á um prazer natural em pertencer a algo maior que nós. Neste artigo, contamos sete histórias de quem contribui para o bem-estar da comunidade ao mesmo tempo que cumpre sonhos e missões de vida.
Humberto Gomes, andebolista
“Era uma loucura jogar no ABC, fazer parte da equipa”
Cerca de 1 700 jogos e 5 000 treinos — talvez mais. Os números da carreira de Humberto Gomes não enganam: além da sorte de ter tido poucas lesões, a longevidade reflete a paixão pela modalidade e por partilhar o balneário com várias gerações de andebolistas. Aos 45 anos, o guarda-redes do ABC de Braga vai cumprir a 35ª época da carreira. “A minha vida tem sido sempre o andebol. Adoro a modalidade e vejo todos os jogos: masculinos, femininos, Liga dos Campeões, andebol de praia, tudo. Gosto muito de competir e de ganhar”, admite.
Humberto Gomes nasceu em Braga, mas emigrou para a Venezuela com dois meses. Regressou à cidade dos arcebispos com 10 anos e um ano depois já praticava andebol na escola. A modalidade foi um fator de inclusão. “Não falava português, só castelhano. O facto de ter ido para a [Escola EB 2,3] André Soares, no 6º ano, e de ter começado a praticar andebol, foi uma ajuda muito grande para me ambientar ao país, às pessoas. Venezuela e Portugal não têm nada a ver”, recorda o andebolista. Para quem nunca tinha visto um jogo de andebol, a modalidade revestia-se de um aliciante: o número de golos por jogo. “Achei o desporto fabuloso porque há incerteza no resultado do primeiro ao último minuto.” O convite para jogar nos infantis do ABC de Braga, o terceiro clube mais titulado do andebol português, não tardou em aparecer, e Humberto foi subindo a escada da formação até atingir o topo, em 1997. “O ABC enviou-me uma carta a dizer que faria parte da equipa sénior. Andei as férias todas com a carta porque os meus amigos não acreditavam. Era uma alegria e uma loucura jogar no ABC, fazer parte da equipa.”
Ainda em 1997, entrou no curso de Engenharia Civil da Universidade do Minho, que só concluiria em 2017 para se dedicar a 100% ao andebol. Andou por Gaia (FC Gaia), Aveiro (São Bernardo), Lisboa (Belenenses e Sporting) e Póvoa do Varzim (Póvoa AC). Foi titular da Seleção Nacional durante anos e participou em dois europeus, no Mundial do Egito, em 2021, e nos Jogos Olímpicos de Tóquio, realizados no mesmo ano.
“Sinto o peso que tenho na equipa”
Como qualquer modalidade coletiva, o sucesso no andebol vive da soma das partes, da equipa como um todo. No entanto, há quem acredite que a posição de Humberto, guarda-redes, é a mais importante da equipa. “Não porque sejamos suprassumos, mas porque a equipa que tem maior eficácia normalmente ganha. Tive um mestre, Paulo Morgado [guarda-redes do ABC de Braga entre 1981 e 2001], que me disse: ‘Não importa se fazes 30 ou 40 defesas. O importante é que faças uma defesa e que a tua equipa ganhe por um golo.’ Sinto o peso que tenho na equipa por ser o mais velho, o mais experiente, e toda a gente espera mais qualquer coisa de mim.” A experiência é um posto e Humberto Gomes sabe que os adversários têm medo dele. “Vejo na cara deles a pressão de terem de rematar contra mim.”
De regresso a casa, Humberto recebe diariamente o calor dos adeptos. É reconhecido na rua, sobretudo quando a equipa ganha, e viu Braga premiá-lo com cartazes na cidade durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. “As pessoas perguntam-me se vou continuar a jogar, o que me magoa um bocadinho [risos].”
