O ato corajoso de lançar um negócio em pandemia

O ato corajoso de lançar um negócio em pandemia
10 minutos
Fotografias de Bruno Barata
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pandemia mudou as nossas vidas, mas houve quem tenha arriscado ir ainda mais longe na mudança. Estas são cinco histórias contadas por quem foi contra a corrente de uma economia confinada e se aventurou no lançamento de novos negócios.

Em Portugal, os níveis de consumo já superam os dos período pré-pandemia, mas o ritmo de criação de empresas ainda está abaixo do ano dourado de 2019. Ainda assim, de uma economia fortemente abalada nasceram negócios de quem não temeu a incerteza – só em 2021 surgiram 41 656 novas empresas, segundo o barómetro divulgado pela Informa D&B. 

Porquê arriscar no desconhecido? A necessidade, o entusiasmo e o sentido de oportunidade são algumas respostas possíveis. Se a pandemia colocou às escuras alguns setores, também lançou luz sobre outros, ditou novos hábitos de consumo e criou tendências. O ambiente e a sustentabilidade entraram na conversa pública com um tom mais sério, o comércio eletrónico, o take-away e o delivery criaram raízes, e a saúde e o bem-estar ganharam nova preponderância social. A Revista Montepio digital foi conhecer pessoas e empresas que se aventuraram neste insondável mundo novo.

Herbes Folles

Cuidar de nós e do planeta

As ervas para as quais Mariana Santos começou a olhar com mais atenção são loucas. Crescem sem pedir licença, em brechas nas paredes, na terra, trespassando o cimento. São as primeiras plantas a abrir caminho após um incêndio. Vulgarmente, são chamadas de “ervas daninhas”. “A nossa relação com elas é injusta”, alega a fundadora da Herbes Folles, uma marca de dermocosmética natural com enfoque em plantas como a urtiga, a tanchagem ou a beldroega.

Mariana Santos lançou a marca em junho de 2020. “Já não dava para voltar atrás. Estava tudo encomendado, as embalagens, tudo”, conta. O lançamento estava previsto para abril de 2020, dias depois do diagnóstico de pandemia pela Organização Mundial de Saúde. A cosmética nunca tinha feito parte do percurso de Mariana, e o empreendedorismo também não. Mas o risco, sempre. “Fui saltitona durante toda a vida – nas casas, nos lugares, nas atividades. Estudei fotografia, teatro, dança, vivi em Bruxelas, numa aldeia perto de Castelo Branco, e agora em Colares. Trabalhei em restauração, fiz teatro, fui modelo vivo. Quando fui mãe, fui viver para o campo e voltei a estudar: cosmética e herbalismo. Tinha espaço e um laboratório onde experimentar.” Foi assim que a Herbes Folles começou a rebentar, em 2017.

Entre testes, escolha de fornecedores e a criação da marca, Mariana investiu todas as economias, entre 60 a 70 mil euros. Mas não ter desenvolvido um plano de negócios foi “um grande erro”, admite. Apesar do crescimento da cosmética natural e do comércio online, “a concorrência é enorme” em ambos os campos e a originalidade do produto não vale por si, refere a criadora. As vendas são, aliás, muito mais expressivas no mundo físico, em lojas parceiras ou cabeleireiros, por exemplo.

“Houve muita gente com uma grande quebra nos rendimentos, e isso teve impacto. Da parte financeira, não consegui recuperar nada. Agora, o feedback e o interesse que tenho são muito bons e esta é uma área que continua a crescer”, salienta.

Mariana Santos conta, desde o início deste ano, com a consultoria de uma escola de negócios. O objetivo é tentar fazer crescer a marca e recuperar as perdas do que correu menos bem. Afinal de contas, a Herbes Folles é “um projeto de amor”.

InKitchen Veggie

Sem mesas nem cadeiras

Catarina Patrão e Paula Simões são duas arquitetas paisagistas que se conhecem desde os tempos de faculdade. “Há quase trinta anos”, arredonda a primeira. Mas havia uma paixão latente e paralela no imaginário de Catarina que também envolvia a paisagem. A própria resume: “Sempre me atraiu o mundo dos vegetais, as cores, as texturas, o desafio que representam.” Nas horas vagas do atelier, decidiu voltar à escola para estudar Gestão e Produção de Cozinha. Seguiram-se uma pós-graduação em Ciências Gastronómicas e algumas experiências de catering a partir de uma “cozinha pequena”.

Quando a pandemia explodiu, Catarina viu-se sem fornecedores – “não havia nada, parou tudo” –, até que um produtor lhe indicou que encontraria as suas aromáticas de predileção no movimentado Mercado de Benfica. “Comecei a frequentar o espaço, a ver o ambiente e algumas lojas vazias… No confinamento, as filas para entrar davam a volta ao mercado. Pensei que se calhar era um bom sítio para apostar.” O alvo era um negócio de comida vegana, saudável e “numa linha diferente” do habitual, voltado para duas modalidades que, se já existiam, montaram acampamento na sociedade contemporânea: o take-away e o delivery (integrado nas entregas do mercado).

