Avós e netos: o que se aprende com uma geração de intervalo

Avós e netos: o que se aprende com uma geração de intervalo
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Fotografias de Rodrigo Cabrita, Ricardo Meireles e Matilde Cunha
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vontade de partilhar, de abrir novos caminhos e janelas, acontece entre avós e netos de uma forma especial. Ao grande salto entre idades apontam-se, por vezes, defeitos, entre os quais dificuldades de compreensão e de sintonia, como se os mais velhos falassem uma língua que já não existe e os mais novos vivessem noutro comprimento de onda. Mas estes netos e avós provam o contrário. Saiba como se rejuvenescem e como se inspiram figuras das artes, da ciência ou da gastronomia nos sabores de uma relação com mais amor do que deveres.

Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís colaboraram profissional e conflituosamente durante mais de vinte e cinco anos, o tempo de uma geração. Na maior parte das vezes, era o realizador quem lhe pedia os textos. Mas a sua “estimada amiga”, como ele lhe chamava, fazia de tudo para lhe complicar a vida.

O trabalho conjunto começou na década de 1980, já ambos eram avós e viam os descendentes a crescer. Nas férias em Biarritz, França, Agustina gostava de observar os netos (entre os quais Leonor Baldaque, escritora e atriz, que entrou em vários filmes de Oliveira) a brincar na praia. Manoel de Oliveira viajava com o neto, Ricardo Trêpa, pelo mundo, e ele aprendia a ver. Pelo que contam Ricardo e Leonor, estes dois avós partilhavam, na relação com os descendentes, dois valores centrais: a autonomia e a exigência. “O meu avô não me dava grandes indicações. Dava-me o argumento e eu tinha de fazer o meu trabalho de casa”, conta o ator à Revista Montepio.

Numa entrevista de 2012 ao jornal Público, Leonor Baldaque relata o espírito livre deste modo: “Ninguém me deu a ler nada. Eu própria fui à procura dos livros ou dos nomes que me interessavam.” Mas a liberdade não condena o rigor. “Cada vez que ia visitar a minha avó, ríamos imenso de Portugal inteiro. (…) Sempre quis ter cuidado para não fazer parte das pessoas que eram troçadas à mesa dos meus avós, e para isso era preciso trabalhar muito, ler muito, falar pouco para dizer as coisas certas. Foi graças a essa exigência que pude ir tão longe no estudo da literatura.”

Enquanto começava a trabalhar com Agustina, Manoel de Oliveira também provocava as primeiras interações de Ricardo Trêpa com as câmaras. “Lembro-me de o meu avô estar a filmar [em Visita ou Memórias e Confissões] a casa que construiu, e onde educou e criou os filhos, e de pedir para nós [quatro netos] passarmos à frente das câmaras. Eu tinha 8 ou 9 anos, talvez. É a primeira memória que tenho em que realmente senti o meu avô, senti aquele poder todo e aquela curiosidade sobre o que ele fazia.”

A colaboração entre Manoel de Oliveira e Ricardo Trêpa foi longa. O neto entrou em 19 filmes do cineasta. “Quando dei por mim, já era ator”, diz Ricardo. No lugar da mesa de jantar, o plateau foi a base da relação entre avô e neto. Mas isso não os limitava, expandia possibilidades. “Ele olhava para mim e olhava por mim”, afirma Ricardo, descrevendo esta aventura de mais de vinte anos como “uma experiência muito poderosa e gratificante”, embora nunca simples.

Se dos avós dizemos que são pais pela segunda vez, com menor dose de disciplina e maior extrato de doçura, a dupla Oliveira-Trêpa contraria a regra. Entre eles, existiam uma “leve austeridade” e “poucos afetos”, uma forma de estar própria da época (Manoel de Oliveira nasceu em 1908). No trabalho, por sua vez, “os papéis exigiam muita pesquisa, imenso estudo e uma enorme concentração”. Tudo isto fez crescer Ricardo, como o próprio assume: “Ele deu-me uma plataforma de desenvolvimento gigantesca e fez-me acreditar que está em mim a possibilidade de fazer aquilo que eu quiser. Foi esta a grande lição que aprendi pelas mãos do meu avô e que me vai servir até ao fim da vida.”

