“A primeira coisa a fazer pela justiça climática é organizarmo-nos”

“A primeira coisa a fazer pela justiça climática é organizarmo-nos”
6 minutos de leitura
Ilustração de Sérgio Veterano
6 minutos de leitura
E

ntre os mais e menos jovens, a crise climática surge como uma preocupação prioritária. Não é uma luta estudantil e também não se trata de uma tragédia do futuro. É, antes, um trajeto iniciado há décadas, com marcas visíveis no presente. Mas é no futuro, no entanto, que o medo se projeta com maior vigor. Falámos com o ativista Diogo Silva para perceber o que podemos ainda fazer pelo planeta.

1979. Termina o regime dos Khmers vermelhos no Camboja, deixando para trás mais de um milhão de mortos. Madre Teresa de Calcutá recebe o Nobel da Paz. No decurso da Revolução Iraniana, o mundo enfrenta a segunda grande crise do petróleo. Margaret Thatcher torna-se a primeira-ministra do Reino Unido. Morre Jean Renoir. É erradicada a varíola. Gloria Gaynor arrebata os tops de música com “I will survive”. Realiza-se, em Genebra, a I Cimeira Mundial do Clima.

Como hoje, em 1979 o tempo continuava a contar, entre avanços e recuos, nascimentos e mortes. As alterações climáticas eram já um assunto trazido à luz pela comunidade científica, mas, pela primeira vez, eram formalmente reconhecidas como um problema grave. A partir de então, desenvolveu-se o Programa Mundial do Clima, as imagens do degelo nos pólos entravam pelos ecrãs, homens mais ou menos bizarros chamados “cientistas” falavam da extinção de espécies, crescia o abalo mediático sobre o buraco do ozono. Hoje, a crise climática está não só nas páginas dos jornais, como nas redes sociais, em noites de insónia e na base de grande parte das reivindicações sociais por todo o mundo, Portugal incluído.

“O movimento pela justiça climática tem feito um progresso bastante positivo em termos de comunicação. Há dez anos, as organizações eram muito mais silenciadas e havia um afastamento dos problemas provocados pelas alterações climáticas em relação à sociedade”, como se as duas realidades existissem separadas, observa Diogo Silva, de 30 anos, ativista pela justiça climática, membro do coletivo Climáximo e do centro de investigação para o clima Hot or Cool, em Berlim.

“Bloquear uma mina de carvão durante três ou quatro dias terá muito mais impacto do que não comer carne durante anos”, argumenta o ativista Diogo Silva (foto DR)

Também para Diogo, nem sempre as alterações climáticas pareceram ter um impacto direto na sua vida, até que leu This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate (Tudo Pode Mudar, na edição portuguesa da Editorial Presença), da jornalista e ativista canadiana Naomi Klein. “O que me marcou no livro foi perceber que a natureza não estava desligada da sociedade, que havia uma ligação forte entre justiça social e alterações climáticas. Quando víamos as associações ambientalistas comunicar, falava-se do degelo, dos ursos polares, mas tendo em conta tantos problemas que via à minha volta, como o desemprego jovem ou a habitação, aquilo não me parecia assim tão próximo ou importante”, conta à Revista Montepio.

O livro de Klein sustenta que diminuir a emissão de gases com efeito de estufa é reduzir as desigualdades sociais, que ser “pró-clima” é gerar economia e emprego e que abandonar o capitalismo monopolizado é criar oportunidades e laços locais mais saudáveis. O argumento central é, no fundo, que o aquecimento global descende a 100% do capitalismo, da mesma forma que o boicote à luta pela justiça climática provém dos interesses económicos em torno de uma economia poluente.

No entanto, a mesma autora, que defende que ainda estamos a tempo de salvar o planeta – e, portanto, a nós mesmos –, argumenta que, no ponto em que estamos, as nossas decisões individuais já não têm qualquer impacto. Podemos tornar-nos veganos (contrariando uma das maiores e mais destrutivas indústrias do planeta), deixar de usar automóveis e reduzir o consumo de plástico, mas estas ações terão o som de um mosquito no meio de um furacão. A mudança, segundo Klein, tem de partir das estruturas de poder. Nesse caso, o que pode fazer quem está do lado de fora?