O Mercado de Benfica é um dos mais vivos de Lisboa. Catarina estava certa. Com um investimento de 6 mil euros (um misto de capital próprio e recurso ao crédito bancário), no início de 2021 a InKitchen Veggie arrancou entre as tradicionais bancas de frutas e legumes, tanto como negócio como na sua missão de contribuir para uma alimentação saudável e sustentável. Tudo foi estudado ao pormenor, do food cost de cada refeição à etiquetagem e embalagens. “A nossa cozinha é uma espécie de laboratório… Temos tudo pesado, registado, fichas técnicas pormenorizadas, conhecemos todas as margens. As nossas compras não são feitas a olho. Planificamos o número de refeições e agimos em função disso. Essa é a base da nossa gestão.”

“Não deixa de ser complicado”, admite Catarina Patrão. “Há dias em que às 12h30 já está tudo vendido, e outros em que sobram refeições. Por outro lado, estar no mercado implica muito que as pessoas venham cá.” Por este motivo, as empresárias querem dar um salto geográfico. Em breve vão lançar uma loja online com uma equipa de estafetas integrada, apta a distribuir refeições até um raio de seis quilómetros.

A decisão de fazer crescer o negócio também é bastante racional. Apesar de os resultados do primeiro ano não serem extraordinários, a empresa conseguiu fechar o ano com lucro (tendo em conta o projeto de caterings) e há outros “indicadores muito bons”, como “a real aceitação desta linha de alimentação pelas pessoas”, congratula-se Catarina Patrão.

Numa fase em que a restauração levou um golpe duro (o setor da hotelaria e da restauração foi o quarto a registar mais insolvências em 2020), a InKitchen Veggie soube contornar o problema e aproveitar as tendências dominantes. “Nunca tivemos receio de avançar. Somos otimistas e confiantes nas nossas capacidades, o delivery era um modelo adequado e a pandemia não nos podia condicionar, tínhamos de lidar com ela.”

Arca das Artes

A união dos trabalhadores independentes

Se não foi fácil para os trabalhadores por conta de outrem manobrarem os primeiros tempos de pandemia, o que dizer dos profissionais liberais? Tânia Viegas, Felipe Rodrigues e Júlia Pereira são três casos de músicos sem contrato – uma realidade, aliás, muito comum em Portugal – que tiveram de dar a volta à imaginação para poderem continuar a dar aulas de música e a subsistir financeiramente.

Com o primeiro confinamento as videochamadas vieram em força e, de alguma forma, ajudaram a manter a ligação entre formadores e alunos, mas “a maior parte estava desesperada para poder voltar a ter aulas presenciais”, recorda Tânia, professora de canto e membro do Coro Gulbenkian. Foi então que, num misto de necessidade e oportunidade, nove amigos se juntaram para fundar a Arca das Artes, no final de 2020, uma escola onde há música, teatro, sessões de leitura e onde se estimula a criatividade.

“Somos todos trabalhadores independentes e, se já sabíamos, a pandemia tornou evidente que não temos qualquer apoio do Estado [por diferentes razões, os membros da Escola das Artes não conseguiram apoios quando ficaram sem rendimentos]; estamos por nossa conta”, explica Tânia, que acrescenta: “Alguns colegas da nossa área entraram em depressão porque não tinham trabalhos fixos. A nós isso não aconteceu porque falávamos dia e noite para criar este projeto.”

Optaram por criar uma associação, libertando-se assim de obrigações fixas, como um número mínimo de trabalhadores e de salários. Investiram 300 a 400 euros por associado, encontraram um espaço, encetaram parcerias com editoras, outras associações (como a Associação Mutualista Montepio), definiram estratégias e planos de aulas e criaram sessões pensadas para o contexto pandémico. “No confinamento, houve uma busca muito grande por atividades online para crianças, para que os pais pudessem ocupá-las de alguma forma. Nós temos o ‘Quem conta um conto’, que mistura leitura, escrita, teatro e artes visuais, e que teve – e ainda tem – muito sucesso”, afirma Felipe, professor de piano.

“A pandemia tirou-nos do nosso comodismo e deu-nos tempo. Foi a oportunidade de fazer o que desejávamos”, avalia, em retrospetiva, Tânia Viegas. Atualmente, a escola acolhe cerca de 50 alunos e tem 12 professores (10 dos quais de música). Os objetivos de curto prazo são aumentar o espaço, o número de alunos e de valências, integrando outras artes na mesma Arca.