Manoel de Oliveira já não está cá para responder sobre o que terá aprendido na relação com os netos, esses seres irrequietos, curiosos e, por vezes, insensatos. A preservar a infância dentro de si, a filmar com outros olhos? “Foi uma das poucas coisas em que nunca pensei: o que posso ter ensinado ao meu avô? Ele era uma pessoa cultíssima, muito convicta, com um trajeto e uma referência de vida enorme, portanto não era fácil ensinar-lhe, pelo menos de uma forma consciente, alguma coisa… Mas acho que lhe ensinei a confiar em mim através do meu comportamento, das minhas atitudes, do meu foco, da minha responsabilidade perante os desafios que ele me ia propondo”, arrisca Trêpa.

Na Casa do Cinema Manoel de Oliveira, no Porto, o ator Ricardo Trêpa recorda a “experiência espetacular” com o avô cineasta (fotografia de Matilde Cunha)

Avós e netos: joias de família

No romper da década de 2000, já Ricardo havia participado em dez filmes do avô, Manoel de Oliveira desafia Agustina a escrever um texto que, na passagem para o ecrã, tivesse os netos como protagonistas. Assim, segundo António Preto, diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira, “a escritora e o cineasta poderiam ver-se representados, projetados na ficção, através das figuras dos seus descendentes” (2021, O Princípio da Incerteza: Manoel de Oliveira/Agustina Bessa-Luís, Fundação de Serralves). Agustina responde não com um romance, mas com uma trilogia, a que chama O Princípio da Incerteza.

No primeiro livro, Jóia de Família (adaptado para cinema como O Princípio da Incerteza), Ricardo Trêpa é José Luciano (Touro Azul), um jovem tempestuoso, amante de ladroagens e corridas de carros, e Leonor Baldaque é Camila, mulher passiva e vivaça, com tons maléficos e de inocência, personagem dificílima de caraterizar. Seriam eles Manoel e Agustina? Podem os netos espelhar pedaços dos avós?

Em 2002, o cineasta declara à revista Cahiers du Cinèma (recuperada no livro O Princípio da Incerteza): “Quis que ele tivesse muitas parecenças comigo quando tinha a idade dele.” E sobre o par Camila-Agustina, diz: “Encontramos qualquer coisa da avó na maneira como a neta é apresentada no ecrã. Qualquer coisa, parece-me, de que ela não gosta muito nela própria e que, contudo, é verdadeiramente ela.” Verdade, jogo ou a brincadeira imortal – e importante – dos avós Oliveira e Agustina? Eis o princípio da incerteza.

Manuel Sobrinho Simões, Joana e Luísa

O patologista que não se cansa de ensinar os netos

Quando o patologista Manuel Sobrinho Simões foi convidado para falar sobre a sua experiência de vida durante o Estado Novo aos colegas de turma da neta Luísa, o sucesso estava garantido. Reconhecido pelos dotes de orador, ou não fosse professor catedrático de Anatomia Patológica na Universidade de Medicina da Faculdade do Porto, Sobrinho Simões deliciou a plateia. “Todos os meus colegas foram pedir-lhe autógrafos. Fiquei toda orgulhosa”, recorda Luísa à Revista Montepio.

O problema, se é que o podemos considerar, é que o patologista ignorou o tema. “Esteve a falar sobre genes e ética. O avô não gosta de se focar nas suas experiências pessoais. Quer que os seus próximos estejam mais focados em aprender”, continua Luísa.

Não se pode dizer que a ânsia de Sobrinho Simões em partilhar conhecimento com os seus sete netos – quatro raparigas e três rapazes – seja defeito profissional. Pelo contrário: o avô Manuel está apenas a seguir a tradição familiar de querer saber sempre mais, um trajeto que iniciou quando acompanhava os seus bisavós e avós, também médicos, ou quando devorava livros nas férias passadas entre Bombarral e Arouca.

“Gosto sempre de ajudar alguém a ir mais longe. Os meus netos, como é óbvio, e todas as pessoas com quem trabalhei. Os miúdos vão muito mais longe que nós”, explica Manuel Sobrinho Simões à Revista Montepio.

Sessenta anos separam o patologista das netas Joana, de 15, e Luísa, de 12. “Após conversar com os meus netos percebo que há um mundo que eu desconheço. Aprendo muito, é uma realidade muito diferente da minha. Já não vou viver o suficiente para, daqui a trinta anos, ver como serão as minhas netas. Mas achava graça”, continua.

