já é cerca de 1,5°C superior ao do período pré-industrial. E que é inequívoca a relação entre o aumento de concentração de dióxido de carbono por combustão de combustíveis fósseis (carvão e derivados de petróleo) e metano e óxido nitroso (atividades agropecuárias e desflorestação).
Assim, não conseguimos evitar algo que já estamos a viver e cujos impactos sentimos. O que é necessário é desacelerar esse aquecimento através de estratégias de redução de emissões de gases de efeito estufa (reduzir o consumo de combustíveis fósseis, melhorar a eficiência energética e repensar a alimentação) e implementar medidas de adaptação para estarmos mais preparados e resilientes às alterações climáticas (maior intensidade e frequência de eventos extremos).
Adriano Moreira, professor universitário
As pessoas voltarão às ações e às rotinas pré-pandemia?
Parece-me que, conseguido não apenas o fim da pandemia, mas então a necessidade de reformular a atingida ordem internacional, as exigências da reparação de tal desastre vão exigir uma primeira definição. A experiência histórica ensina que é necessário empenhamento para cada geração deixar um legado para a seguinte com a qual, de regra, não viverá.
Na abalada ordem presente, tem-me parecido que só a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ainda tem responsáveis empenhados nesta exigência. Portugal, aliás, tem aí mantido uma intervenção respeitada.
Maria de Belém Roseira, jurista
Qual o papel da economia social na sociedade na próxima década?
A economia social tem que estar profundamente comprometida com os objetivos da sustentabilidade, que são globais e estão ligados à agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No que se refere à dimensão ambiental, é exigível que, hoje, quer as pessoas quer as organizações cuidem da nossa “casa comum”.
As instituições da economia social têm o dever de contribuir para este objetivo através das ações concretas e da disseminação de uma cultura virada para a proteção do ambiente. Se, coletivamente, não adquirirmos essa cultura, espoletaremos as maiores das tragédias, como ainda recentemente experienciámos com a Covid-19.
Na dimensão económica, a economia social distribui os seus resultados positivos no aprofundamento das ações que desenvolve, sendo uma forma de economia que não se quer deficitária, mas que não busca o lucro a todo o custo. É uma forma solidária de economia que tem as condições para desenvolver e se envolver em novos conceitos de economia, como a economia circular, que permite às pessoas com menos posses terem acesso, de uma forma muito mais barata, a bens e serviços que são necessários para o conforto nas suas vidas.
Esta preocupação vem encaixar na dimensão social. O mutualismo surgiu para amparar as pessoas nas fases más da sua vida, fossem a doença, a velhice, a morte ou o desemprego. Num mundo em que as desigualdades estão cada vez mais aprofundadas, este continua a ser o aspeto central da sua ação. O desenvolvimento de novas soluções que vão ao encontro das necessidades das pessoas e das famílias é uma exigência que não tem fim, porque a evolução do mundo e da vida em sociedade criam sempre situações novas.
Os futuristas preveem que os próximos 10 anos serão mais disruptivos que os últimos 50. Isso exigirá de nós criatividade, capacidade preditiva e muita, muita sensibilidade. É uma tarefa sem fim e por isso tão estimulante.
Marina Cortês, cosmóloga e física teórica
Quando viveremos noutros planetas?
A tecnologia está ao nosso alcance e o fenómeno excecional SpaceX é prova disso. Mas deixo uma pergunta: onde vamos nós, humanidade, desenvolver essa tecnologia para viajarmos para outros planetas e vivermos lá? Na Lua? Em Marte? Porque no planeta Terra não é de certeza.
Na ânsia de chegarmos aos outros planetas estamos a esquecer-nos do nosso Planeta?
A existência humana no planeta Terra tem os dias contados. A nossa espécie está em vias de extinção. Temos seis, sete décadas, se formos otimistas. Século XXII? Duvido. Duvidam muitos. Porque é que alguns de nós ainda estão a pensar em cenários (extraordinários, sem dúvida) de ficção científica enquanto o planeta está a arder? Estamos, de forma muito rotunda e indiscutível, a ser convidados a sair. Granizo no verão. Recordes históricos de calor todos os dias. Inundações, tornados, furacões.
Há algum de nós, da nossa espécie, que ainda não tenha ouvido esta mensagem do nosso planeta? Se a casa está a arder, não podemos construir as naves espaciais e cosmológicas que nos levarão a outros mundos. Vamos salvar primeiro a nossa casa e as viagens intergalácticas seguirão sem qualquer dificuldade.
D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga
Como irá a religião adaptar-se a um mundo mais tecnológico e científico?