Padel4Move

Do confinamento se fez movimento

Em setembro de 2020, três amigos que costumavam jogar futebol em criança souberam de uma oportunidade imperdível. Os cortes de ténis do imponente Hotel Paraíso, em Albufeira, estavam disponíveis para exploração. “Estávamos em pandemia mas era uma oportunidade que não podíamos perder”, conta Ruben Casimiro, um dos sócios, ao telefone. Em janeiro de 2021, os três retângulos abriram como campos de padel – o Padel4Move –, um desporto em crescimento que permite a interação social com distanciamento físico e, por isso, seguro para tempos conturbados, como avaliaram os empreendedores. Só que a COVID-19 trocou-lhes as voltas: “Estivemos uma semana abertos e depois tivemos de fechar até abril.”

Ao mesmo tempo, a quebra no turismo – com particular impacto no Algarve – refletiu-se de imediato nos campos. “Basta-nos que 1% das pessoas hospedadas no hotel, numa altura normal, venham cá jogar para termos o negócio garantido”, refere Ruben. Só que o hotel acabou por tornar-se, durante meses, um local de silêncio.

Ainda assim, Ruben Casimiro, Luís Leite e Ricardo Maia, que sempre foram mais de futebol mas começaram a entusiasmar-se pelo padel há cerca de dois anos, não se arrependem de terem arriscado. Como empresa ainda não conseguiram atingir o break-even, mas consideram a aposta nos três campos panorâmicos perfeitamente sólida e sabem que é uma questão de tempo até atingirem um saldo positivo. “O padel é um desporto em ascensão mundial e estes campos têm uma localização muito forte, junto a um hotel enorme. Tivemos algum medo, sim, e somos novos nisto, a lutar contra os tubarões do padel. Mas estamos a entrar no mapa e a tornar-nos conhecidos. Não tenho dúvidas de que vai resultar”, afirma Ruben Casimiro. Quanto à pandemia, ninguém sabe onde a bola vai parar.

Nevaro

Uma app para a saúde mental

Francisca Canais e Rita Maçorano são os rostos por detrás da tecnológica Nevaro

Pela cabeça de Rita Maçorano nunca tinha passado a ideia de criar uma empresa. Acontece que, de um trabalho académico realizado durante o curso de Engenharia Biomédica, surgiu a Nevaro, a spin-off que concebeu a Holi, uma aplicação cujo objetivo é acompanhar a saúde mental do utilizador e ajudá-lo a manter o equilíbrio em tempos desafiantes, através de dicas para o dia a dia, todas elas clinicamente testadas.

“Uma imagem que costumamos utilizar para explicar o produto é a chamada bola anti-stress”, refere Rita, fundadora da spin-off em parceria com Francisca Canais.

Numa altura em que os casos de burnout, ansiedade e depressão são cada vez mais falados, o surgimento da Nevaro pode parecer calculado. Mas houve aqui obra do acaso e muito trabalho. A Nevaro começou antes da pandemia. “Durante o mestrado, passámos à fase de testes do produto, no Hospital de Beja, onde conseguimos reduzir em cinco vezes os sintomas de ansiedade”, conta Rita. Estava a correr bem. Em 2019, iniciaram a primeira colaboração profissional, com o Hospital da Luz, mas em março de 2020 o país parou.

“No início da pandemia patinámos, como toda a gente. Interagíamos muito nos hospitais, levávamos headsets para as pessoas e deixámos de poder fazê-lo”, conta Rita. Poderia ter sido o início de uma morte anunciada, mas Rita e Francisca escolheram adaptar-se. O hardware deu lugar a soluções remotas e, em abril, decidiram constituir empresa. “A pandemia fez cair o pano sobre a saúde mental, por isso era uma oportunidade”, reconhece a empreendedora.

Com um trabalho constante de inovação e customização (hoje, a Nevaro trabalha com empresas que pretendem avaliar o estado de saúde mental dos seus trabalhadores), as ex-estudantes embarcaram na aventura do empreendedorismo. Um ano e meio depois da fundação da empresa, a Nevaro está a iniciar um projeto-piloto com uma das maiores organizações privadas portuguesas e tem como objetivo, até final deste ano, trabalhar com pelo menos seis grandes empresas a operar no país.

AM Store: uma montra para os negócios portugueses

Em plena pandemia, também a Associação Mutualista Montepio lançou uma loja online dedicada a produtos e marcas essencialmente portuguesas, a AM Store. Nesta montra do bom que se faz no país, todos ganham: os associados Montepio, que adquirem produtos com descontos substanciais, as empresas portuguesas, que dispõem de acesso direto a uma montra exclusiva de mais de 600 mil associados, e a economia portuguesa, que, a cada transação, se dinamiza e protege os empregos de milhares de cidadãos. Entre aqui na AM Store.

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