É a paixão pelo desporto que faz correr o jogador mais velho da liga portuguesa de andebol. Deixou de ser profissional há quatro anos, aos 41, pois quando acabou o curso começou a trabalhar como engenheiro civil. A mudança não foi fácil. “Os profissionais têm tempo para preparar os jogos e descansar. É completamente diferente ter de acordar às 7h, ir trabalhar e treinar todos os dias ao final da tarde.”
Humberto admite jogar mais dois anos, se o corpo deixar, mas pensa um ano de cada vez. “Vivo o final da carreira com muitas saudades. Mas vou continuar ligado ao andebol porque foram muitos anos de treinos, de ter o cheirinho do balneário. Seja como treinador principal ou como treinador de guarda-redes, irei continuar”, garante.
Lara Guedes de Pinho, investigadora
“Se ganhasse o Euromilhões reabilitava um hospital de saúde mental”
O que faria se ganhasse o Euromilhões? Há quem sonhe com férias permanentes, viagens paradisíacas e carros luxuosos. Lara Guedes de Pinho tem outros planos. “Reabilitava um dos antigos hospitais de saúde mental, que estão ao abandono, e colocava-o ao serviço da população”, garante. A investigadora do Comprehensive Health Research Centre, da Universidade de Évora, lidera um projeto que pretende ser uma alternativa sem medicamentos ao tratamento de depressão na população idosa. O projeto-piloto decorreu no primeiro semestre de 2023 no Hospital Garcia de Orta, em Almada, e será agora replicado em Beja, Évora, Portalegre e Aveiro.
“Em Portugal temos uma população envelhecida e com depressão, sobretudo a partir dos 65 anos e da reforma. Muitas destas pessoas tomam antidepressivos até ao final da vida, não têm acesso a outro tipo de tratamento não farmacológico”, explica a investigadora.
Desenvolvido na Universidade Médica de Hamburgo (Alemanha), o método baseia-se em sessões coletivas de treino metacognitivo que chegaram a Portugal pelas mãos da Universidade de Évora. Se na depressão os pensamentos negativos são frequentes, o objetivo do treino é que a pessoa se foque nos aspetos positivos de uma determinada situação, contrariando assim a tendência depressiva.
Lara Guedes de Pinho exemplifica: “Uma pessoa dá uma festa e todos os convidados elogiam. Mas há um que critica a comida. A pessoa com depressão vai focar-se apenas no comentário negativo, é algo que acontece de modo automático. O treino parte de exercícios práticos do dia a dia para que a pessoa comece a refletir nas situações que lhe acontecem na vida.”
Como tratar a doença invisível?
No primeiro semestre de 2022, segundo o Infarmed, os portugueses compraram 59 732 embalagens de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos por dia. Portugal é, aliás, o segundo país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) com maior consumo de antidepressivos e o primeiro na utilização de ansiolíticos.
Porque é que isto acontece? “Temos muito poucos recursos na área da saúde mental e da psiquiatria”, explica Lara Guedes de Pinho. “Devíamos ter profissionais capacitados para promover a saúde mental nos cuidados de saúde primários e não temos. Promove-se a saúde física, mas não a mental.”
Normalmente, quando os primeiros sintomas da doença começam a revelar-se, a pessoa vai ao centro de saúde e o médico de família prescreve um antidepressivo ou ansiolítico. A exceção são as unidades de psiquiatria de Lisboa, Porto ou Coimbra. Mas mesmo estas unidades focam-se na doença mental grave, como a esquizofrenia ou doença bipolar, e não na depressão.
“Quando uma pessoa parte uma perna faz reabilitação, e o mesmo devia acontecer com a doença mental. As doenças psiquiátricas não se veem, não estão nos exames”, esclarece a investigadora.
É aqui que entra o treino metacognitivo desenvolvido pela Universidade de Évora, que consiste em oito sessões de grupo, uma vez por semana. Em Almada, porém, foram realizadas 14 sessões porque houve necessidade de explicar melhor os exercícios. As sessões foram lideradas por Bruno Morgado, estudante de mestrado em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, e Carlos Balau, enfermeiro especialista em Saúde Mental e Psiquiatria do próprio hospital.