Quem ganha com esta partilha são Luísa e Joana, que aproveitam a sabedoria do avô Manuel, prestes a completar 75 anos mas ainda ativo a dar aulas e a trabalhar no Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), que ajudou a fundar. “O avô é bom a falar sobre praticamente tudo, menos animais. Mesmo uma pessoa que não perceba nada de Medicina consegue ouvir uma entrevista dele e sentir-se interessada”, refere Joana.

Luísa completa a irmã no raio-x a Manuel Sobrinho Simões: “O avô tenta que sejamos melhores e está sempre a dizer-nos que, se nos esforçamos e quisermos saber mais, formos mais empenhadas e interessadas, as coisas vão correr-nos melhor.” E qual é a especialidade do avô? “Árvores. Ele gosta que os netos saibam os nomes das árvores”, diz Luísa.

``O avô explica-nos as coisas de uma maneira apelativa``

Entrevista com Manuel Sobrinho Simões, Joana e Luísa

Viver o presente, não o futuro

Quando Sobrinho Simões está no laboratório a observar tecidos celulares, intervém no futuro de quem o procura. No entanto, diz que sobre os outros futuros nada percebe. “Sou um tipo do passado a tentar chegar ao presente. Não faço a mínima ideia de como será o futuro. E nisso os meus netos não me ajudam, porque são diferentes de mim”, explica. Desde logo, no informalismo típico das novas gerações: “Na minha geração não falávamos, mas eles têm menos filtros e muita capacidade de aprender coisas”, revela. “A minha grande dúvida é saber se o que eles aprendem, a informação visual e as palavras, [ser-lhes-á útil] no mundo real, quando passar para a prática”, continua.

O patologista admite ver “imensa graça” no facto de Luísa e Joana serem “geneticamente tão parecidas”, ainda que sejam tão diferentes. Luísa quer seguir a vertente artística – “desenha muito bem” –, e Joana tem “mais inclinação para a aprendizagem das palavras e do conhecimento”. “Passa a vida a ler”, revela o avô Manuel.

Sobre o seu futuro, e apesar pertencerem a uma família de médicos, as jovens não sentem pressão para escolher esta profissão. “Os nossos pais dizem: ‘não sejam médicos, por favor’”, graceja Luísa. “Ficamos com a impressão de que, às vezes, a vida de médico é um bocado miserável. Eu quero ir para as artes e toda a gente me diz que posso fazer o que quiser.”

Joana, porém, quer seguir Medicina. “Já considerei todas as especialidades, inclusive investigação. Eu vejo o avô e ele parece gostar daquilo que faz. Não me parece que seja um trabalho penoso”, sugere.

Se for este o seu futuro, a jovem de 15 anos tem sorte. Convive diariamente com um avô que gosta de falar sobre o que aprendeu. “Fala tecnicamente do seu trabalho, mas também com uma certa piada acerca das suas experiências. E não só sobre ciência, mas também a cultura que ele adquiriu. É mais virado para o conhecimento”, conclui Joana.

E o avô Manuel gostaria de se rever nos seus netos, tal como Manoel de Oliveira tentou com Agustina em O Princípio da Incerteza? “Gostava de um dia sentir que, de alguma maneira, participei na construção de um comportamento. Mas também que eles fossem um mosaico de características: dos avós, dos pais, dos amigos. É a sensação de que ajudámos de uma forma muito pouco dirigida, que criámos as condições”, explica. No entanto, deixa uma previsão final: “Nenhum deles vai ser muito parecido comigo, a não ser que fiquem muito gordos [risos].”

Justa Nobre e Mónica Nobre

A chef transmontana que rejuvenesce com a neta

Justa Nobre foi avó jovem. Quando a sua primeira neta, Mónica, nasceu, a chef do restaurante O Nobre tinha apenas 49 anos. Bem distribuído, este quase meio século justificaria três vidas diferentes. Justa Nobre nasceu e cresceu na aldeia de Vale de Prados, em Macedo de Cavaleiros, mas instalou-se em Lisboa aos 15 anos, ganhando nome na cozinha, primeiro nos restaurantes e, mais recentemente, nos programas de televisão. “Aprendi a cozinhar com as minhas avós. Quando ia de férias para a aldeia, não saía de casa delas para absorver todo o conhecimento”, revela a chef.

