Vivo sozinho: como faço para poupar todos os meses?

Vivo sozinho: como faço para poupar todos os meses?
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Fotografias de Rodrigo Cabrita
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er rendimentos extra, controlar as despesas com rigor e procurar uma casa a preços acessíveis são algumas estratégias de quem optou por se tornar independente, tendo um espaço só para si. Em Portugal, há mais de um milhão de pessoas a viverem sozinhas. Como conseguem sobreviver?

Sara Calado vive sozinha há quase sete anos. Primeiro, morou numa casa arrendada. Mais tarde, em 2021, comprou um T2 de 70 m2, com a ajuda da família. “Só assim foi possível”, garante a consultora de comunicação. Mesmo com este apoio, os primeiros tempos foram difíceis. “A prestação bancária associada ao empréstimo era baixa (graças aos meus pais e aos meus avós, consegui dar uma boa entrada), mas como, nessa altura, ganhava 1 000 euros por mês, não me sobrava quase nada. Fazia uma gestão apertada de todos os gastos, numa fase em que os juros do crédito à habitação ainda nem sequer tinham começado a subir”, recorda. A primeira prestação era de 253 por mês, um valor baixo mas, na visão de Sara, com pouca margem de manobra para a poupança. “Na prática era muito difícil poupar, apesar de sentir que, teoricamente, sabia como fazê-lo.”

Naqueles tempos, houve alturas em que chegou a ter medo de consultar o saldo bancário. Não queria confrontar-se com os parcos euros que lhe restavam. “Percebi que isso é um erro e, aos poucos, fui melhorando a relação com o dinheiro.” Criou um documento no Excel para gerir melhor o orçamento e perceber quais as maiores despesas que tinha. “Fazia algumas compras por impulso, sobretudo para a casa e para o gato”, refere. “Acabei por fazer alguns cortes”, conta, acrescentando que, além dos gastos com o apartamento, situado em Moscavide, no concelho de Loures, e consigo própria, tinha também de pagar o seguro e o imposto do carro. “Nunca consegui fazer grandes viagens”, lamenta.

Em 2023, com a subida das taxas de juro, a prestação chegou aos 368 euros mensais. Uma vez mais, pôde contar com a família que, desta vez, a ajudou a amortizar uma parte do crédito. Meses depois, renegociou o contrato e trocou a taxa variável pela taxa mista, fixando assim, em setembro de 2024, a mensalidade em 286 euros. Ao mesmo tempo, a consultora de 34 anos procurou, também, perceber se poderia beneficiar de algum apoio à habitação e candidatou-se a um programa da Câmara Municipal de Loures. “No ano passado, recebia 90 euros; este ano, 70 euros. Dá para pagar algumas contas, como a água ou a luz, por exemplo.” E diz: “Só desde o ano passado comecei a juntar algum dinheiro. Isso coincidiu com uma mudança de emprego – passei a ganhar melhor.”

Voltar para trás? Não é hipótese

Pagar uma prestação de crédito à habitação ou renda é o maior desafio de quem vive sozinho: não há ninguém para dividir a fatura. Como explica João Calado, administrador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e diretor do Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores, as pessoas que moram sozinhas estão mais vulneráveis do ponto de vista financeiro, uma vez que suportam todas as despesas da casa e outras contas associadas, quase sempre sem ajuda. “Podem, portanto, ter menos capacidade de poupar, dado que uma maior proporção do seu rendimento é destinada a despesas essenciais. Isso pode ter um impacto negativo na economia, reduzindo a capacidade de investimento e consumo noutros setores”, explica.

De acordo com dados do INE [Instituto Nacional de Estatística], a taxa de poupança das famílias portuguesas foi de 10,7% no terceiro trimestre de 2024. “É [uma percentagem] abaixo da média da União Europeia, que é de 14,4%”, afirma João Calado. “Considerando esta taxa, é provável que a capacidade de poupança das pessoas que vivem sozinhas seja ainda mais limitada.”