Os resultados foram animadores. “Desde a melhoria da interação social de todos os participantes, pela coesão de grupo que se formou, até à melhoria da motivação no dia a dia (…), nas diferentes vivências partilhadas”, pode ler-se no relatório de estágio de Bruno Morgado. “O estudo-piloto demonstrou que o treino metacognitivo diminui os sintomas depressivos e melhorou a autoestima”, acrescenta Lara Pinho de Guedes.
O prazer de ajudar as pessoas
Licenciada em Enfermagem, área em que trabalhou durante 13 anos, Lara Guedes de Pinho nunca deixou de estudar. Fez duas pós-graduações, um mestrado e dois doutoramentos: o primeiro em Psicologia e o segundo em Enfermagem e Saúde. A ligação à saúde mental surgiu como uma “vontade pessoal de fazer algo em prol das pessoas”.
“É aquilo de que gosto e que me dá prazer em trabalhar. Era enfermeira e pagava para fazer investigação. Gosto de poder ajudar estas pessoas a ultrapassarem a depressão, porque é uma doença que está muito esquecida e não é visível. É um desafio grande, mas conseguimos ajudar”, conclui.
Frankie Chavez, músico
O homem dos sete instrumentos
Há uma música do último álbum de Miramar, o projeto que junta os guitarristas Frankie Chavez e Peixe, que surgiu da improvisação. “Estávamos a ensaiar. Eu começo a fazer uma coisa e o Peixe outra. De repente, digo-lhe: ‘Começa a gravar!’”, recorda Frankie Chavez.
À melodia que saía do lap steel acústico de Frankie Chavez, Peixe respondia com acordes. “Como que por magia”, explica este último, “sempre que eu mudava de acorde ele acompanhava com a melodia perfeita”.
“A isto chama-se simbiose”, recorda Frankie Chavez. “Saiu tão bem, sem ter sido pensado. Tivemos, inclusive, que reaprender o que foi feito de improviso.” A música, Cavatina, não sofreu mudanças até chegar ao álbum.
Frankie Chavez não tem dúvidas: “As músicas crescem quando há mais músicos envolvidos. Uma ideia que era para ser uma coisa pode vir a ser algo maior e melhor”, revela.
Para Frankie Chavez, a parceria com Peixe, que já vai no segundo álbum, retirou-o, ainda que parcialmente, da solidão de compor sozinho. “[No projeto Miramar] cada um entra com metade das músicas. Depois fechamo-nos numa casa durante três dias, exploramos e gravamos as nossas ideias. Gravamos de forma rudimentar, só para registar ideias, e replicamos em estúdio”, explica.
Um músico com várias caras
Frankie Chavez tem muitas vidas. É Francisco Chaves, o caçula de quatro irmãos que, aos seis anos, simulava tocar guitarra com Bruce Springsteen, David Gilmour e Mark Knopfler. É o jovem estudante de Marketing que se cruzou com Tiago Bettencourt, dos Toranja, e tocava em bandas de garagem aos 19 anos. E é, claro, Frankie Chavez, nome escolhido pelo produtor Francisco Faria, em 2010, para o seu primeiro EP.
O percurso a solo começou nesse primeiro álbum, lançado pela Optimus Discos. Cansado de fazer parte de uma banda que não funcionava, pegou nas músicas e arriscou no formato one man band: tocava guitarra, fazia percussão e cantava. Nos primeiros tempos, quando estava sozinho em palco, não se notava a ausência de outros músicos, tal era a variedade de instrumentos, sobretudo guitarras, com que nos presenteava.
Nesses tempos lançou Family Tree (2011), Heart & Spine (2014) e Double or Nothing (2017). Porém, no mais recente álbum, Alcântara (2023), Frankie rodeou-se de outros talentos para fazer um disco no qual, pela primeira vez, canta em português.
