inheiro, necessidade de sentir-se útil e de continuar a contribuir para a sociedade são alguns fatores que explicam por que é que, em Portugal, há mais de 200 mil pessoas a trabalhar depois dos 65 anos. Falámos com três destes profissionais e tentámos perceber se adiar a reforma é uma tendência.
Ney da Costa podia ter deixado de trabalhar em 2021, pouco depois de completar 66 anos, mas optou por manter a carreira profissional. “Sinto-me bem e, portanto, continuo a advogar”, afirma o sócio da PRA – Raposo, Sá Miranda & Advogados. Aos 68 anos, e “com os cinco sentidos preservados”, Ney da Costa procura dar à sociedade de advogados de que é cofundador a experiência de muitos anos em tribunal.
Neste momento, explica, a estagiária mais jovem do escritório tem 25 anos. “São 43 anos de diferença [em relação a mim]. Em termos relativos, é quase como a distância da terra à lua”, diz, sublinhando a importância de um advogado sénior poder “transmitir conhecimentos” aos mais jovens, ajudando-os, por exemplo, a fazer recursos ou a corrigir provas. “Hoje, encontramos jovens com muito nível e outros que não deviam estar na advocacia. Mas sempre foi assim.”
Nos últimos anos, com a generalização do trabalho flexível, passou a ver menos os colegas. “Se as pessoas estiverem todas em teletrabalho não há o convívio que o trabalho em equipa pressupõe”, considera. O facto de o trabalho remoto dificultar a partilha de experiências torna ainda mais importante a sua presença na PRA. No entanto, há alguns meses e por motivos pessoais, começou a pensar mais seriamente na reforma. “Gosto disto. Nunca fiz outra coisa, mas há mais vida além da profissão. Gostava de fazer algumas coisas que nunca pude fazer. Não havia tempo, nem disponibilidade, nem dinheiro também.”
Tal como Ney da Costa, em Portugal há 209 mil pessoas com mais de 65 anos que continuam a trabalhar, segundo dados da Pordata relativos a 2022. Um número que tem vindo a aumentar progressivamente na última década – em 2012 eram 111 mil, ou seja, quase metade que na atualidade. Portugal é, aliás, um dos países onde os seniores mais trabalham. Em 2022, de acordo com o Eurostat, o nosso país era o oitavo país da União Europeia com mais cidadãos a manterem a sua vida profissional após os 65 anos. Estaremos perante o início de uma nova tendência social e laboral?
“Sinto-me bem e, portanto, continuo a advogar. [Continuo com] os cinco sentidos preservados”
Porquê adiar a reforma?
“Há muitas pessoas que continuam no ativo por necessidade – precisam do dinheiro. Outras que sentem que ainda podem dar o seu contributo à sociedade e querem manter-se ativas. Isto acontece sobretudo com as que têm níveis de escolaridade mais altos e profissões com menos desgaste do ponto de vista físico”, diz Ana Sepúlveda, presidente da Age Friendly Portugal, uma associação que procura promover a economia da longevidade, isto é, a economia gerada pelas pessoas com mais de 50 anos.
“No nosso país, não olhamos para a vertente económica do envelhecimento”, afirma a responsável. Está provado que o aumento da esperança média de vida gera oportunidades de negócio em áreas como a saúde, a tecnologia ou a moda, por exemplo. Mas não só. “Muitas vezes, existe ainda o preconceito de que o dinheiro das pessoas com mais de 65 anos não tem grande impacto na economia, mas isso é errado.”
Com uma população cada vez mais envelhecida – Portugal é o quarto país do mundo com mais pessoas com 65 ou mais anos, em comparação com o resto da população –, há, segundo Ana Sepúlveda, mais empresas que optam por contratar funcionários nesta faixa etária. É o caso de Flávio Pereira que, aos 66 anos, trabalha em part-time, das 9h ao meio-dia, numa empresa que desenvolve estudos ambientais. O antigo militar foi contratado graças ao projeto 55+, uma plataforma que agrega um conjunto de serviços realizados por pessoas com mais de 55 anos e disponibiliza-os a empresas e organizações.
Atualmente, Flávio Pereira é responsável pelo economato: trata das compras e garante que o material está em condições. “Quando vejo alguma coisa para fazer, resolvo o assunto”, diz. “Todos os dias, troco ideias com alguém e faço contactos, o que me permite estar em constante aprendizagem. Se ficasse parado, o meu cérebro deixaria de pensar.”
