A vida de Fernando Daniel dava um filme. Aos 27 anos, o compositor português está no auge da popularidade. Os dois primeiros trabalhos, Salto (2018) e Presente (2020), foram Disco de Ouro, e o terceiro, V.H.S (Vol. 1), para lá caminha. Falámos com Fernando Daniel horas antes do concerto no Grande Arraial de Benfica, em Lisboa, onde, perante milhares de espectadores, voltou a demonstrar por que razão é um dos artistas portugueses mais acarinhados da atualidade. No palco, o músico impressiona pela empatia com os fãs. Fora, é presença constante nos media, nas redes sociais e nos programas de televisão (The Voice Kids, RTP1). Fernando Daniel é também o protagonista da mais recente campanha de comunicação do Montepio Associação Mutualista, na qual confessa que já está a compor o futuro da filha, Matilde. O que pensa o jovem artista sobre tudo isto?
Nasceste em 1996, mas o álbum V.H.S (vol.1) regressa, visual e criativamente, aos anos 1980 e 1990. Porquê a inspiração retro?
Quando a Matilde nasceu, no final de 2021, eu e a Sara [Vidal, namorada do músico] fomos a casa dos nossos pais procurar fotos antigas, para percebermos com quem [a bebé] era parecida. Quando estou a ver as fotos, comecei a pensar como seria a música em 1996. [Neste álbum], quis inspecionar melhor a música dessa altura e retroceder à década de 1980, para não me focar apenas na década de 1990. Queria fazer um disco com sonoridades mais retro, por isso, criei uma playlist, que partilhei com os produtores com quem costumo trabalhar, e mostrei-lhes a sonoridade que queria explorar.
Existe a lógica do álbum como um todo, em que as músicas têm ligação ao tema central, ou o conceito surge depois, quando já tinhas as músicas feitas?
Quando fomos para estúdio compor, já tínhamos o intuito de criar canções que tivessem influências e afinidades mais vintage. Com exceção da música Casa, que é autobiográfica, todas as outras são genéricas, com letras da minha imaginação. A partir da música Ó Rama, ó que linda rama, que é o interlúdio, as músicas são de um cariz mais familiar, mais pessoal. Foi assim que dividi o disco.
Que bandas e autores te inspiraram?
ABBA e Journey. Depois, fui buscar a parte mais fresh de algumas músicas atuais, mas que se inspiraram, elas próprias, em músicas antigas. Não queria um disco datado, mas um disco com influências dos anos 1980 e 1990 e que não fosse um disco fora de época. Consegui encontrar, com a minha equipa e produtores, um balanço bom.
O que podes dizer-nos sobre o Vol. 2 do álbum?
O Vol. 2 já tem três ou quatro músicas delineadas. Neste momento não estou a compor, porque quero concentrar-me, única e exclusivamente, nesta digressão. Gosto de estar focado numa coisa e dar 100%, não gosto de me desmembrar, de perder o foco. Esta digressão termina com [os concertos no] Altice Arena, no dia 12 de outubro, e no Super Bock Arena, no dia 11 de novembro. Depois, tiro uma semana ou duas de férias e volto para o estúdio para compor o disco, que será lançado entre janeiro e fevereiro de 2024.
O novo álbum manterá o mesmo ambiente retro?
Sim, sim. É o Vol. 2, será o último volume, a não ser que me lembre de lançar um terceiro. Apesar de ter algumas influências retro, vai ser um ponto de viragem, para deixar em aberto o que poderá existir num próximo disco.
A inspiração é um lugar estranho
Como é o teu processo criativo? De onde surgem as músicas?
As músicas dependem do tema. Como tenho os meus pais separados, é mais fácil escrever sobre desamor, sobre mágoas e tristeza quando se viveram coisas que remetem para este tipo de escrita. Nas músicas de amor inspiro-me na minha história, por exemplo com a Sara, em coisas mais felizes e apaixonantes. Para as coisas com um sabor um pouco mais amargo volto aos meus 12, 13 anos, à época em que os meus pais se divorciaram, o porquê do divórcio, como as coisas aconteceram, como era antes do divórcio… Isso permite-me ter letras com que as pessoas se possam identificar facilmente. Por exemplo, as primeiras músicas do V.H.S Vol. 1 são da minha imaginação. Às vezes ouço e preparo uma melodia, uma harmonia, estou ao piano ou à guitarra, e se os acordes forem menores, tento escrever sobre coisas mais tristes. Quando são acordes maiores, tento sempre escrever sobre coisas alegres e vou buscar coisas da minha imaginação. Às vezes gosto de dramatizar as situações, para que a música ainda ganhe mais impacto.
