Victor Linhares deu os primeiros passos no mundo do movimento em 1981, na Companhia Nacional de Bailado. Começou como bailarino, mas cedo passou a desenhar a dança dos outros. Conheceu o teatro musical e entrou em clássicos como Grande Noite, de Filipe La Féria. No Teatro Infantil de Lisboa (TIL) desde 1994, vê na plateia pais que outrora se sentaram como crianças a ver Cinderela e que hoje regressam à sala. A semente do teatro germinou. A propósito dos seus quarenta anos de carreira e da peça O Feiticeiro de Oz, em cena e apoiada pelo Montepio Associação Mutualista, Victor Linhares fala da importância da cultura para uma sociedade desperta e com valores.
Após diferentes experiências, agora está no teatro infantil. Quais são as exigências e especificidades deste nicho?
O público é mais exigente, mas o trabalho do encenador é igual. Começa-se no texto, na música, e isso dá origem à encenação, com a preparação dos atores, os ensaios, a coreografia… O teatro musical é um espetáculo muito completo e os atores têm de ser versáteis e de trabalhar muito para chegar a este resultado.
Como é o seu método de trabalho como encenador?
Grande parte do meu trabalho é esperar pelas propostas dos atores e fazer com que as peças encaixem umas nas outras, que formem uma linha entre o texto, as letras e a coreografia. É mais fácil concluir o trabalho de uma forma satisfatória se os atores estiverem envolvidos na criação dos seus personagens.
Como foi esse trabalho na peça O Feiticeiro de Oz?
Em 2018 [da primeira vez que a peça esteve em cena] o processo foi muito lento. Era a primeira vez que fazíamos um trabalho com o texto da Ana Saragoça, a música ainda não existia… Agora apenas foi preciso recompor. Mas, sinceramente, acho que só agora a peça está pronta. Em 2018 ainda não estava.
O seu percurso tem sido uma longa aprendizagem. Começou no ballet, fez coreografia, encenação, direção artística… Transporta tudo isso para o trabalho atual?
Sim, nada se separa. Se tenho algum curso, foi ter feito muitos espetáculos. Ajuda-me a perceber mais rapidamente o que os atores vão dar, o que posso pedir, quando é melhor esperar para ver… Quando fui para a Companhia Nacional de Bailado (CNB), aos 18 anos, queria ser bailarino. Naquela época, em 1979/80, não era muito tarde para os homens começarem a dançar. Mas o corpo não responde à técnica como se tivesse começado aos 6 anos. Só que eu precisava da experiência como bailarino, de saber o que era o ballet e a dança. Estive em teatros como o São Carlos, o São Luiz, trabalhei com muitos coreógrafos e comecei logo no primeiro ano na CNB a fazer coreografia. Rapidamente percebi que, se quisesse continuar no mundo do espetáculo, tinha de fazer outra coisa que não dançar [risos]. Mas foi tudo muito gradual. Nunca senti o choque do “deixei de dançar. E agora o que faço?”
Foi um caminho difícil em termos de estabilidade e a nível financeiro?
Teve de ser assim: quando não tinha trabalho, pensava que estava de férias. Não podia pensar que estava desempregado. Mas houve alturas mais simples, como quando trabalhei em peças do Filipe La Féria que estiveram muito tempo em cena e que geravam muitos direitos de autor, o que me permitia ter alguma estabilidade durante as pausas. Se não fosse essa forma de a Sociedade Portuguesa de Autores funcionar e as peças serem boas e terem público, teria sido bastante mais difícil. Depois, também dei aulas de movimento, de ballet a crianças, de ioga…
Reinventou-se. E houve alturas mais difíceis por causa da conjuntura económica?
Houve. De 2008 a 2010 foi muito difícil. Não tinha qualquer trabalho no teatro ou na dança e tinha muito pouca gente nas aulas. Houve questões de sobrevivência que tiveram de mudar. Deixei de ter a casa onde vivia, deixei de ter carro, houve coisas que acabaram.
Chegou a ponderar mudar de área, sair da cultura?
Eu pensava que sim. Fiz várias formações, interessei-me por terapias de autodesenvolvimento e cura pessoal e cheguei a pensar que se calhar seria por aí a próxima viagem. Mas não foi. A crise afetou toda a gente e também o TIL ficou muito mal. Mas em 2012 ou 2013 começou a fazer reposições. E foi aí que o trabalho recomeçou e que voltei a entusiasmar-me imenso.