“As músicas foram compostas por mim, mas tiveram inputs do João Correia, do Paulo Borges, do António Quintino e do Nuno Rafael, que foi o produtor. Muitas delas evoluíram para outro lado”, afirma o compositor. “O Nuno Rafael [Peste & Sida, Humanos ou Sérgio Godinho, a quem roubámos o título deste texto] teve muita influência nos tons, na métrica. É claro que 1+1 dá 3, 4 ou 5. Não nos ficámos pela ideia original, como no meu primeiro EP.”
A música é maior que nós
Sozinho, acompanhado da banda ou de Peixe, o músico percorre Portugal de norte a sul há mais de duas décadas. Apesar de ter começado a fazer música para ele próprio, Frankie Chavez admite que subir a um palco é uma sensação indescritível. “É espetacular, uma coisa inacreditável. Sobretudo quando há interação e percebemos que as pessoas à nossa frente estão connosco”, garante. A cereja no topo do bolo é quando alguém admite que “aquela música não é indiferente, que lhe mudou a vida”. “É muito gratificante saber que consegui influenciar uma pessoa.”
Rewind para 1991. O guitarrista espanhol Vicente Amigo, 24 anos, apresenta-se no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa. Na assistência, Francisco Chaves arrepia-se. “Senti uma epifania. Queria conseguir fazer aos outros o que aquele guitarrista estava a fazer-me, que era sentir uma eletrificação no corpo todo, quase de lágrimas nos olhos sem saber porquê.” Trinta e dois anos depois, o miúdo que se emociona num concerto de Frankie Chavez ou Miramar formará uma banda?
Teatro da Garagem
O clube dos vivos
Já lá vão quase 20 anos de clubes do Teatro da Garagem (TG). Nasceram a pedido das ruas, dos miúdos que apareciam a pedir atenção, do entrosamento no bairro. “Havia um espetáculo no qual, todas as noites, uma cena vinha para a rua. Era engraçado porque os miúdos dali começaram a vir ter connosco e a andar atrás de nós de bicicleta. A dada altura, o espetáculo já não fazia sentido sem eles”, conta Ana Palma, coordenadora do serviço educativo do Teatro da Garagem. Então surgiu a pergunta: porque não criar um clube? “Foram as pessoas que pediram, que precisaram, e o teatro existe para as pessoas.”
Em 2023, as pessoas continuam a querer fazer parte de algo mais do que a rotina casa-trabalho-casa. “No pós-pandemia, sentimos que os adultos precisavam desesperadamente de nós, foi uma explosão de pedidos”, relata a profissional, no TG desde 1999. Hoje, há 20 adultos e 15 crianças e jovens a fazer teatro nesta casa da Costa do Castelo, em Lisboa. Juntam-se todos os sábados para aprender, ler, ensaiar, conversar, gritar, trocar ideias, mas também para muito “trabalho físico e duro”. Assim que se aproxima o dia do espetáculo, os ensaios multiplicam-se pela semana. O teatro é assim, um compromisso.
Mas porquê trocar o tempo livre por uma atividade que exige esforço e não é remunerada? Porque “este é um espaço de concretização do ser humano, um lugar onde ele se pode cumprir”, arrisca Ana Palma. Ao contrário do que acontece fora das paredes deste teatro, aqui o erro não só é permitido como “é fundamental”. “Estamos sempre a pensar punir o falhanço e as pessoas ganham o medo da bola à trave. Aqui não. Estão todas na mesma posição. E, mais do que o espetáculo para o qual se ensaia, o que conta é o processo, como agimos com o outro, o que aprendemos com ele.”