Mónica Nobre estaria prestes a nascer quando Justa se tornou conhecida dos portugueses. Presença habitual na comunicação social e em programas de entretenimento, Justa Nobre faz parte de um pequeno grupo de chefs portugueses cujos nomes, no virar do século, se tornaram maiores do que os restaurantes em que trabalhavam. Justa aproveitou a fama para lançar três livros, fazer deslocações ao estrangeiro constantes e desenvolver o seu negócio na área da restauração. Mónica cresceu neste mundo, entre tachos e temperos, pratos e molhos.

“A minha avó é uma grande inspiração, uma pessoa muito trabalhadora”, explica a jovem de 16 anos. “Ela ensina-me truques [culinários], por exemplo os molhos, e os pratos ficam mais saborosos. Por exemplo, sei fazer muito bem massas. É o toque da avó”, afirma Mónica Nobre.

Justa, a avó, responde à devoção da neta com elogios. “A Mónica tem-me rejuvenescido. Enche-me a casa de amigos e amigas para almoçar ou jantar. Eu entro nas conversas deles, acho que tenho rejuvenescido com esta nova geração, têm sido momentos muitos felizes.”

Além do convívio, a chef transmontana aproveita estes momentos para perceber quais os pratos favoritos dos mais jovens. “Há pratos que eu não fazia e a Mónica e as amigas dão-me dicas. Falo das massas, que agora todos os jovens gostam, mas também daqueles cozinhados com queijo, brócolos, molho de tomate ou peitos de frango.” Justa diz que aceita “todos os ensinamentos”, mesmo que uma lasanha tenha pouca ligação a pratos como o lombo de robalo selvagem ou o cabrito assado no forno à transmontana, algumas das suas especialidades. “Eu ensino-lhe algumas coisas, e ela ensina-me outras. Vou aceitando as ideias dela e adaptando-as, mas de vez em quando também quero levá-la para a cozinha e pô-la a mexer nos tachos. Para ela aprender com a avó”, admite Justa.

Mónica, por seu lado, tem o melhor de dois mundos: a comida da avó elevada ao expoente máximo. “Às vezes, quando estou em casa do meu pai ou da minha mãe, faz falta uma comidinha da avó. Cozinho para os meus amigos e eles dizem que são as famosas massas da Mónica, que eu tenho o toque no sangue. Aprendi isso com a avó: saber os temperos que se devem usar”, explica a neta aprendiz.

``Os meus amigos dizem que as minhas massas têm um toque especial de cozinheira, está-me no sangue``

Entrevista com Justa Nobre e Mónica Nobre

Quanto mais perto, mais longe. E vice-versa

Justa e Mónica têm uma relação próxima, algo que foi vedado à primeira na adolescência. “A minha avó vivia quatro casas à frente. Tínhamos acesso a toda a família, estávamos habituados.” Porém, com a vinda para Lisboa, Justa passou a ver os avós apenas nas férias. Para encurtar a distância, escrevia-lhes cartas ou marcava hora para telefonar. “Agora podemos estar a muitos quilómetros de distância, até em países diferentes, e falamos num instante”, explica, não sem antes filosofar sobre os prós e contras do digital. “A tecnologia afasta-nos dos que estão perto, mas aproxima-nos de quem está longe.”

Nas conversas ao telemóvel e à mesa, no entanto, nem tudo gira à volta dos tachos. “A avó diz-me muitas vezes que ser pontual é uma mais-valia. Que tenho de ser trabalhadora e lidar com os imprevistos. Foi através do trabalho que ela começou do zero e chegou onde está hoje”, confessa Mónica Nobre. A avó confirma e diz que a inspiração lhe surgiu dos avós, com quem aprendeu a “ser boa pessoa, honesta, trabalhadora”. E boa cozinheira. “As nossas memórias gustativas perseguem-nos a vida toda. E os meus netos podem absorver já os meus ensinamentos.”