Ainda que ter uma casa só para si seja mais exigente do ponto de vista financeiro, Sara Calado teve esse objetivo no horizonte desde que saiu de casa dos pais, no concelho de Santiago do Cacém, no Alentejo. Nos primeiros anos em Lisboa, como estudante universitária, chegou a partilhar casa com 20 pessoas. Em 2018, já a trabalhar na área do jornalismo, mudou-se sozinha para um T2 na zona de Arroios, também no centro da cidade. “Precisava de dar este passo. Ao fim de seis anos, consegui finalmente encontrar um espaço só para mim, por um preço razoável (450 euros, incluindo as despesas de água e luz)”, recorda. Foi nessa fase da vida que se tornou freelancer. “Em 2021, decidi explorar outras áreas profissionais que me permitissem ter um rendimento para poder fazer um crédito à habitação. Foi assim que me tornei consultora”, lembra.

Com um espaço só para si desde os 27 anos, Sara Calado não se sente sozinha. “A minha casa é o melhor sítio do mundo”, diz, revelando o seu gosto pela jardinagem – tem um pequeno terraço no apartamento. “Às vezes, também gosto de ficar a olhar para o quintal, vejo um filme, leio um livro ou organizo a casa.” Todos os dias, conversa com a família e com os amigos e, de vez em quando, recebe alguns para almoçar ou para jantar. “Atualmente, partilhar casa seria um desafio”, assume. “Gosto muito de estar assim.”

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E se o preço da renda disparar?

Em muitos casos, a solução para quem vive sozinho passa pelo arrendamento. Nessas situações, a instabilidade tende a ser maior, como atesta Ricardo Rodrigues que, neste momento, não sabe se poderá continuar no mesmo apartamento. “Com a morte do meu senhorio, a casa foi herdada por um dos filhos”, explica. “Não o conheço e, por isso, não sei quais são os seus planos para o imóvel. Até agora, não me disse nada. Da minha parte, farei o possível para ficar, porque gosto muito do espaço.”

O preço da renda (650 euros) “é ótimo, quando comparado com o que existe no mercado”, diz. “Tenho um ordenado acima da média e, por isso, este valor corresponde ao recomendado, ou seja, um terço do meu rendimento. Claro que se a renda disparar terei menos margem, o que vai agravar a minha situação financeira.”

Aos 36 anos, depois de ter habitado em quartos e de ter partilhado casa com a sobrinha e uma amiga, mora sozinho num T1 na Penha de França, em Lisboa. “Arrendei este apartamento, com quarto, sala, cozinha e casa de banho, por 600 euros, em 2021. Estávamos em plena pandemia”, conta Ricardo Rodrigues, que é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, mas trabalha atualmente na área antifraude.

Por enquanto, e desde que a renda não aumente, consegue “viver bem o dia a dia”: encomenda comida quando lhe apetece, anda de Uber, paga a uma empregada para lhe fazer a limpeza. Quando quer, recebe os amigos em casa para almoçar ou jantar. “Prefiro gastar dinheiro neste tipo de conforto do que viajar, por exemplo.” Sem meios suficientes para pedir um empréstimo e fazer um crédito à habitação, não está preocupado. “Tudo o que tenho vou juntando mas, por enquanto, não é suficiente para a entrada e para os impostos associados.”

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Rendimento extra para ganhar liberdade

Entre os portugueses que vivem sozinhos – são mais de um milhão, de acordo com dados do Pordata – há também quem opte por fazer trabalhos extra para equilibrar o orçamento. É o caso do designer Manuel Teixeira, de 40 anos, que há uma década tem uma casa só para si. Além do emprego, de segunda a sexta, na área da publicidade, colabora habitualmente com outras duas empresas. Com esses trabalhos, recebe cerca de 200 euros por mês. “É um complemento ao ordenado”, afirma. “Utilizo esse montante para ir de férias ou para fazer algum gasto extra que possa surgir”, conta, sublinhando que sempre prestou muita atenção às despesas. É também, por isso, que revê com regularidade os contratos da luz, gás, televisão e internet. “Às vezes, consigo poupanças de cerca de 30 euros por mês. Ao fim do ano, são mais de 300 euros. É um valor significativo.”