Maria Rita Malheiro, de 16 anos, vem todas as semanas da Amadora para o bairro do Castelo alimentar este processo. Começou a fazer teatro no TG aos 8 anos, incentivada pelos pais, depois parou para se dedicar aos estudos (tem o Curso Profissional de Teatro, do Instituto para o Desenvolvimento Social) e no ano passado regressou. Apesar da pausa, as coisas que lhe disseram no clube quando era criança cresceram consigo. “No teatro, as pessoas puxam muito umas pelas outras e aprende-se a viver em sociedade. Nos exercícios que fazemos precisamos sempre do outro, nada se faz sozinho. Hoje percebo o quão importante foi para mim estar com pessoas mais velhas quando era criança, ouvir outras perspetivas. Passados todos estes anos, é a minha vez de fazer o mesmo com os mais novos e de voltar a sentir isso a acontecer comigo. Todos os sábados, levo daqui uma lufada de ar fresco”, relata.
A descoberta é um estímulo que dificilmente acontece em quartos vazios. Mesmo para Sónia Castro, que faz teatro amador há 27 anos, a evolução no teatro continua. “Quando conheci este novo encenador [Tiago Vieira], foi como se tivesse começado do zero. Os meus amigos perguntam-me se não me desmotivava estar no teatro há tantos anos e depois sentir andar tudo para trás. Mas, pelo contrário, dá-me muita motivação. É sinal que ainda tenho coisas para aprender.”
O teatro amador, ainda assim, exige um elevado grau de compromisso, com dezenas de noites e fins de semana fora de casa e muito trabalho árduo. O esforço compensa? “Não faço dinheiro com isto, mas faço muitas outras coisas. É aqui que encontro a minha felicidade, é casa, é onde me sinto eu, onde sei que não me vão julgar. E acho que as outras pessoas que aqui estão sentem o mesmo. Por isso, estar aqui é uma forma de liberdade”, responde Sónia. Ao mesmo tempo, é um ato de resistência nos tempos que correm, já que “aproxima e luta contra o individualismo”. Nas palavras de Ana Palma, permite “sentir que somos todos feitos da mesma massa”. “Se todos tivessem consciência disso, não existiriam problemas graves como a discriminação, o racismo ou a xenofobia”, explica.
Definição possível de grupo: lugar de compreensão
Hoje é sábado, dia de ensaio. Através da janela ampla do TG, Lisboa parece parada. Cá dentro, no entanto, tudo mexe. Sónia toca no braço de João, João toca na mão de Ana, Ana olha nos olhos de Tiago. Não interessa de onde vêm ou o que fazem. Estão aqui com um interesse comum e de corpo inteiro. “No trabalho demorei muito tempo a dizer que era gay. Aqui foi natural falar no meu namorado. Disse e pronto”, explica Alexandre Neves, de 35 anos, que veio do Brasil para tirar um mestrado em Gestão e Marketing e ficou em Lisboa a trabalhar. O “machismo, patriarcado e sexismo” que sente no local de trabalho não entram pela porta do TG. Aqui não é uma carta fora do baralho, como acontece noutras esferas da sociedade.
“Sinto-me incompreendido noutros grupos, como a família ou alguns amigos. Não é por questões religiosas ou de outra ordem, é só porque no teatro as pessoas são mais como eu, mais livres. Fazer parte deste grupo liberta-me”, conta. Quando conheceu outras pessoas através do teatro, ainda no Brasil, esta também foi a porta para um novo mundo de possibilidades. “Cresci num lugar onde as pessoas à minha volta esperavam que estudasse, casasse, etc., e não que mudasse de país ou tivesse outra vida. Foi no teatro que me mostraram que podia ultrapassar as barreiras do lugar de onde vinha, que não havia limites. E aqui, em Portugal, sinto que estou a continuar esse caminho.”
Associação Renovar a Mouraria
Há 15 anos a renovar a vida de bairro
A história da Mouraria também é uma história de comunidade. Começa com o encontro de culturas que lhe deu o nome (entre muçulmanos e cristãos, no tempo de D. Afonso Henriques); faz-se da arquitetura do bairro, com ruas estreitas e casas pequenas que desafiam o conceito de privacidade e colocam as pessoas no espaço público; e continua hoje com os desafios da imigração, da habitação e das desigualdades sociais.