“As pessoas deixaram de vir ao teatro durante dois anos! E agora estão a vir, continuam a vir. Pode haver menos público, mas o teatro vai continuar”
Adivinha-se um novo período difícil a nível económico. Poderá ser uma repetição da história?
Aquilo a que estamos a assistir no mundo indica que sim. Mas também posso dizer que o facto de não estarmos concentrados na pandemia já é bom. As pessoas deixaram de vir ao teatro durante dois anos! E agora estão a vir, continuam a vir. Pode haver menos público, mas o teatro vai continuar. O teatro continua sempre. Os atores têm de arranjar maneira de trabalhar! [risos] Às vezes podem não ser pagos para isso, mas continuam.
Mas para que o teatro mantenha a força e o alcance é necessário financiamento. Quão importante pode ser uma instituição como o Montepio Associação Mutualista (MAM) no apoio à cultura?
Para esta companhia [o TIL] é fundamental, porque não tem apoio do Estado. Deixou de ter. E este apoio [do MAM] é uma das coisas que faz com que a companhia possa trabalhar.
Como vê a forma como o Estado lida com a cultura em Portugal?
Numa só palavra, trata-se de estupidez. É falta de visão não apoiar a cultura. Ela é essencial para a nossa identidade, para que as pessoas explorem outros horizontes, para que seja possível continuar a sonhar, para que as coisas não morram ou não fiquemos só a falar dos cenários mais negros. Não apoiar a cultura é querer estupidificar-nos.
Criar uma consciência através do teatro é um trabalho que começa logo com os mais jovens?
Começa. Já vivi o suficiente e já encontrei aqui no teatro adultos que vieram ver as nossas peças quando eram pequenos e que hoje trazem os filhos. Portanto, a vontade de ir ao teatro e de ver as coisas que se fazem fica.
A vontade e a curiosidade são as principais qualidades que pretende estimular nas crianças?
Isso, mas também os valores. Por exemplo, a peça O Feiticeiro de Oz é uma viagem dos nossos diversos corpos: um corpo vegetal, que é o espantalho; um corpo animal, que é o leão; um corpo de metal, que é o homem de lata… São corpos diferentes da mesma identidade, a Dorothy, que têm de trabalhar em equipa para que ela cresça e compreenda o que a vida está a ensinar-lhe. Há esta ideia de que andamos todos à procura de algo no exterior, mas chega-se à conclusão de que é connosco, dentro e não no exterior, que as grandes questões se resolvem. As peças que tenho feito trabalham muito estas noções do crescimento, da valorização das relações e do amor. É isto que nos faz melhores ou piores pessoas.
O que lhe dizem as crianças que vêm ver a peça?
Nunca tive uma experiência em que as crianças não tenham percebido ou não tenham gostado. Mas o que mais aprecio é a atenção que dão ao que está a passar-se no palco, sendo que muitas delas nunca estão quietas fora daqui. Quando a sala está cheia de crianças e em silêncio, posso dizer: missão cumprida.
O Feiticeiro de Oz com desconto para associados Montepio
Depois de uma primeira temporada em 2018, esta é a segunda vez que a companhia Teatro Infantil de Lisboa explora o clássico O Feiticeiro de Oz, um espetáculo apoiado pelo Montepio Associação Mutualista. Com sessões até junho de 2023 no Teatro Armando Cortez, em Lisboa, a peça retrata as aventuras de Dorothy na sua tentativa de regressar a casa. Quem não se lembra do famoso truque de bater com os sapatos três vezes? Pelo meio, conhece criaturas imensas e aprende a viver com o imprevisto e com a amizade, tal como imaginou o escritor norte-americano L. Frank Baum, o seu criador. Com texto de Ana Saragoça e encenação de Victor Linhares, este é um clássico que se conhece em criança mas que nos acompanha ao longo da vida.
Os associados Montepio beneficiam de preços exclusivos nos bilhetes para a peça O Feiticeiro de Oz: 7,5€ para adultos e 7€ para crianças entre os 3 e os 12 anos. Os menores de 3 anos não pagam.