Arrendar para comprar: oito dicas para não ficar sem teto
Há alturas na vida em que as famílias enfrentam a necessidade de mudar de casa, sendo que a opção mais natural passa pela compra de uma nova habitação. Os motivos são vários: a família está a crescer, o espaço já é pequeno para as necessidades ou porque é preciso mudar de localidade por motivos profissionais, entre outras razões.
Habitualmente, o mais lógico passará por vender a casa onde vive atualmente e, com a verba que receber, financiar a aquisição da nova habitação, continuando a ser proprietário. Mas há uma outra possibilidade, que é mais tentadora, pois permite ficar dono de duas casas: a nova para habitar e a atual para arrendar. Deste modo, obtém rendimento para, todos os meses, pagar a prestação do crédito da casa que vai comprar.
Tendo em conta a atual dinâmica do mercado imobiliário, é uma opção apelativa. Além de reforçar o património, pode até conseguir aumentar o rendimento da família, mesmo que à custa do aumento do endividamento. Contudo, é também uma opção mais arriscada, pelo que deve ser feita com todo o cuidado. É necessário estudar minuciosamente as implicações, sobretudo financeiras, antes de decidir avançar com esta alternativa.
Arrendar para comprar: prós e contras
Para ajudá-lo nesta modalidade de arrendar para comprar, listamos neste artigo um conjunto de dicas e alertas para que possa tomar a melhor decisão e não arriscar ficar sem teto. Aprofundamos também as vantagens e inconvenientes de passar a ser senhorio, para que não seja apanhado de surpresa.
Para melhor nos aconselhar, contámos com a ajuda da CEO da RE/MAX Portugal. Beatriz Rubio concorda que esta estratégia de arrendar uma casa para financiar a aquisição de outra “faz sentido” e admite que tem sido “seguida por alguns proprietários, sobretudo nos últimos anos”.
“Os montantes que recebem das rendas tendem a superar a soma do custo do crédito à habitação e do custo de oportunidade: com o mesmo montante, [podem] aplicar noutro ativo”, explica a especialista em mercado imobiliário.
Contudo, esta estratégia “exige análise e ponderação”, pelo que é fundamental que avalie todas as variáveis e faça as contas aos custos e receitas que estima ter com esta modalidade de arrendar para comprar. “Não podemos esquecer a enorme carga fiscal sobre a habitação em Portugal, muito superior à registada noutros países europeus, as dificuldades por incumprimento dos arrendatários, as despesas de manutenção e as obrigações legais dos senhorios”, resume Beatriz Rubio, mencionando alguns dos temas que vamos aprofundar em seguida.
Estude bem o crédito
O valor da prestação do crédito que vai contrair para comprar a sua futura habitação permanente é essencial para determinar o potencial sucesso da estratégia. Se ainda tem o crédito à habitação da primeira casa como despesa mensal, saiba que as condições associadas a um segundo crédito poderão ser mais desfavoráveis.
“O interessado terá de considerar que o spread bancário será mais elevado e o montante concedido será menor, face ao crédito para primeira habitação”, alerta Beatriz Rubio, salientando que “só o contacto com várias dessas entidades, e boas simulações, poderão aferir sobre o impacto deste fator”. Um agravamento muito forte do spread pode inviabilizar a estratégia de arrendar para comprar. Mas só depois de recolher todos os dados deve tomar uma decisão.
Não é só o valor da prestação que interessa. Deve estudar o impacto da subida das taxas de juro no valor que tem de pagar ao banco todos os meses. As simulações dos bancos contêm os cenários mais plausíveis, pelo que deve analisá-los cuidadosamente. Até pode considerar interessante a prestação com a atual taxa de juro do mercado. Mas se a Euribor der um salto, o valor da prestação pode atingir níveis que considere incomportáveis para o valor da renda que espera obter com a casa atual.
Atenção aos impostos
Os impostos são sempre uma condicionante relevante em qualquer análise deste tipo. Pode usufruir de isenção de IMI da casa que vai comprar, mas a que habita atualmente perderá esse benefício, se ainda tiver direito a ele, por passar a ser considerada habitação secundária. Nesse caso, apure o valor que terá de pagar anualmente de IMI e divida por 12, para juntar à parcela dos custos mensais que terá com esta opção de ficar com duas habitações.