A Igreja Católica está consciente do novo mundo que a envolve. Tem uma mensagem a transmitir e não se prende a rotinas do passado. Não teme os novos meios tecnológicos e científicos, mas acredita que a sua missão não se realiza apesar deles, mas só com eles. É uma aventura com um longo caminho a percorrer. A consciência existe. A atenção também. Importará fazer com que o evoluir dos tempos encontre respostas mais conscientes. Podemos comprovar esta consciência com o que está a acontecer no mundo digital.
A evidência de que os recursos digitais estão a ocupar um espaço cada vez maior nas sociedades contemporâneas, aliada ao facto de que a fé cristã se vive no hoje da nossa história, leva a que não seja estranho que a Igreja Católica lhe confira uma importância primordial. De facto, há um recurso muito importante às possibilidades que a Internet oferece, quer para usufruir daquilo que a Igreja Universal e Conferência Episcopal Portuguesa oferecem, quer daquilo que as dioceses e movimentos disponibilizam. É já uma realidade muito consistente no quotidiano das instituições eclesiais.
Há ainda um pormenor que convém referir, que é o facto de a presença digital dos cristãos, considerados individualmente, tender a ser invisível. Usufruem dos recursos disponibilizados, estão atentos e conhecem o que se passa nas redes sociais e nos sites de referência.
Por outro lado, para a Igreja Católica o grande desafio está em conseguir que os cristãos tenham uma maior e melhor presença digital, dando visibilidade àquilo que fazem e que vivenciam, partilhando-o nos canais digitais. E não apenas replicar aquilo que alguém, previamente, já fez. Até porque, ao contrário do que possa pensar-se, entre os agentes de pastoral o acesso à Internet não está relacionado com a idade nem com a escolaridade.
Então, qual o grande desafio para Igreja?
Capacitar os cristãos, dotando-os de literacia digital, capaz de os ajudar a estar na Web mas de acordo com a sua identidade cristã.
Essa capacidade de dizer a fé nos novos media resulta da interação do entendimento que se tem do que é uma comunidade religiosa, que está muito para além da circunscrição geográfica e da capacidade para redizer as fontes da fé em contexto digital. A Igreja não está distraída nem apegada às soluções. Caminha com a humanidade e com tudo o que esta oferece.
Ricardo Ribeiro, jornalista e cofundador do Fumaça
Como receberemos informação credível?
Sou um pessimista por natureza e acho que o modelo dos órgãos de comunicação social (OCS) mainstream não vai mudar. Desde o início do milénio, a mão-cheia de pessoas que mandam na comunicação social em Portugal decidiu transformar os jornais em máquinas produtoras de conteúdos – e aqui uso a palavra “conteúdos” com a carga pejorativa que tem dentro do jornalismo –, o que tem a ver com a ideia de que o jornalismo é um negócio. É uma ideia com a qual não concordo, distópica, e que não serve o jornalismo.
O jornalismo deve continuar a ser encarado como um negócio?
Não, até porque o acesso à informação é um direito básico. A produção e o consumo do jornalismo têm de ser algo básico numa sociedade. Este ciclo de produção massiva de conteúdos acaba, por exemplo, com o processo de edição do jornalismo.
Acho que não vamos conseguir quebrar este ciclo, a não ser que exista uma revolução no jornalismo, e não me refiro a pequenas reformas. Essa revolução tem de passar por dar mais tempo aos jornalistas para fazerem o seu trabalho, e por mudarmos a vocação empresarial dos OCS para fazerem aquilo que é o objetivo do jornalismo, que é informar. Mas creio que os OCS vão continuar na mesma.
O que antecipa que vai acontecer nos próximos anos?
Nos próximos tempos, encontraremos informação credível procurando jornalistas específicos (e não por OCS) que sabemos que fazem um bom trabalho, e por projetos jornalísticos que façam coisas diametralmente diferentes dos OCS tradicionais.
Manuel Dias Coelho, jornalista e ex-diretor da Máxima, Vogue e GQ Portugal
O fato de treino e a roupa confortável vieram para ficar?
Esta pergunta está interligada a outra, sobre o futuro da indústria da moda, num momento em que assistimos a mudanças dramáticas no modo de viver, nos hábitos de consumo e nos gostos dos consumidores. A moda desportiva é um dos segmentos que mais tem aumentado, sobretudo desde o início da pandemia.
E quando se aposta em roupa confortável, leve, acessível, descontraída, multifuncional e multissazonal, questionamos a forma de vestir e de gastar o dinheiro. Com a normalização do teletrabalho, a roupa desportiva assumiu o estatuto da nova roupa profissional. Segundo dados da Statista, este mercado crescerá 80% entre 2019 e 2025.