Dossier Futuro Alimentação

Como alimentaremos 10 mil milhões de pessoas em 2050?

Ler artigo

Diogo Silva responde com a palavra “pressão”. “A primeira coisa a fazer é organizarmo-nos, ir a uma manifestação, estar em comunidade. Vale muito mais ter uma visão política e politizada do mundo do que tomar decisões apenas como consumidor. Bloquear uma mina de carvão durante três ou quatro dias terá muito mais impacto do que não comer carne durante anos”, argumenta o ativista.

Do lado do poder, em Portugal (como no resto do mundo), a manobra necessária é a redução massiva das emissões de gases com efeito de estufa, acompanhada da transição para uma economia baseada em energias renováveis. “Há coisas muito práticas a cumprir”, diz Diogo Silva, concretizando: “Um país como Portugal tem de reduzir 75% das emissões, se contarmos com a sua responsabilidade histórica e também com a capacidade para o fazer. Depois, precisamos de uma transição para uma energia 100% renovável, mas que seja pública, ou seja, que permita democracia na forma como acedemos aos bens essenciais. Isto implica, também, um grande investimento em novas formas de mobilidade e em todo o sistema. Até 2030, seria preciso fazer esta mudança em Portugal e no mundo inteiro. Agora, acreditar que, com o mesmo pensamento que existiu até hoje, vamos conseguir mudar alguma coisa é sermos loucos”, qualifica o ativista formado em economia e gestão.

Na sua perspetiva, seria necessário transformar o modelo atual e destituir os interesses económicos instalados. A questão é que “grande parte dos interesses de quem está no poder é contra este combate”. Não será, então, utópico acreditar nesta mudança? “A história da humanidade mostra-nos que é possível mudar. Temos os exemplos das sufragistas, dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos ou até a queda da ditadura em Portugal. Em 1973, alguém pensava que aquilo ia acontecer? Foram avanços civilizacionais que aconteceram à custa de grandes movimentos sociais”, responde Diogo Silva.

Os incêndios de 2017, em Portugal, foram uma chamada de atenção real – e catastrófica – para os problemas ambientais (foto: Getty Images)

Agir contra o medo

Os efeitos das alterações climáticas já não são apenas visíveis no Ártico e isso toca e mobiliza cada vez mais pessoas. Em 2020, um grupo de jovens portugueses, em conjunto com uma organização não-governamental, decidiu levar ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos 33 países por não cumprirem os objetivos do Acordo de Paris. Fizeram-no na sequência dos dias insuportáveis de calor e dos incêndios trágicos de 2017.

Mesmo quem não parte para uma luta legal ou de outra ordem dificilmente é indiferente às alterações climáticas. Tanto o sentimento de impotência como as evidências do aquecimento global têm gerado desconforto em relação ao futuro. A ideia de que o planeta poderá não ser habitável ou de que, num dia não muito distante, poderemos abrir a torneira e presenciar o vazio atormenta uma parte considerável da população. Em novembro de 2022, ​​um estudo do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde da Universidade do Porto demonstrou que 10% dos estudantes do ensino superior inquiridos experienciavam ansiedade (a chamada ecoansiedade) como reação à crise do clima. No final de 2021, um questionário realizado a 10 mil pessoas de diferentes países concluiu que quatro em cada dez jovens, dos 16 aos 25 anos, hesitam ter filhos devido à crise climática.

Diogo Silva partilha desta angústia, mas acredita que “desistir não é opção”. “O desespero que sentimos em casa, a ver televisão ou a ler o jornal, reduz substancialmente quando fazemos parte da solução. Sabemos que esta luta é muito difícil, que temos poucas probabilidades de conseguir a mudança necessária, mas ela não é impossível. Ao mesmo tempo, há cada vez mais pessoas com consciência do problema e já estivemos mais longe dos objetivos”, analisa o ativista. Quanto ao futuro, a única garantia é a seguinte: “Se não fizermos nada, o problema vai agravar-se.”

Também pode interessar-lhe

Está prestes a terminar a leitura deste artigo, mas não perca outros conteúdos da sua Revista Montepio.