Tem ainda de contar com o IRS que vai subtrair ao valor bruto que o seu inquilino lhe pagará todos os meses. As rendas em Portugal pagam uma taxa especial de 28%, que pode ser mais reduzida em função do prazo do contrato, existindo também a possibilidade de englobar o valor das rendas no rendimento total, caso seja vantajoso.
Faça conta a todos os custos
Já tem na sua posse o valor provável da prestação do crédito à habitação (e como pode variar) e os impostos (IMI e IRS) que vai ter de suportar por arrendar a sua casa atual. Mas há mais custos, sendo muito importante juntá-los todos para avaliar as implicações desta modalidade de arrendar para comprar. Na sua análise, até pode deixar de lado os custos relacionados com a compra da nova casa (teria sempre de os suportar), mas é relevante saber com o que pode contar. Tem de pagar IMT, Imposto do Selo, o valor da escritura, os seguros multirriscos e de vida.
No que diz respeito ao arrendamento, a CEO da RE/MAX Portugal chama a atenção para as “despesas de aquisição e manutenção”. Além disso, “se a habitação pertencer a um condomínio, terá o encargo mensal da quota” e “se recorrer a uma mediadora imobiliária, deverá considerar os honorários a pagar”. Pode não ser fácil calcular as despesas de manutenção, mas como mora atualmente na casa tem uma melhor noção de qual o seu estado e quais podem ser as exigências dos inquilinos.
Note também que uma casa com recheio (mobiliário e eletrodomésticos) é mais fácil de arrendar por um valor superior. No entanto, se for essa a sua opção, terá custos adicionais para a sua casa futura, a menos que também compre uma casa mobilada.
Neste ponto são vários os custos que só terá uma vez, mas é importante que tenha em conta todas as despesas extra que esta opção implica. Podem ser relevantes para tomar a decisão final.
Estude bem o mercado imobiliário
Depois de apurados todos os custos, é hora de fazer contas às receitas, ou seja, a quanto pode render a opção de colocar a sua casa no mercado de habitação. É só uma rubrica, mas fundamental para este exercício. “A localização do imóvel é dos mais importantes fatores, pois o que mais determina o valor e a valorização de um imóvel a longo prazo, assim como o valor-base da renda, é a sua localização”, salienta Beatriz Rubio.
Estude bem o mercado do local onde pretende passar a viver para avaliar o valor que terá de pedir ao banco para o crédito à habitação. Se a casa que vai arrendar não pode mudar de local, já aquele que vai habitar pode mudar consoante os valores do mercado imobiliário. Muitas vezes, uma pequena distância pode fazer toda a diferença. Minimizar o custo da nova casa reduz o valor da prestação de crédito à habitação. E, assim, também o valor da renda necessária para viabilizar a opção de ficar proprietário de duas casas.
No que diz respeito ao mercado onde vive, analise detalhadamente quais as rendas que estão a ser praticadas para um imóvel com a tipologia do seu. Se avançar com a iniciativa, deve sempre consultar uma mediadora imobiliária. Mas antes disso faça uma pesquisa para ficar com uma ideia aproximada do valor que pode vir a receber de renda. Só quando tiver um montante com uma margem de confiança forte poderá avaliar se a ideia tem pernas para andar.
Se viver numa “zona habitacional de elevada procura e escassa oferta, naturalmente terá mais facilidade em arrendar, menos tempo não-rentável e usufruirá de um maior valor de renda”, destaca a CEO da RE/MAX Portugal.
Qualificação do arrendatário é fundamental
Depois de avaliar o equilíbrio entre despesas e receitas, a sua análise ainda não está concluída. Há muitos imprevistos que podem surgir e tem de estar preparado para os enfrentar.
Um dos mais relevantes diz respeito à “qualificação do arrendatário, ou seja, avaliar o risco de incumprimento de pagamento da renda, mais reduzido com fiador, assim como os eventuais danos que possa causar à habitação, muitas das vezes esquecidos, mas que podem levar o interessado a incorrer em obras adicionais”, alerta Beatriz Rubio.
Da sua parte, sabe que tem de cumprir com o banco no pagamento mensal da prestação do crédito à habitação. Se o seu inquilino não cumprir no prazo de pagamento, não é só a estratégia que fica em causa. A sua futura habitação permanente fica ameaçada e pode ver-se numa situação complicada.