Há quase 20 anos, um grupo de amigos e moradores do bairro quis combater o abandono desta zona central de Lisboa. A Mouraria era “um território proibido, abandonado, pobre e esquecido, sem investimento nem reabilitação. Depois, havia um problema económico muito sério, porque as pessoas não vinham para aqui porque tinham medo e muito do comércio estava em vias de falir”, lembra Inês Andrade, cofundadora da associação que há 15 anos se formou para melhorar as condições de vida no bairro, a Renovar a Mouraria.
Sem a união destes vizinhos empenhados e das centenas de voluntários que se foram aproximando do seu trabalho – incluindo o Montepio Associação Mutualista –, o rumo e os resultados da Renovar a Mouraria teriam sido muito menos expressivos. De um pequeno grupo informal, a associação passou a empregar 19 pessoas a tempo inteiro, conta com dezenas de prestadores de serviços e uma rede de mais de 300 voluntários, tendo-se tornado uma das maiores referências da cidade na integração de migrantes. “Sem a colaboração de todos, isto nunca funcionaria assim”, admite a responsável, recordando o ano de 2012, quando abriram a casa do Beco do Rosendo ao público, como espaço de ação: “Estávamos a reerguer este edifício e faltava-nos dinheiro para concluir a obra. O encarregado já nos tinha dito que não ia avançar mais, até que recebemos um donativo…”, lembra a dirigente. O donativo foi do Grupo Montepio, que hoje se mantém como um parceiro da associação (ler “Cuidar do bairro e montar um arraial”). “O Montepio colabora connosco praticamente desde o início, de um modo regular. Na ação mais recente, ajudou a montar o arraial, a compor canteiros, a cuidar do espaço. Recebemos voluntários de muitas organizações. E é preciso que seja assim. É preciso as pessoas envolverem-se. Quanto mais estas parcerias se fortalecerem, melhor é para todos”, afirma Inês Andrade.
A partir de 2012, “o bairro começou a mudar”. Surgiram cursos de português para migrantes, um serviço de apoio ao estudo, um gabinete de cidadania e iniciativas culturais como rondas musicais pelo bairro ou o Migrantour, visitas turísticas guiadas por migrantes de diferentes partes do mundo. Mas o mais importante em 15 anos de atividade não foram as metas concretas alcançadas. Para a responsável, a grande vitória da Renovar a Mouraria é mais abrangente: “Foi as pessoas perceberem que se podia fazer alguma coisa, terem começado a acreditar que era possível mudar.”
Cuidar das ruas e montar um arraial
Fazer parte da sociedade implica viver e conhecer as suas fragilidades. Ciente desta noção de pertença, o Grupo Montepio cumpre desde 2007 o seu programa de voluntariado corporativo, colaborando com diferentes organizações do país através de uma bolsa de 1 300 voluntários. No Dia do Voluntariado deste ano, a 12 de maio, foi a vez de 23 trabalhadores doarem o seu tempo à Renovar a Mouraria. Arranjaram floreiras, montaram uma cobertura para sombra, plantaram novas espécies, construíram abrigos para insetos e ninhos e produziram material para o arraial de Santo António no bairro.
“Este dia tem um significado muito importante para nós”, afirma Margarida Andrade, administradora-executiva da Montepio Gestão de Activos e dinamizadora do Dia do Voluntariado na associação Renovar a Mouraria. “É o dia em que recordamos o nosso ADN, a nossa identidade, tudo aquilo para que trabalhamos no nosso dia a dia. Pertencemos a um grupo cujo objetivo máximo é entregar ao nosso acionista – o Montepio Associação Mutualista – resultados para que os distribua pelos associados, através da remuneração das modalidades mutualistas, mas também através de iniciativas de ação social. Só por isso, somos diferentes dos demais grupos financeiros no setor”, refere a administradora.