Alice Vieira e Nelson Mateus

A avó moderna e o neto postiço

Foi através do projeto Retratos Contados, sobre a importância intergeracional da relação entre avós e netos, que Alice Vieira e Nelson Mateus se conheceram. Estávamos em 2014 e “foi amor à primeira conversa”, conta o neto emprestado e autor da ideia. A tal ponto que, passado algum tempo, ambos começaram a tratar-se por avó e neto. “Já não tenho avós de sangue há mais de quarenta anos e tem sido muito bom receber o abraço e o colo da avó Alice”, conta Nelson Mateus. “Este neto postiço dá-me muito jeito”, responde, de imediato, a escritora e jornalista. “Temos uma relação muito próxima e ele ajuda-me imenso. Eu era uma perfeita naba com computadores e hoje já sei fazer videochamadas. Foi ele quem me ensinou tudo.”

No final de 2020, Nelson Mateus e Alice Vieira começaram a escrever um para o outro na rede social Facebook. Nelson partilhava um texto sobre um tema que terminava, quase sempre, em jeito de pergunta. Alice respondia com uma história da sua vida. “Aquilo teve tanto sucesso que as pessoas diziam: ‘agora fale disto, agora fale daquilo’”, explica Alice Vieira. O resultado desta troca de cartas digitais, escritas entre 19 de dezembro de 2020 e 28 de março de 2021, é o livro Diário de Uma Avó e de Um Neto Confinados em Casa, publicado em agosto de 2021 pela Casa das Letras e que já vai na segunda edição. “Dizem que avós e netos não têm assuntos para falar uns com os outros, mas no livro provamos o contrário”, explica Nelson.

Aos 79 anos, Alice Vieira não dá mostras de parar: escreve para seis jornais e duas revistas, dá aulas online, continua a falar em conferências nas escolas e todos os dias aproveita para aprender. “Embora mostre alguma resiliência ou resistência, a Alice acaba por querer aprender”, afirma Nelson, por entre risos da escritora. A autora de Chocolate à Chuva é ativa no Facebook, escreve no WhatsApp e domina as videochamadas. “Isso aproximou-a dos netos de sangue e das escolas. Hoje, a Alice consegue dar aulas em Nova Iorque sem sair de casa”, continua Nelson Mateus. “Acredito sempre nas coisas melhores e isso tem dado resultado. Se nos deixamos ir abaixo, é mau. Tenho de ter a cabeça preenchida”, revela Alice Vieira.

``As avós já não são escravas dos netos ou dos filhos. Estão com eles quando querem ou quando podem``

Entrevista com Alice Vieira e Nelson Mateus

Acabaram as avós-a-dias

A escritora viveu o Maio de 1968 em Paris, estava em Berlim quando o muro caiu, conviveu com a elite cultural portuguesa dos últimos sessenta anos e foi amiga de Jorge Amado e Pablo Neruda, entre outros. “Tive muitas vidas com muitas pessoas diferentes”, confessa.

Esta avó moderna, que viveu sempre à frente do seu tempo, continua a ditar modas. “Hoje, as avós de 80 anos saem para namorar, viajar e serem aquilo que elas quiserem. Isto foi sendo conquistado aos poucos. As avós já não são avós-a-dias, escravas dos netos ou dos filhos. Elas estão com os netos quando querem ou podem, mas não têm de os ir buscar à escola ou cuidar deles”, garante Nelson.

Alice Vieira, que é tudo isto, conta uma história que resume o modo como vê os seus netos de sangue. “Os meus netos viveram muito tempo em Inglaterra, em Leicester. Em frente à nossa casa havia uma livraria da Waterstones, que tinha um cartaz onde se lia: ‘As três regras de ouro de uma grande avó: primeiro, dá-lhes amor; segundo, dá-lhes doces; terceiro, manda-os para casa’. E foi isso que eu fiz.”

Maria Augusta Gomes da Silva, Matilde e Maria

Nesta família, a tradição ainda é o que era

Pouco meses após o nascimento da neta Matilde, Maria Augusta reformou-se. “Já estava na altura.” Nascida e criada em Luanda, Angola, a Associada Montepio viu os avós pela primeira vez aos 9 anos, numa das raras visitas a Portugal. “Infelizmente, não tive uma relação próxima com os meus avós, não tive essa sorte”, explica à Revista Montepio.

Assim, foi normal que a chegada de uma neta tenha servido para prestar contas com o passado. “Vinguei-me e aproveitei ao máximo. Cuido delas [de Matilde e da irmã Maria, dois anos mais nova] desde que nasceram, a par dos pais, mas com mais disponibilidade. E viajamos muito, convivemos muito”, conta.