A roupa desportiva vai manter-se ao longo do tempo?
O futuro será sempre imprevisível, sobretudo agora. Os anos 70 popularizaram e democratizaram esse estilo, e os anos 80 (fato de treino, polos e sapatos de ténis), os anos 90 (hoodies, sneakers brancos e bonés de basebol) e os 2000 (leggings e calças de jogging) impuseram a roupa desportiva na cidade através da força do streetwear, com destaque para os sapatos de ténis. Hoje, quem não os calçar é visto como alguém antiquado, uma das razões pela qual é transversal em todos os escalões sociais, económicos e etários.
Deu-se uma “machadada” na elegância e no bom gosto?
Creio que sim e que o golpe de misericórdia final foi dado pelo grunge, nos anos 90. Mas existe aquilo a que se chama o l’air du temps, que convém ser seguido com sensatez. Ao responder a esta pergunta envergo um polo e uns calções. E, fatalmente, calço uns sapatos de ténis.
João Vitória, consultor digital e fundador da Shkr
Que plataforma substituirá as redes sociais na nossa vida?
As tecnologias só têm impacto se as pessoas as adotarem e o avanço tecnológico é condicionado à adoção das pessoas. Por isso, não sei se as redes sociais vão ser substituídas. As plataformas, que são muitas, é que podem variar.
Mas haverá uma adaptação das suas funções?
Quando apareceram, as redes sociais só tinham uma funcionalidade: a da partilha. Mas não podemos perder de vista que, por detrás destas plataformas, há empresas cujo objetivo é ganhar dinheiro. Paralelamente, foram surgindo redes sociais, como o Instagram, que foram conquistando uma audiência que, a dada altura, foi monetizada, adicionando mais funcionalidades, como as stories.
Creio que, nos próximos anos, as maiores redes sociais vão introduzir mais funcionalidades, e empresas como o TikTok serão copiadas por outras. Haverá novas plataformas, novas formas de interagir, novos avanços tecnológicos, e as plataformas existentes vão copiar funcionalidades para tentarem manter a sua audiência.
O que poderá estar mais próximo do que imaginamos são as propriedades digitais, os NFT e as criptomoedas proprietárias, que vão disparar. A China já o faz com o WeChat, que dá para concentrar tudo num local: rede social, messaging, lojas. E um modo de pagamento próprio da plataforma.
Lina Coelho, professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Quando teremos uma verdadeira igualdade de género?
Esta é uma questão de longo prazo. O que está em causa é exigente e envolve mudanças de mentalidades e comportamentos. Dispomos de um enquadramento legal dos mais avançados ao nível europeu em matéria de garantia de direitos – legislação de combate à violência baseada no género e violência doméstica, garantia de participação mínima de 40% de cada sexo nas listas de candidaturas às eleições, nas equipas de gestão dos institutos e empresas públicas. Tudo isto é muito importante, mas os resultados estão à vista. Nas últimas eleições autárquicas, apenas 9% dos presidentes de câmara eleitos eram mulheres – menos do que nas eleições anteriores.
É um processo longo, difícil, com avanços e recuos, e que tem hoje um fator ameaçador: a progressão rápida da digitalização da economia. Embora, na economia ativa, existam 140 mulheres com um curso superior por cada 100 homens, nas áreas de informática os números descem para 20%. Isto posiciona as mulheres numa posição desvantajosa nos setores mais dinâmicos do mercado de trabalho. Acontece em quase todas as engenharias e tem a ver com representações mentais e determinantes de natureza cultural que são passadas às crianças, desde muito cedo, sobre o que são os papéis de género corretos.
Não é possível, então, construir um limite temporal para a igualdade?
As instituições internacionais dizem que haverá igualdade salarial entre homens e mulheres dentro de um século. Portugal está numa posição mais favorável, mas este indicador mostra que levaremos ainda muito tempo. A questão central, porém, está na repartição equitativa de responsabilidades e tarefas nas várias dimensões da vida. As mulheres exercem hoje os papéis tradicionais dos homens ao nível das responsabilidades profissionais, mas não deixaram de ter que assumir as responsabilidades domésticas. Os homens não fizeram o processo inverso. Enquanto houver este desequilíbrio no trabalho não remunerado, que responsabiliza e sobrecarrega as mulheres, não teremos efetiva igualdade. E este processo mal começou. Teremos mais algumas décadas até que possamos falar de igualdade entre mulheres e homens em termos de direitos, oportunidades, responsabilidades e obrigações.