Letra ou música, o que vem primeiro?
Depende. A música Melodia da Saudade, de que as pessoas gostam bastante, tem só piano. Eram duas e tal da manhã e estava ao piano, a fazer os acordes e a melodia. De repente, sinto que a música estava a despertar-me qualquer coisa. E depois escrevi a letra. Há músicas, por exemplo, a canção Prometo — é a música que fiz para a Matilde —, em que primeiro escrevi coisas no meu bloco de notas no telemóvel, sobre ela, sobre mim e o que estava a mudar na minha vida, e de repente tenho ali um texto com coisas bonitas e que transformei em música. Faço os cortes, transformo o texto num poema, e depois a parte musical.
Tens uma grande empatia com o público, nada em ti é artificial. Gostas que te vejam como uma pessoa normal, como o rapaz porreiro que podia ser amigo de qualquer um?
Eu costumo dizer que há artistas, e até acho isso engraçado, que criam “um boneco”. Em palco são uma coisa, mas saem do palco e até o nome muda — e são totalmente diferentes. Com isto não estou a dizer que são boas ou más pessoas. Não vejo muita diferença entre o Fernando Daniel que sobe ao palco e o Nando que é amigo dos técnicos, dos músicos, de toda a gente. Não vejo muita diferença entre o artista e a pessoa.
Já falaste do que queres para 2024. Mas consegues ver-te dentro de 10 ou 15 anos, sabes como evoluirás como artista?
A música está em constante mudança. Não sou muito de acompanhar as modas, faço aquilo que me sinto bem a fazer. Não me vejo a fazer coisas muito diferentes do que estou a fazer hoje. Mas vou-me atualizando, porque não quero ser ultrapassado por continuar a fazer exatamente a mesma coisa e a não ter uma mudança ao longo destes 15 anos. Acredito que estarei a fazer pop, mas os tempos mudam de modo tão rápido que uma pessoa não gosta de apostar e de fazer coisas a longo prazo.
Veja-se os Coldplay, agora.
Sim. Os Coldplay tiveram uma ascensão incrível e tenho pena de não os ter ido ver ao vivo. Gostava de ter percebido como é que um concerto muito mais pop, para massas, [inclui] algumas músicas mais intimistas, não tão comerciais.
Poupança complementar jovem
Faça como o Fernando Daniel, torne o seu filho Associado Montepio e ajude-o a ganhar o futuro
Ser músico, em Portugal, é extremamente difícil. Em que momento sentiste que era possível fazer da música uma profissão?
Sempre quis viver exclusivamente da música e acho que isso faz com que não me lembre desse dia. [Quando era concorrente] do The Voice trabalhava numa loja de animais e despedi-me para ir atrás do sonho. Tinha de estar muito mais perto de Lisboa, porque os ensaios e gravações eram de quinta-feira a domingo. Quando me despedi, tinha a noção de que estava a abraçar um sonho que não sabia se ia correr bem. Senti que foi nesse instante que passei a viver da música, porque apesar de, no início, não ter os recursos que hoje tenho, isso não me deixava menos triste. Gostava de estar a fazer música e a fazer aquilo que me alimentava. Não pagava contas, não vamos ser demasiado poéticos, mas alimentava-me ao ponto de me sentir bem comigo mesmo. Se estou bem comigo, não me importo de fazer mais um esforço. Agora, felizmente, os esforços já não são tantos, ou nenhuns, mas a música continua a mexer comigo da mesma forma que mexia quando era simplesmente um miúdo, quando era um lojista e tinha de me esforçar para trabalhar e fazer as minhas coisas normalmente.
“Tenho um plano B, que é a poupança”
És a cara da nova campanha do Montepio Associação Mutualista. Qual foi a tua primeira reação quanto te convidaram?
Fiquei muito orgulhoso, e explico-te porquê. Já tinha sido parceiro do Montepio através da minha arte: o Montepio patrocina o festival Às Vezes o Amor e tem sempre muito apreço e carinho pela cultura. Quando surgiu a oportunidade de estar associado a quem faz o que faz pela minha arte, e pela minha classe artística, pensei: “Eu faço. Faz sentido e gosto.” Curiosamente, em conversa com o Montepio Associação Mutualista, até lhes confessei que a minha primeira poupança foi lá.
O sucesso e a fama não são duradouros. Pensas muito na tua vida financeira a 10 ou 15 anos? Fazes questão de poupar regularmente?