Ao contrário de Sara Calado e de Ricardo Rodrigues, Manuel Teixeira nunca teve de morar com estranhos. Em 2014, quando saiu de casa dos pais, arrendou um apartamento a um familiar por um preço simbólico, e em 2017 comprou um T1 por menos de 100 mil euros, nas imediações de Lisboa. “Hoje é quase impossível ter um apartamento por este valor. Moro num prédio construído em 2007 e tenho garagem.” Tal como faz para outros gastos, também já renegociou o crédito à habitação, atualmente com uma prestação inferior a 300 euros. “Sempre procurei que as minhas despesas tivessem valores que me dessem estabilidade e tranquilidade.”

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Qual o impacto na saúde?

As finanças e a saúde estão interligadas, e viver sozinho pode ter um impacto significativo em ambas. O professor João Calado alerta para que a solidão e o isolamento social são fatores de risco para diversas doenças, o que pode levar a um aumento nos gastos com os cuidados de saúde. “Isso pode resultar numa maior procura por serviços nesta área e, consequentemente, em custos mais elevados, em particular entre os seniores”, destaca.

Existem, ainda, duas consequências indiretas, e nefastas para a nossa carteira, de viver sozinho. O aumento da procura por habitações unifamiliares pode pressionar o mercado imobiliário, contribuindo para a valorização dos preços dos imóveis. Além disso, viver sozinho pode influenciar a mobilidade. “A partilha de veículos próprios torna-se menos frequente, embora o uso de transportes públicos possa atenuar esse impacto”, destaca o especialista.

Mas há também um reverso da medalha e a autora Jane Mathews procura explicá-lo no livro A Arte de Viver Sozinha e Adorar. Discordando do professor João Calado, Mathews afirma que ainda existe algum preconceito em relação a quem mora sozinho, muitas vezes associado à falta de sucesso ou à solidão. “Felizmente, essa perceção está a mudar”, diz. “Somos seres sociais, e todos nos sentimos sós de vez em quando. No entanto, é muito pior sentir-se sozinho dentro de uma relação do que por viver sozinho.”

A autora britânica destaca que este estigma tem vindo a diminuir e que admitir momentos de solidão já não é um tabu nem um sinal de fraqueza. “Vivo sozinha por escolha. Não consigo imaginar partilhar o meu espaço com alguém que não acrescente valor à minha vida ou que não me ajude a crescer. Demora tempo, exige trabalho, mas sou feliz.”

Vive sozinho? 3 dicas para gerir melhor o seu orçamento

Quanto somos a única fonte de rendimento do agregado familiar, todas as despesas recaem em nós. João Calado, administrador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e diretor do Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores, destaca três aspetos essenciais na gestão financeira de quem vive sozinho:

  • Despesas fixas. Representam uma parte significativa do rendimento, sobretudo nas grandes cidades, onde a habitação tem custos mais elevados. “É essencial, por isso, gerir bem as despesas assumidas e garantir que o rendimento disponível é suficiente antes de assumir novas despesas”, recomenda.
  • Fundo de emergência. É fundamental ter algum dinheiro de parte que cubra vários meses de gastos. “Para quem vive sozinho, pode ser mais difícil poupar devido à maior proporção de rendimento destinada a despesas essenciais, mas este esforço é crucial para acautelar imprevistos”, diz o especialista.
  • Gestão das dívidas. Regra geral, as pessoas que moram sozinhas têm uma capacidade de endividamento inferior à de agregados familiares com mais de um elemento com rendimento. “É necessário evitar créditos desnecessários e dar prioridade à liquidação de dívidas com juros mais altos, como cartões de crédito. Renegociar créditos, especialmente o crédito à habitação, pode ajudar a reduzir as prestações mensais, sempre que necessário e possível.”

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