Além da satisfação de sentir-se útil, Flávio Pereira diz que, após ter-se reformado há mais de 20 anos, na sequência de um acidente de trabalho, este emprego trouxe-lhe um dia a dia com “um ambiente muito positivo”. Por um lado, sente-se “muito acarinhado por todos”; por outro, tem uma maior folga orçamental ao fim do mês. “As coisas não estão fáceis. Não tenho reforma por inteiro e o dinheiro extra que ganho é bem-vindo. Permite-me, por exemplo, fazer refeições fora mais vezes ou comprar umas sapatilhas de maior qualidade.”
“Todos os dias, troco ideias com alguém e faço contactos, o que me permite estar em constante aprendizagem. Se ficasse parado, o meu cérebro deixaria de pensar”
A readaptação das empresas
O convívio de Flávio com os funcionários mais novos é um dos aspetos de que mais gosta. “É uma equipa jovem com uma extraordinária capacidade de trabalho”, afirma. Segundo Tânia Gaspar, psicóloga clínica e coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, “tem de haver capacidade de adaptação por parte das empresas” para receberem estas pessoas. “É natural que, com a idade, seja necessário adaptar as funções às características de cada um. A rapidez, a memória e o raciocínio não são iguais, mas isso não significa que os mais velhos não possam fazer tarefas mais complexas, como os mais novos. É importante também que, com os anos, se perceba a necessidade de formação contínua”, afirma a especialista. “Sabemos que as pessoas com mais idade têm maior noção do todo e que os mais jovens têm uma visão mais segmentada, aprendendo mais depressa. Por que é que as empresas não aproveitam isto?”
Porém, nem sempre é fácil gerir gerações tão diferentes no mundo laboral. “Fizemos um estudo com jovens até aos 25 anos e com pessoas com mais de 60, e concluímos que se sentem mutuamente discriminados: os mais novos consideram que os mais velhos lhes dão tarefas que não querem fazer, e os mais velhos criticam a atitude de arrogância dos mais jovens, dizendo que não valorizam a aprendizagem”, refere Tânia Gaspar. Muitas vezes, “os mais novos têm mais formação e, por isso, ganham mais, o que é sentido de forma negativa pelos mais velhos”.
De acordo com a coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, para que o envelhecimento seja saudável é necessário identificar os ganhos e as perdas de cada etapa da vida para depois haver maior foco nas coisas boas. “Muitas pessoas não querem deixar a vida profissional porque o trabalho faz parte da sua identidade. E ainda não estão preparadas para buscar outros sentidos de vida.”
“Reformei-me aos 62 anos, com 40 anos de caixa. Como me sentia bem e tinha a possibilidade de ter uma situação económica mais confortável se continuasse a trabalhar, arranjei um espaço. Ia ficar em casa a fazer o quê?”
É o caso de Mário Ferreira que, aos 78 anos e relojoeiro há mais de 50, continua a ir todos os dias à oficina, na baixa de Lisboa. Chega às 9h e fica até ao fim da tarde. Como tem sempre muitos relógios para reparar – trabalha, sobretudo, para colecionadores e lojas que adquirem peças para restauro –, há dois meses decidiu parar de receber encomendas, dado o volume de tarefas que tinha em mãos. “Quando aparecem relógios mais antigos, é difícil arranjar peças. Procuro na Internet mas, como não sei inglês, tenho de pedir ajuda”, conta. Por esta razão, está a equacionar reduzir o tempo que passa na oficina. “Os meus olhos já não são os mesmos e tenho uma tendinite – ando na hidroginástica para ver se passa” diz Mário, que se apaixonou por esta área após o avô tê-lo ensinado, ainda criança, a ver as horas com um relógio de sol e uma estaca presa ao chão.
Antes de criar a sua oficina, Mário Ferreira foi empregado durante 35 anos na Casa Rodrigues, Gonçalves e Neves, considerada uma das melhores da baixa de Lisboa. “Reformei-me aos 62 anos, com 40 anos de caixa. Como me sentia bem e tinha a possibilidade de ter uma situação económica mais confortável se continuasse a trabalhar, arranjei um espaço”, recorda. “Ia ficar em casa a fazer o quê?”
*com Teresa Pereira
MONTEPIO POUPANÇA REFORMA
Como será sua vida quando não tiver de trabalhar?
5 números da reforma adiada
66 ANOS E QUATRO MESES
Idade legal para se obter a reforma em Portugal em 2024
66 ANOS E SETE MESES
Idade legal para se obter a reforma em Portugal em 2025
209 MIL PESSOAS
Trabalham em Portugal depois dos 65 anos
2 423 639
Residentes em Portugal com mais de 65 anos, de acordo com o Censos de 2021
67 ANOS
Idade da reforma na Noruega e na Islândia, os países da OCDE com idades de aposentação mais elevadas
3 638 367
Número de pensões pagas em Portugal, em 2022, pela Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações, segundo a Pordata