Associados Montepio
Juntos ficamos mais fortes
O tempo é, muitas vezes, o grande entrave para a ação comunitária, o voluntariado e o associativismo. No mundo contemporâneo, em que a vida urbana implica longas deslocações, os empregos têm horários rígidos e as famílias estão divididas, encontrar algumas horas por semana para uma atividade extraordinária que não seja praticar desporto, ir ao teatro ou simplesmente brincar com os filhos pode ser uma aventura desgastante. Mas há formas de fazer parte de uma comunidade ou grupo social que permitem manter a flexibilidade intacta, como ser-se Associado Montepio. Foi o que Joana Costa Silva e a família decidiram fazer.
Joana tem 40 anos e é Associada desde 2007, ano em que começou a trabalhar como farmacêutica. Fê-lo pelo acesso facilitado a várias áreas, das finanças à saúde, mas também pelo lazer e cultura que as experiências Montepio lhe ofereciam. “Sempre participei nas atividades da Associação. Conheci-as através da revista Montepio, quando chegava a casa pelo correio. Era giro ver o que as pessoas faziam e perceber tantas coisas interessantes que nós, como associados, também podíamos fazer”, conta.
Quando os filhos, Gabriel de 13 anos e Oceana de 9, nasceram, Joana não teve dúvidas: não só abriu contas-poupança para ambos no Montepio como os fez associados. Desde então, “já foram ao Festival Panda, vão quase todos os meses ao cinema, ao teatro, a passeios, caminhadas…”, enumera a farmacêutica.
Para Sérgio Paulo, companheiro de Joana, ser Associado é uma forma de “estar por dentro do que se passa”. “Depois, há seguros, está tudo programado e as oportunidades são mais valiosas”, diz Sérgio, ao que Joana acrescenta: “Por exemplo, quando fomos ao teatro ver o Feiticeiro de Oz puderam ir ao backstage, coisa que se fôssemos sozinhos era muito difícil de acontecer.”
Por outro lado, é através destas experiências coletivas que Joana e Sérgio, que sentem ter poucos amigos em Lisboa (ambos são naturais do norte do país), conhecem pessoas e criam amizades. O mesmo se aplica aos filhos. “Para os miúdos isto é muito importante. Depois da pandemia, eles mudaram alguns comportamentos e deixaram de querer sair de casa. Isto é uma forma de os levar a fazer coisas e de estarem com outras pessoas. Sermos associados é uma maneira de não nos isolarmos, e para o desenvolvimento deles isso é muito importante.”
O voluntariado em Portugal
695 mil residentes em Portugal com 15 ou mais anos praticam (ou praticaram pelo menos uma vez) voluntariado. O número foi encontrado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2018 , num inquérito especial ao trabalho voluntário.
15 a 24 anos é a faixa etária na qual as pessoas se dedicam mais a atividades voluntárias em Portugal.
15,1% dos voluntários encontrados no mesmo inquérito do INE tinham o ensino superior, sendo que a participação no trabalho voluntário aumenta progressivamente com o nível de escolaridade.
31 mil coletividades estão registadas em todo o país.
Fernando Daniel, músico
“Não me custa apoiar talentos”
Nos próximos meses, o músico e compositor Fernando Daniel vai inaugurar uma escola de música para jovens desfavorecidos. O nome do projeto ainda não é oficial, mas o local já existe: as antigas instalações da discoteca Pildrinha, no Furadouro, Ovar. “Sempre quis abrir uma escola de cariz solidário social”, explicou o jurado do programa The Voice Kids (RTP1) à revista Montepio.
A escola vai oferecer 10 a 20 bolsas anuais a jovens que querem prosseguir os estudos musicais nas disciplinas de canto, guitarra, piano, baixo e bateria. Para beneficiarem das bolsas, os jovens terão de acumular talento e dificuldades financeiras — haverá alunos que não pagarão nada e outros apenas metade. “Não deve ser pelo facto de as coisas não correrem bem a nível monetário que [estas crianças não podem sonhar com música]”, defende Fernando Daniel, que admite ter conseguido singrar na música devido à persistência, mas há quem não tenha feitio para isso.