Matilde e Maria, as netas, aproveitaram ao máximo a presença constante da avó. “Sempre tivemos uma grande ligação com a nossa avó desde pequenas. A avó sempre nos ensinou que devemos atingir os nossos objetivos sem tentar atropelar os outros”, conta Matilde, que em agosto completou 17 anos.

“A avó é como uma segunda mãe para nós, tomamos muita atenção ao que ela nos diz”, continua a irmã mais velha de Maria, de 16 anos. A caçula concorda com tudo. “A avó ajudou-nos muito na escola.”

Do Facebook ao TikTok

Se Maria Augusta trocou o emprego por tempo de qualidade com as netas, chegou um dia em que Matilde e Maria compensaram a avó com conhecimentos em áreas novas e fundamentais para se viver a vida ao máximo. “Eu utilizo as novas tecnologias graças aos seus ensinamentos. Foram elas que me puseram no Facebook. E os computadores ajudam-me a resolver determinados problemas”, explica a avó, que há muito é estrela no TikTok das netas. “Quando me apanham querem sempre fazer vídeos comigo.”

Com os olhos no futuro, mas sempre de braços dados com o passado. É assim a história de Maria Augusta, Matilde e Maria. “A avó sempre nos contou a história da nossa mãe e da nossa tia quando eram pequenas, da sua vida em Luanda, dos seus pais. E diz sempre para criarmos as nossas próprias memórias dos nossos avós. Gostava que os meus filhos soubessem que a minha avó foi muito importante para mim”, confessa Matilde.

A irmã, Maria, diz que será importante passar aos seus “filhos, netos e bisnetos tudo o que aconteceu para trás”. “A avó sempre nos disse para não fazermos aos outros aquilo que não queremos que nos façam a nós. Acho que é o melhor conselho que já nos deu”, explica a jovem.

``A avó sempre nos contou a sua história de vida, para criarmos as nossas próprias memórias``

Entrevista com Maria Augusta Silva, Matilde e Maria

Três gerações viradas para a poupança

A Associação Mutualista está muito presente na vida de Maria Augusta, que explicou às filhas, e depois às netas, a importância de constituir uma poupança desde cedo. “Sou da geração do pós-guerra, da crise, e havia necessidade de poupar. Não havia Segurança Social, Sistema Nacional de Saúde ou planos de reforma, como há hoje. Os meus pais eram muito poupados e incutiram isso nos filhos. Eu também o fiz com as minhas filhas”, recorda à Revista Montepio.

Maria Augusta confessa que, assim que as filhas nasceram, o mealheiro do Montepio Geral fez parte da mobília da casa. “Em todas as épocas especiais do ano – Natal, Páscoa ou aniversários – eu ou os meus pais depositávamos determinada quantia com o objetivo de, quando [as nossas filhas] atingissem os 18 anos, poderem ter uma pequena poupança”, continua.

E não demorou muito para que os sonhos das jovens se concretizassem. Assim que fez 18 anos, uma das filhas de Maria Augusta tirou a carta e, com a totalidade da poupança amealhada ao longo dos anos, comprou um automóvel.

Com o nascimento de Matilde e Maria, a tradição manteve-se. As jovens são associadas Montepio desde tenra idade e as suas poupanças só têm um sentido: para cima. “Já lá têm boas aplicações”, diz a avó. Além de aproveitarem os momentos do ano que são propícios às prendas monetárias, Matilde e Maria ganham com o seu rendimento escolar. Isto porque Maria Augusta instituiu que, sempre que as jovens tivessem notas escolares acima de 15 valores, lhes daria uma determinada quantia monetária. “Elas juntam o dinheiro e, quando perfazem 1 000 euros, pedem-me para depositar na Associação Mutualista. Desde pequenas que são educadas neste sentido”, explica.

Apesar de viverem uma fase da vida, a adolescência, que é dada a gastos por vezes supérfluos, Matilde e Maria sabem que é imprescindível manter uma poupança regular e saudável. “A avó sempre disse que devíamos poupar o máximo possível para depois conseguirmos comprar as nossas coisas, com o nosso dinheiro, e não dependermos financeiramente de ninguém”, refere Matilde. A irmã vai mais longe: “A avó sempre foi muito poupada e sempre nos alertou para não gastarmos muito dinheiro para um dia podermos comprar algumas coisas e sermos independentes.”

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