Sim, faço questão de poupar. Divido o que ganho em três blocos. Um gasto, outro poupo e outro invisto, porque se a poupança é sempre uma coisa que estará lá, um investimento é uma coisa que pode correr bem ou mal. Por isso tenho um plano B, que é a poupança, e acho que se deve fazer este tipo de pensamento porque, lá está, a vida dá muitas voltas. Há três anos, apareceu uma pandemia que nos impossibilitou de trabalhar, e acredito que se não tivesse este pensamento de investimento e de poupança, se fosse só gastar, gastar, gastar, teria passado por uma fase muito complicada.
Que percentagens deixas para cada uma destas três ações: gastar, guardar e investir?
Sou uma pessoa muito poupada. Diria que poupo 50% do que ganho, invisto 25% e gasto 25%. Acho que as pessoas devem realmente pensar em fazer uma poupança.
Qual foi a coisa mais cara que já compraste?
Não sou de grandes luxos. Talvez a coisa mais cara que tenho seja o meu carro. De resto, comprei esta t-shirt numa loja em segunda mão, por cinco euros, as calças custaram-me 20 euros e as sapatilhas são de uma parceria que tenho com a New Balance.
Para os teus fãs que estão a pensar “eu não tenho a capacidade financeira do Fernando Daniel, mas quero criar riqueza, ter mais dinheiro no futuro”, tens algum conselho?
Temos de saber fazer escolhas, aconselharmo-nos com a nossa família e não gastar à toa. Comprar só aquilo que é realmente necessário.
Imagina-te no 18.º aniversário da Matilde, a mostrar-lhe a poupança no Montepio Associação Mutualista. Achas que ficará contente?
Eu quero acreditar que sim. Todo o dinheiro que a Matilde receber nos aniversários, no batizado, na Páscoa e no Natal será sempre para a poupança dela. Vou prepará-la um bocado antes, para ela ter noção do que é o dinheiro e como deve gastar-se, mas não vai ter de passar por aquilo que eu passei: ter de ir trabalhar demasiado cedo para tirar a carta ou para comprar um carro. Se calhar vai ter um grande pé-de-meia para iniciar a vida adulta.
10 perguntas-relâmpago a Fernando Daniel
Andámos às Voltas para Encontrar curiosidades da vida de Fernando Daniel. O compositor português respondeu Sem Medo, por vezes de Memória e Nunca fugiu ao tema. Explicou por que não vai sair de Casa, admite que gostaria de Recomeçar com novos instrumentos, para ir Muito Mais Além na sua obra. Num questionário com Início, Meio e Fim, fique a saber que a paixão pela música é sempre a Dona da Razão.
- Que canção tens de tocar sempre nos concertos?
Sinto que a música Espera vai acompanhar-me para sempre. - Qual é a música que o público mais gosta?
Entre a Melodia da Saudade e Prometo. - Que canção compuseste em menos tempo?
Prometo. Estamos a falar de duas horas. - E qual foi a que demorou mais tempo a sair?
A música Voltas, porque não gostei da primeira versão e tive que fazer outra. Demorou um ano e tal. - Quem te deu o melhor conselho no mundo do espetáculo?
Boa questão… Não foi ninguém do mundo da música, mas a minha família, apesar de não ter vivido os palcos. As minhas irmãs sempre me disseram que se eu sou feliz a fazer aquilo que gosto, o que é meu está destinado a ser. - Nunca cedeste à tentação de morar em Lisboa. Porquê?
Sinto-me em casa na zona de Estarreja, Ovar, e no distrito de Aveiro. Estão lá as minhas raízes. Se viesse para Lisboa não seria tão feliz como sou lá… O estilo de vida é diferente. As pessoas são amáveis, não há tanta confusão, as pessoas têm tempo para olhar na cara umas das outras e estar umas com as outras. Acho que nunca vou conseguir deixar as minhas raízes. - Se o Carlão, a Áurea ou a Bárbara Tinoco tivessem dez anos, de quem gostarias de ser mentor?
Da Áurea, porque é o estilo que se aproxima mais daquilo que eu gosto de trabalhar. - Que instrumentos novos gostarias de ter no teu próximo álbum?
Gostava de explorar um ou outro instrumento típico português, uma guitarra braguesa ou uma viola campaniça. - A pergunta que mais te fazem é: dás-me um autógrafo?
Eu acho que é [risos]. Hoje em dia já é diferente, lá está, os tempos estão a mudar. Hoje é mais: “vamos tirar uma selfie?” - Qual foi a primeira música de outro artista que te lembras de cantar?
Qualquer uma dos ABBA.