“Quando era criança, os meus pais não tinham possibilidade de me colocar numa escola a aprender música. Na altura, o foco era outro: era a família, pagar as contas”, explica o autor de V.H.S Vol. 1. “Não me custa nada ajudar estas famílias e não me custa apoiar talentos. Se as crianças tiverem realmente talento, vão frequentar a escola”, frisa.
The Voice Kids no Furadouro
Para garantirem a bolsa de estudo, os jovens vão ter de passar por uma audição para comprovar o talento. Uma espécie de The Voice Kids em ponto (ainda mais) pequeno. “Quero ajudar estes jovens. Tenho essa possibilidade, por isso não me custa fazê-lo.” Os professores da escola serão os músicos que acompanham Fernando Daniel em estúdio e nos concertos ao vivo.
Além da escola de música, a infraestrutura albergará um estúdio de produção musical, um museu, uma sala de ensaios, uma produtora de vídeo, um estúdio de locução e dobragem e uma sala para concertos intimistas, numa área total de 700 a 800 metros quadrados. Vai ser neste espaço, por exemplo, que Fernando Daniel irá ensaiar com a sua banda e preparar as tournées.
O espaço vai ter ainda um ginásio, uma cozinha e uma área de alojamento para músicos. Haverá também três régies: duas de música e uma de vídeo. Além de aulas de música e concertos, a área vai receber workshops, sessões fotográficas e servirá de cenário para videoclipes.
A escola de música devia abrir em 2023, mas as obras derraparam e o mais provável é que os jovens da região de Aveiro tenham de esperar por 2024 para cumprirem os sonhos. Os deles e o de Fernando Daniel.
5 momentos da história em que a união fez a força
1605: Direito à informação
A civilização romana terá sido uma das primeiras a criar o conceito de “diário”. A Acta Diurna era uma peça em metal ou madeira que se afixava no espaço público e na qual, diariamente, se divulgavam as notícias e eventos importantes do dia. Mas a invenção da imprensa veio mudar tudo e acrescentar uma possibilidade de labor coletivo em torno da peça que resiste hoje como jornal. O alemão Relation Aller Furnemmen Und Gedenckwurdigen Historien é considerado o primeiro jornal da história, segundo a Associação Europeia de Jornais. Foi fundado em 1605 e a tradução do título é inspiradora: Relato de todas as histórias ilustres e memoráveis.
1761: Direito à liberdade
Sob uma forte pressão social, com a Igreja a assumir protagonismo, em 1761 D. José mandou libertar todos os escravos negros que chegassem a Portugal vindos da América, África ou Ásia. É um dos episódios mais marcantes do abolicionismo, que tomou força em vários pontos do mundo para que se alcançasse o fim generalizado da escravatura.
1893: Direito ao voto
O movimento das sufragistas provou o poder da determinação e do coletivo para alcançar vitórias sociais e políticas, mudando o rumo da humanidade. Iniciado na França do século XVIII, tornou-se uma luta mundial pelo voto das mulheres, tendo a Nova Zelândia sido o primeiro país a estabelecer este direito fundamental em 1893.
1970: Direito ao orgulho
A 28 de junho de 1970, Nova Iorque, Chicago e Los Angeles, nos Estados Unidos, receberam as primeiras marchas do orgulho gay do mundo. A luta pela liberdade individual e pelo respeito pelas minorias LGBTQ+ fez-se, e continua a fazer-se, no coletivo.
1974: Direito à democracia
Quando falamos do 25 de Abril podemos destacar o nome de Salgueiro Maia, mas a revolução nunca teria sido possível sem o esforço comum e duradouro de todos os que se insurgiram contra anos de ditadura, desde os intelectuais presos na cadeia do Aljube aos surrealistas que espalharam escritos pelas ruas ou aos operários e agricultores que se recusaram a continuar.