Para minimizar o risco, contrate uma agência imobiliária para encontrar o arrendatário. Estas empresas têm carteiras de clientes cujo historial conhecem e estão habituadas a selecionar clientes com bom perfil, o que reduz o risco de ficar com um inquilino que lhe dê muitas dores de cabeça. Quer no cumprimento dos prazos de pagamento, quer na conservação da sua habitação.
Dificilmente conseguirá o luxo de selecionar a dedo quem vai ser o próximo residente da sua casa, mas se tiver opção de escolha, tenha em conta estes dois fatores. Vai ter de pagar o crédito todos os meses, pelo que quanto mais longa for a duração do seu contrato, menor é a incerteza. Privilegie agregados familiares com situação financeira saudável e menos elementos, pois a probabilidade de causarem danos na habitação também é menor.
Ser senhorio exige tempo e paciência
Ter uma casa arrendada não dá trabalho apenas no momento de encontrar o inquilino certo. Vai ter de tratar da contabilidade e contactar periodicamente com o residente da sua habitação, sendo necessário que esteja disponível sempre que seja necessário intervir com alguma obra de manutenção, reparação da casa ou avaria de aparelhos.
“Ser senhorio exigirá tempo, paciência, energia e disponibilidade. Muito embora haja disponibilidade financeira e boas habitações no mercado para se seguir a estratégia de arrendar para comprar, sem a inevitável componente humana do negócio, não haverá uma boa prossecução desta estratégia”, resume Beatriz Rubio.
Pode ter a sorte de escolher um inquilino tranquilo, que só contacta uma vez por mês na altura de receber a renda. Ou o azar de ter contactos periódicos que lhe vão fazer perder tempo, paciência e dinheiro. É importante que esteja preparado para o pior cenário e que estude os deveres e direitos do senhorio.
O timing da compra e do arrendamento
Para ter sucesso, é importante que nesta estratégia de arrendar para comprar pense bem nos prazos das operações. Só pode arrendar a sua casa depois de ter disponível a que pretende comprar. Mas, logo que tiver a certeza que vai comprar uma nova habitação e arrendar a atual, o melhor será efetuar as duas coisas em paralelo.
Estas operações demoram tempo a concretizar-se e pode sempre colocar a sua casa no mercado de arrendamento, ressalvando que só está disponível a partir de determinada data. O objetivo passa por minimizar o tempo em que já está a habitar a casa nova, mas ainda não obtém rendimento da sua casa atual.
Segundo RE/MAX Portugal, o “tempo médio para arrendar ou para vender varia essencialmente em função de três variáveis: preço, localização e tipologia”. Em 2021, o tempo médio de venda variou entre os 90 e os 100 dias, “mas em 2022, os negócios têm sido mais rápidos, até por haver mais escassez na oferta, o principal problema do mercado imobiliário nacional”.
No que diz respeito ao arrendamento, o tempo médio ronda os 60 dias, “pois são negócios de menor risco e a curto/médio prazo”, diz a imobiliária, assinando que “em determinadas zonas, as casas são vendidas em menos de um mês e arrendamentos feitos em menos de 15 dias”.
Ter estes timings em mente é importante para planear da melhor forma a sua mudança e afinar a sua análise financeira. Seja conservador e preveja um período em que já está a pagar o crédito e ainda não recebe renda.
Tenha um fundo de emergência
Já percebeu que esta estratégia de arrendar para comprar pode ser apelativa, mas não está isenta de riscos. São vários os imprevistos que podem surgir pelo caminho. Dificuldade em encontrar o primeiro inquilino, atrasos no pagamento, períodos com a casa vazia, obras inesperadas, avarias, custos extra no condomínio, subida acentuada na prestação do crédito. A lista é grande e há várias coisas que podem correr mal.
O mais prudente passa por ter um fundo de emergência constituído especificamente para este efeito e que corresponda a alguns meses de renda. Assim, quando mudar de inquilino, ou não receber o valor a tempo e horas, o pagamento da prestação do crédito não fica ameaçado. Pode também optar por contratar um seguro para senhorios que cubra a perda da renda e as custas judiciais.
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